Sei que com este texto vou mexer num tema polêmico, mas não estou nem aí. Exponho o que penso e não me incomodo se o meu ponto de vista será aceito ou não pela mediocridade das pessoas do mundo evangélico com o qual eu convivo.
Desde a época em que me converti, ouvia alguns pastores dizendo que o crente não pode participar de festa junina, o que afetava o convívio de muitas crianças em suas escolas. Tais pregadores faziam questão de relacionar uma manifestação cultural popular com o pecado da idolatria, como se as pessoas envolvidas nas festividades estivessem prestando culto de adoração a Antônio, Pedro ou João Batista. Outros faziam questão de enfocar as raízes pagãs desses eventos para justificarem suas absurdas proibições.
De fato, as festas juninas surgiram como uma substituição às festividades pagãs dos povos germânicos que foram “cristianizados”. Para amenizar o choque da dominação cultural greco-romana, era preciso reorganizar o calendário de modo que, no dia em que os povos “bárbaros” praticavam alguma devoção aos seus deuses, os novos convertidos passariam a realizar comemorações em honra à memória de algum mártir cristão. Assim, as fogueiras do solstício do verão do hemisfério norte passaram a ser acendidas nos meses de junho em lembrança do nascimento de João Batista, o qual, assim como o dia de Natal (seis meses depois), foi uma mera convenção porque os Evangelhos nada dizem sobre a data exata em que Jesus ou seu primo vieram ao mundo.
A princípio parece ter sido uma jogada inteligentíssima da Igreja medieval que, naquela época, utilizava-se dos questionáveis métodos de “conversão forçada”, o que a meu ver contraria frontalmente os princípios cristãos. Porém, todo processo de dominação cultural não se torna uma via de mão única. Pois, ao mesmo tempo que se buscava impor uma nova cultura aos conquistadores de Roma, com o apoio dos novos reis que agora partilhavam a Europa Ocidental, eis que, na contramão de tudo isso, surgiu um sincretismo religioso, numa adaptação das crenças europeias antigas ao catolicismo.
Curiosamente, no Brasil, algo semelhante ao sincretismo católico-germânico veio a ocorrer nas antigas senzalas quando os negros escravizados ficaram proibidos de cultuar seus deuses. Então, para manterem as tradições africanas, os escravos precisaram adaptar-se aos rituais da fé católica, os quais eram praticados apenas exteriormente para enganar os padres. Assim, os orixás passaram a ser identificados com algum santo católico.
Voltando às festas juninas, não podemos nos esquecer que, apesar da origem pagã, novos sentidos foram agregados ao evento no decorrer da história. A fogueira de São João tornou-se uma tradição cristã não só no dia 24 de junho, como no Natal e na Páscoa. E, depois disto, passou a ser meramente um costume que aquece as noites frias do nosso hemisfério sul durante este mês de junho. E, juntamente com a fogueira, vieram os fogos de artifício, os balões (infelizmente danosos para o meio ambiente), a quadrilha, comidas e músicas típicas.
Com 322 anos de colonização portuguesa e mais algumas décadas em que o catolicismo permaneceu como religião oficial, isto é, na nossa curta monarquia de apenas dois reinados, as festas juninas passaram a integrar a cultura brasileira ganhando fortes raízes. Tornaram-se uma espécie de festa caipira, principalmente aqui nos estados do Sudeste. Já no Nordeste, tais festas passaram a fazer parte do calendário de muitas cidades, uma manifestação bem presente na vida comunitária que passou a integrar a identidade coletiva, atraindo, inclusive, muitos turistas.
No século XX, as festas juninas foram se secularizando ainda mais. Sem nenhum tipo de devoção idólatra aos santos católicos, muitas escolas passaram a organizar estes eventos, o que considero super saudável. E não só as escolas, como também alguns condomínios, associações e sindicatos também comemoram as festas do mês de junho sem nenhuma conotação religiosa.
Simulando casamentos na roça, as pessoas se divertem nas festas juninas dançando a quadrilha. As crianças, por sua vez, brincam de “pescaria” nas barraquinhas e participam de inúmeras outras atrações. Pouca gente hoje em dia associa o pau ensebado com o mastro de São João e muito menos com o costume pagão da “árvore de maio”. Os frequentadores lembram mais do chapéu de palha, da calça remendada e das camisas quadriculadas que tentam lembrar os trajes caipiras de uma época que não volta mais.
Durante a minha infância, por exemplo, jamais identifiquei as festas juninas com a idolatria. Lembro que algumas músicas falavam de São João, mas eu não conseguia ver nada mais além da alegre reunião comunitária que ocorria tanto na escola quanto na praça do bairro. Aliás, até hoje, quando penso no mês de junho, posso lembrar da época em que os adultos desenhavam um bigode no meu rosto antes de sair de casa e eu ia dançar quadrilha usando uma gravata presa com a caixa de fósforo.
Certa vez, numa de suas cartas, o apóstolo Paulo escreveu algo que de certo modo se aplicaria às festas juninas:
“Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas” (Tito 1:15)
Lamento muito o fato da maioria das igrejas evangélicas no Brasil até hoje não terem aprendido a separar as festas caipiras da idolatria que alguns católicos ainda praticam (nem todos os católicos são idólatras). E, neste aspecto, a chegada do protestantismo no Brasil, dentro da visão missionária dominadora dos norte-americanos, acabou se tornando mais um choque cultural ainda que com uma intensidade menor do que a cristianização forçada dos povos germânicos na Idade Média.
Sempre que procuro entender os motivos pelos quais o Evangelho não cresce entre os orientais fico a pensar se de fato os missionários estavam interessados em levar as boas novas de Cristo ou a imposição de uma outra cultura. Ao invés de incentivarem que uma cultura submeta-se voluntariamente ao domínio de Jesus Cristo, muitas missões do passado distanciaram mais ainda o Evangelho do cotidiano das pessoas, como se a conversão fosse incompatível com os hábitos de um povo.
Felizmente esta mentalidade está mudando e hoje em dia algumas missões já treinam seus evangelistas a se adaptarem à cultura na qual eles pretendem ingressar para anunciarem a Cristo. E, embora o Brasil tenha uma expressiva população de evangélicos e de cristãos em geral, temos uma cultura de cinco séculos e uma década que não pode ser esquecida, cabendo às gerações manter e aperfeiçoar aquilo que receberam de seus antepassados.
Na minha opinião, as igrejas evangélicas deveriam promover suas festas juninas, o que seria um excelente atrativo para se relacionarem com as comunidades onde estão estabelecidas. Até o dia dedicado a João Batista, cujo nascimento é incerto, pode muito bem ser aproveitado para a evangelização, lembrando-nos da vida daquele corajoso profeta que pregava a chegada do Messias e não temeu dizer a verdade quando Herodes vivia em flagrante adultério com a mulher de seu irmão.
Para 2010, desejo que tenhamos festas juninas alegres, com bastante quadrilha, brincadeiras inocentes e músicas animadas, mas, obviamente, sem os terrível balões, os quais, embora sejam bonitos, ameaçam o bem estar das pessoas e da natureza.
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