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segunda-feira, 15 de março de 2010

O cristianismo e a cultura cristã

Há uma diferença entre o cristianismo e aquilo que podemos chamar de cultura cristã.

Ao comissionar seus discípulos, o Senhor Jesus determinou que o seu Evangelho fosse pregado a todos indistintamente, o que significa levar as boas novas da salvação a todos os homens e mulheres que vivem nas inúmeras nações existentes no planeta.

Nesta direção, após o acontecimento do Pentecostes, formou-se na cidade de Jerusalém uma comunidade judaico-messiânica que passou a experimentar o judaísmo de um modo diferente dos demais israelitas. Eram judeus de origem, obedeciam a Torah, recitavam os Salmos, seguiam os costumes judaicos da época e se identificavam com os demais compatriotas como membros de uma mesma nação. Praticavam a caridade e estavam implodindo o sistema religioso-cultural judaico. Não que estivessem almejando destruir o judaísmo, mas sim reformá-lo, até porque nunca se auto-denominaram cristãos como se estivessem criando uma nova religião.

Contudo, lendo o livro de Atos, pode-se verificar que, no começo, os discípulos (homens de origem israelita) parecem não ter entendido que a mensagem evangélica deveria ser pregada também aos não judeus. O próprio apóstolo Pedro, por exemplo, precisou de esclarecimentos posteriores aos ensinamentos recebidos de Jesus para saber que deveria anunciar o Evangelho na casa de um centurião romano (ler Atos capítulo 10) e depois ainda teve que se explicar diante dos irmãos quando voltou para Jerusalém (cap. 11). Tempos depois, após Paulo ter evangelizado determinadas regiões da Ásia Menor (partes da atual Turquia), houve uma tentativa de se judaizar os novos convertidos de origem gentílica.

Pois bem. Passada a época apostólica, os cristãos foram tomando outros rumos. Converteram-se muito mais gregos do que judeus e os valores do helenismo, infelizmente, foram invadindo a Igreja. Teólogos do século II (os apologistas) começaram a ensinar sobre a compatibilidade da filosofia grega com o cristianismo, conforme defendia Justino, o Mártir. E, de acordo com a história, na segunda metade daquele século, pode-se afirmar que a comunidade judaico-messiânica existente em Jerusalém, fundada pelos apóstolos, já não estava mais lá.

No século IV, o cristianismo foi decretado como a religião oficial do Império Romano, passando a influenciar os costumes das pessoas que viviam naquela vasta região dominada por Roma. E, deste modo, estava sendo formada uma cultura cristã de origem helênico-judaica que se manteve na Europa por longos séculos, mesmo após a queda do Império Romano do Ocidente (século V).

Dentro de uma cultura cristã, passaram a viver muitos reinos bárbaros que conquistaram Roma. Também foi debaixo desta cultura que as Américas foram colonizadas pelos europeus. E até mesmo o mundo muçulmano recebeu uma forte influência da cultura cristã.

Pode-se ainda dizer que os direitos humanos também foram criados com base nos valores dessa cultura cristã. Os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, mesmo contrariando o clero da época, formaram a base ideológica da Revolução Francesa e que, depois, influenciaram a ONU no século XX.

O Brasil, dando aqui mais um exemplo, é um Estado que, embora seja laico, possui valores na sua Constituição, como a dignidade da pessoa humana, que, em última análise, inspiraram-se no cristianismo.

Atualmente, busca-se no mundo criar uma cultura pós cristã como um substituto da cultura cristã, negando o cristianismo e proibindo que qualquer religião seja mencionada nos diversos meios sociais, o que considero uma usurpação sem sombras de dúvidas.

Contudo, é preciso reconhecer que a cultura cristã não é, nunca foi e jamais será o cristianismo!

Em Atos dos Apóstolos, a Bíblia diz que, na cidade de Antioquia, na Síria, "foram os discípulos, pela primeira vez, chamados de cristãos" (At 11.26b), o que, de acordo com o contexto, depreende-se que tratou de uma denominação dos gregos que habitavam aquela região, uma vez que o Evangelho lhes foi anunciado pelos irmãos que tinham fugido da perseguição ´perpetrada contra a Igreja em Jerusalém (At 11.19-21).

Ora, fossem os discípulos cristãos ou judeus messiânicos, não estavam ali pregando uma nova cultura, mas sim o Evangelho de Jesus Cristo. Embora aqueles corajosos pregadores fossem, conforme o texto, judeus convertidos "de Chipre e de Cirene", eles só estavam interessados em ganhar almas para o reino de Deus afim de que todos os homens viessem a conhecer Jesus como Senhor e Salvador.

Paulo que, tempos depois, iria se congregar entre os irmãos de Antioquia, mostrou ao mundo o que deveria ser feito para que o Evangelho fosse pregado a todos a ponto do apóstolo ter-se comportado como judeu para ganhar judeus e como grego para ganhar gregos. Aquele tradicional israelita da tribo de Benjamim, que levava o nome do primeiro rei de seu povo (Saulo vem de Saul), optou por fazer parte de um único povo - o povo de Deus, o que, em outras palavras, significa ganhar todos os povos para Deus. O seu discurso, proferido no areópago ateniense (At 17.16-34), em momento algum fez apologia da cultura judaica, mas ensinou aos gregos sobre o Deus que eles desconheciam e sobre um homem que este Deus "destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos", ou seja, Jesus.

Sendo assim, Paulo e os verdadeiros evangelistas do século I não estavam interessados em levar para os povos pagãos a cultura judaica, mas tão somente as boas novas do Evangelho, afim de que as comunidades dos novos convertidos descobrissem a vida abundante que receberam em Cristo.

Sem dúvida que isto não é o que acontece sempre nos trabalhos missionários. No Brasil colonial, os índios, ao serem catequizados pelos jesuítas, foram privados de muitos dos seus costumes. No século XX, muitas missões evangélicas estavam exportando uma cultura cristã norte-americana, provocando muitas vezes uma perda de identidade nos novos convertidos como se fosse necessário aceitar a cultura de um país estrangeiro para que o crente também pudesse aceitar a Cristo.

Confesso que, desde a minha adolescência, questiono por que o cristianismo não cresce em determinados países do Oriente e sobretudo entre os povos muçulmanos. Embora seja este um longo debate no qual não pretendo me aprofundar neste artigo, não se pode negar a falta de tato das missões nos séculos anteriores que não souberam lidar com a cultura dos povos muçulmanos.

Será que os ensinamentos do islamismo não podem de alguma maneira ser utilizados para se iniciar uma pregação de fé? Por acaso Maomé também não falou sobre Jesus? E os costumes dos povos muçulmanos são piores do que os do ocidente? Ou será que não teríamos muito a aprender com eles em termos de cultura?

Outrossim, vejo a sociedade ocidental como refém da cultura cristã que nós e os nossos antepassados criaram. Infelizmente, nos tornamos presas de tradições que têm impedido muitos de conhecerem a Jesus verdadeiramente. Somos hoje vários povos que habitam as Américas, a Europa, parte da África, a Oceania e alguns lugars da Ásia, mas que, presunçosamente, pensamos conhecer Jesus apenas porque ouvimos falar de sua história desde a nossa infância, frequentamos alguma igreja, fomos batizados ou fizemos alguma confissão pública de fé.

É triste ter que admitir, mas a cultura cristã tem é levado muita gente para o inferno. E para que ninguém pense que estou sendo radical, basta olharmos para o inferno de vida que muita gente tem vivido nesta terra mesmo debaixo da cultura cristã, sem conhecerem a Cristo de verdade. E posso falar de peito aberto porque eu mesmo não escapei disto uma vez que nasci num país que se considera cristão e só comecei a conhecer Deus verdadeiramente na minha adolescência.

Venho de uma família de cultura cristã. Meu falecido pai era dizia-se ateu e minha mãe talvez se considerasse uma católica não praticante. Então, para manter os costumes, batizaram-me quando eu ainda era bebê e nem sabia o que estava acontecendo. Quando raramente me levavam à missa, eu ficava entediado e preferia mil vezes brincar com outras crianças.

Recordo-me que certa vez, durante a minha infância, alguém levou-me para passear na igreja de Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro, no bairro Grajaú, Rio de Janeiro. Ali, mostraram-me algumas pinturas sobre Jesus e Maria, apresentando-me o "Papai do Céu". Porém, a figura do papai Noel ainda tinha mais significado do que Deus em minha cabeça infantil.

Anos depois, quando eu ainda estava na alfabetização e ansiava por comer ovos de chocolate, minha mãe contou-me que a figura mitológica do coelhinho da Páscoa não existia, de modo que, de imediato, minha mente de sete anos de idade concluiu que o Papai Noel, igualmente, não fazia parte do mundo real, o que foi confirmado por ela. Então, se a memória não me falha, acho que lhe perguntei se o Papai do Céu também não existiria, o que, desta vez, foi negado por minha mãe.

O tempo passou e, aos meus 14 anos (1990), comecei a assistir programas cristãos na rádio e na TV sem que ninguém de minha família soubesse e, às escondidas, fui frequentando a igreja de minha avó materna. Meu coração adolescente estava com uma grande fome e sede de Deus, do Deus vivo.

Foi nesta época de minha vida quando redescobri Deus, o que foi algo demasiadamente maravilhoso pra mim. O “Papai do Céu” agora tinha se tornado um personagem real na minha vida! Jesus já não era apenas um homem muito bondoso que morreu torturado na cruz, ressuscitou e foi para os céus. Agora eu podia então falar com Ele, orar por curas, interceder pela minha família e, principalmente, ter a esperança que, na eternidade, poderia morar para sempre na Nova Jerusalém.

A partir daí, começou todo um processo de conhecimento desse Deus, o que até hoje não terminou. A cada dia tenho conhecido um pouco mais sobre Ele. Quando menos espero, tenho significativas experiências que tocam no meu caráter e sustentam minha fé.

Não vou negar que as diversas denominações religiosas também produzem uma espécie de cultura cristã própria de cada comunidade. Percebo que a cultura institucional pode nos levar a cometer sérios enganos, pois podemos ser tentados a substituir o cristianismo verdadeiro por um hábito de apenas ir à igreja, cometendo os mesmos erros dos fariseus na época de Jesus.

Por mais que seja positivo o cristianismo influenciar a cultura de uma sociedade, precisamos ficar atentos para que não nos enganemos a este respeito e devemos ter o nosso foco voltado para vivermos de fato o Evangelho.

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