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terça-feira, 23 de março de 2010

As evoluções sociais do país: do pau-brasil ao pré-sal

Para uma melhor compreensão do atual contexto social e econômico do Brasil, é indispensável que se faça uma análise histórica capaz de informar as profundas transformações ocorridas durante os cinco séculos que seguiram após o que se convencionou chamar de “descobrimento”.

Como se sabe, a descoberta do “novo mundo” pelas nações europeias deu-se no final do século XV, através das grandes navegações, tendo sido o Brasil oficialmente “encontrado” no ano de 1500, através dos portugueses.

Até então, a América do Sul era ocupada por diversos povos indígenas, possuidores de uma cultura e de uma organização próprias em tribos, sendo que, no território brasileiro, tem-se notícia de grupos nômades (coletores e caçadores) e praticantes de uma agricultura rudimentar.

Nos primeiros contatos entre os portugueses e as terras brasileiras, ocorridos nas três primeiras décadas, pode-se afirmar que não houve uma efetiva colonização, visto que os europeus limitaram-se à prática do extrativismo vegetal, notadamente de uma palmeira conhecida como pau-brasil.

Com a expedição de Martins Afonso de Souza, precedida pelo declínio do comércio com a Índia, inaugurou-se o processo de colonização europeia no Brasil, em que Portugal, a princípio, adotou como alternativa introduzir o cultivo da cana-de-açúcar no litoral nordestino como principal produto da economia colonial, utilizando-se do fértil solo massapé, bem como do generoso clima da região.

Sem dúvida que para desenvolver a agroindústria canavieira, a Coroa Portuguesa precisava incentivar a ocupação do território de sua colônia e no uso de mão-de-obra. Para isso, as terras descobertas à leste do Tratado de Tordesilhas, foram divididas em 15 (quinze) autarquias territoriais conhecidas como capitanias hereditárias. Ou seja, o rei de Portugal doou para os vassalos de sua confiança porções de terras latitudinalmente separadas e que seriam administradas pelos respectivos donatários, os quais cumpririam com o dever de pagar impostos à Coroa.

Certamente que todo esse processo de ocupação e exploração do território exigiria a expulsão ou a submissão dos povos indígenas que até então estavam estabelecidos nessas regiões, desconhecendo os limites de fronteiras impostos pelo colonizador, bem como sua língua, costumes e modo de vida, fato que gerou evidentes conflitos resultando num inegável genocídio.

Por sua vez, necessitava o colonizador de que fosse utilizada mão-de-obra barata para trabalhar na lavoura da cana-de-açúcar, o que originou o comércio de escravos, em que milhões de negros foram capturados no continente africano e transportados até o Brasil para suprirem as demandas dos senhores de engenhos.

Durante todo esse processo de ocupação do território brasileiro, a Igreja Católica fez-se presente como uma instituição da sociedade colonial, tanto nos engenhos quanto nos povoados que foram se formando ao longo do litoral e que deram origem às cidades. Aliás, diga-se de passagem, que os padres jesuítas controlaram muitos engenhos de cana-de-açúcar e foram responsáveis pela conversão forçada de milhares de negros e indígenas.

Com a fracassada tentativa de implantação do sistema de capitanias hereditárias, seguiu-se com a criação de um Governo Geral, sediado em Salvador, para administrar toda a colônia através de um preposto nomeado pela Coroa Portuguesa, mantendo os engenhos de cana-de-açúcar como unidades de produção de riqueza.

Importante destacar que, no final do século XVI, Portugal passou a pertencer à União Ibérica, em razão de uma crise sucessória, passando o Brasil a ser governando na prática pela Espanha, durante um período de sessenta anos.

Pode-se atribuir à formação União Ibérica um dos principais motivos pelo qual o território brasileiro teria se expandido para além dos limites do Tratado de Tordesilhas, ampliando o processo de ocupação das terras indígenas.

No século XVII, o Brasil foi parcialmente invadido pelos holandeses que ocuparam a próspera capitania de Pernambuco, uma das poucas que havia se desenvolvido no sistema político inicialmente implantado pela Coroa Portuguesa.

Com o desfazimento da União Ibérica e a expulsão dos holandeses de Pernambuco, Portugal passou a suportar duas consequências econômicas negativas no século XVII: o endividamento com a Inglaterra e a concorrência no mercado europeu do açúcar produzido nas Antilhas.

Assim, pode-se dizer que, com a dependência econômica de Portugal à Inglaterra e o declínio da agroindústria canavieira, a colonização do Brasil foi se tornando mais opressora, resultando no aumento de impostos e numa maior exploração da mão-de-obra.

Observa-se, com isso, que o aumento da opressão colonizadora contribuiu para que ocorressem rebeliões e movimentos de protestos contra a Coroa Portuguesa, partindo ora da classe dominante insatisfeita com os pesados tributos e, em algumas ocasiões, dos pobres. Porém, não se tratavam de movimentos que tivessem por objetivo a proclamação da independência do Brasil, mas tão somente expor a revolta da sociedade contra a excessiva exploração.

É relevante constatar que, apesar do gradual declínio do comércio do açúcar, a sociedade brasileira foi se desenvolvendo culturalmente nos dois primeiros séculos de colonização, verificando-se notáveis obras produzidas durante o período do Barroco, predominantemente em Salvador.

No século XVIII, a sociedade brasileira passa por consideráveis transformações decorrente de um novo ciclo econômico – a mineração.

Com a descoberta de ouro e de pedras preciosas em Minas Gerais, a economia da colônia desloca-se do Nordeste para o Sudeste, atraindo milhares em busca de um rápido enriquecimento, o que contribuiu para o aumento da população que, de 3000 habitantes, passa para 3.000.000 num período de aproximadamente cem anos, sem contar, evidentemente, com os índios, os quais foram sendo dizimados.

O desenvolvimento da mineração propiciou a formação de muitas cidades e vilarejos no interior do Brasil cujo povoamento até então concentrava-se no litoral.

Por sua vez, a capital da colônia passou a ser no Rio de Janeiro e não mais em Salvador.

O Sul, que até então nunca havia despertado o interesse da Coroa Portuguesa, começa a ser ocupado por famílias provenientes das ilhas açorianas que se instalam a princípio em Santa Catarina e depois, no Rio Grande do Sul, passando a abastecer com carne a região aurífera, dando origem ao movimento dos tropeiros que cruzavam o território do país transportando os rebanhos.

Contudo, na segunda metade do século XVIII, a mineração começa a experimentar um declínio com o esgotamento dos aluviões, gerando uma maior opressão por parte da Coroa Portuguesa. Surgem daí não somente novas revoltas contra a pesada carga tributária, como também as primeiras ideias de independência consubstanciadas na Inconfidência Mineira que almejava libertar o Rio de Janeiro e parte de Minas Gerais de Portugal.

Apesar de não ter alcançado o êxito desejado pelos seus líderes, fortemente influenciados pelos ideais do Iluminismo da Revolução Francesa e pela independência das 13 colônias norte-americanas, o movimento dos inconfidentes ficou registrado na literatura árcade que marcou a produção cultural brasileira da época, tornando-se um forte indicativo para o mundo de que parte da sociedade colonial desejava tornar-se livre da metrópole.

Observa-se que, a partir de então, movimentos semelhantes começam a acontecer na América espanhola, alicerçados nos mesmos ideais do Iluminismo e inspirados na independência dos Estados Unidos.

No entanto, logo no começo do século XIX, com o expansionismo francês de Napoleão Bonaparte e atenta aos movimentos políticos e sociais na América do Sul, a Coroa Portuguesa vem instalar-se no Rio de Janeiro, formando o Reino Unido de Portugal e Algarves, governado por Dom João VI.

A vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, acarreta mudanças irreversíveis na economia e na política brasileira, entre as quais se destaca a abertura dos portos para as nações amigas já que, até então, todo o comércio da colônia era feito exclusivamente com a metrópole.

Assim, passado o período da invasão francesa em Portugal, determinando o regresso de Dom João VI para Lisboa, a sociedade brasileira recusa-se a retornar à condição de colônia, o que induz à proclamação da independência, em 1822, pelo próprio herdeiro do trono português, Dom Pedro I, o qual passa a ser o primeiro imperador do Brasil.

Deste modo, diferentemente do sangrento processo de independência da América espanhola e dos Estados Unidos, o Brasil conquista sua independência formal por um ato de comum acordo entre as elites e a sociedade internacional que foi capaz de manter por mais tempo a influência econômica e política de Portugal e também da Inglaterra.

Estabelecido na forma de monarquia, o governo brasileiro prospera através do cultivo do café, o qual vem a ser o novo carro chefe da economia do país, dependente, sobretudo, da utilização da mão-de-obra escrava, tal como nos ciclos anteriores, cujo comércio começa a ser combatido pela Inglaterra.

Com o desenvolvimento do café, uma nova elite de fazendeiros passa a influenciar a política nacional, os quais recebem títulos de nobreza e passam a ter o direito de votar e de serem votados para o Parlamento.

A Igreja Católica, embora já não tão forte como no início da colonização, prossegue como religião oficial durante todo o Império, alcançando uma notável capilaridade social com a direção das Freguesias, que foi uma espécie de poder infra-municipal.

Certamente que o poder local passa a ser exercido pelo barões do café que se enriquecem com a comercialização do produto no mercado externo e também com o tráfico de escravos, que surge como uma tentativa de burlar as novas leis, a partir do momento em que, por pressões da Inglaterra, o Brasil passa proibir o comércio da mão-de-obra negra.

Nota-se na primeira metade do século XIX o florescimento do romantismo brasileiro, o qual retrata o mundo idealizado da sociedade da época, ainda que numa visão elitizada dos barões e da classe média urbana.

Essa classe média, formada a princípio por comerciantes, profissionais liberais e militares, vai se desenvolvendo aos poucos no século XIX dentro das cidades.

No Nordeste, verifica-se a patente decadência dos senhores de engenho, mas que permanecem no poder provincial e sobrevivendo de benefícios estatais.

Com os movimentos separatistas e a guerra do Paraguai (o maior conflito bélico ocorrido até hoje na América do Sul), os militares começam a ter destaque no cenário político nacional, na segunda metade do século XIX.

Sem dúvida que a guerra do Paraguai, apesar da vitória brasileira, trouxe consequências nefastas para o país que se endividou mais ainda com a Inglaterra para cobrir gastos com a aquisição de armamentos e pagamento de pensão às famílias dos soldados mortos em combate.

Por outro lado, a guerra do Paraguai contribuiu para acelerar o gradual processo de abolição dos escravos, o que já era defendido por setores mais progressistas da sociedade brasileira, sobretudo a classe média urbana, sendo verificado pelo estilo literário realista, posterior ao romantismo.

Tem-se um breve surto de industrialização no Sudeste, juntamente com a expansão das ferrovias, mas que não foi capaz de alterar significativamente a economia brasileira, a qual permaneceu essencialmente rural por todo o século XIX e mesmo nas três primeiras décadas do século XX.

A abolição da escravatura (1888), no entanto, desagrada a elite de produtores de café, os quais, com o apoio dos militares, tornam-se os principais responsáveis pela proclamação da República, em 1889, e passam a controlar diretamente o poder político através do voto do cabresto.

Pode-se assim dizer que a República Velha foi marcada pelo “coronelismo” em que as oligarquias rurais, ao invés de títulos de nobreza, adquire patentes do exército e exerce forte influência sobre a política nacional e local, obviamente através de fraudes eleitorais e de intervenções criminosas da polícia, ocasionando mortes e ameaças aos eleitores.

Todavia, a cultura do café perde o fôlego com a quebra da bolsa de Nova Iorque (1929), possibilitando uma ruptura política no ano seguinte com a revolução de 1930, o que permite o desenvolvimento da atividade industrial na chamada era Vargas que durou até 1945.

Sabe-se que, nesse período, propagou-se o fascismo por vários países da Europa, tido ainda como um eficiente movimento de alternativa para conter a ameaça do comunismo, tendo em vista a necessidade de reconhecimento dos direitos trabalhistas, capaz de tornar menos sofrida a vida do operário do século XX.

A fim de promover a industrialização brasileira, Vargas concede direitos apenas aos trabalhadores urbanos, contribuindo assim para um progressivo êxodo rural capaz de esvaziar as falidas fazendas de café.

A participação brasileira na segunda guerra mundial marca o final da era Vargas e da ditadura do Estado Novo (1937-1945), trazendo de volta os ideais da democracia constitucional, caracterizada pelo pluripartidarismo e pelo voto direto, embora o Partido Comunista tenha atuado clandestinamente.

Desenvolvem-se no novo regime político (1946-1964) vários movimentos sociais lutando por reformas, tanto na cidade quanto no campo, objetivando a melhoria das condições de trabalho. As organizações sindicais, criadas figurativamente na era Vargas, tornam-se instituições que lutam por mudanças, influenciadas por ideais socialistas ou da social democracia.

A economia brasileira continua a crescer, principalmente no novo mandato de Vargas que retorna como presidente eleito e cria a PETROBRAS, e depois sob o comando de Juscelino Kubicheck, o qual atraiu a instalação de montadoras de automóveis para o país e construiu Brasília que se torna a nova capital brasileira.

Entretanto, as reivindicações sociais no Brasil começam a gerar preocupações para a elite brasileira e para os Estados Unidos que apoiam o golpe militar de 1964, com o argumento de evitar a “ameaça vermelha” do expansionismo soviético.

Deposto o presidente João Goulart, o Brasil mergulha nas densas trevas do regime militar (1964-1985), no qual se verificou uma perseguição aos principais movimentos sociais capazes de promover mudanças profundas no país – os sindicatos e as entidades estudantis. Milhares de pessoas são presas, exiladas, torturadas e mortas.

A produção cultural brasileira também sofre interferências em sua evolução com o regime militar que impõe uma estúpida censura a músicas, filmes, noticiários, programas de rádio e de televisão.

Além da proibição de eleição direta para o cargo de presidente da República, o regime militar impõe o bipartidarismo, cassa o mandato de parlamentares da oposição e indica governadores e prefeitos conforme a conveniência dos generais.

No entanto, a sociedade brasileira reage ao autoritarismo dos militares, culminando no movimento “Diretas Já” (1984), ocasião em que o pluripartidarismo já se encontrava restabelecido desde 1979.

Apesar do Congresso brasileiro não ter aprovado as eleições diretas para presidente, em 1984, é eleito Tancredo Neves que vem a falecer antes de sua posse.

Assumindo a Presidência em 1985, José Sarney busca controlar a super-inflação herdada do último governo militar, a qual foi consequência de um declínio da economia mundial datado da crise do petróleo (1973). Em 1986, é decretado o “Plano Cruzado” que fracassa junto com outras tentativas como o “Plano Bresser” (1987) e “Plano Verão” (1989).

Com um Congresso democraticamente eleito em 1987, é formada uma Assembleia Constituinte que, no ano de 1988, com a participação de vários setores da sociedade, promulga a atual Carta Política que marca o nascimento de um novo Estado de Direito, com forte inspiração em princípios da social democracia.

Em 1989, o povo brasileiro pôde novamente votar para presidente, elegendo Fernando Collor, o qual promete implantar o seu projeto neoliberal.

Acusado da prática de corrupção, Collor sofre um processo de impeachment e renuncia em 1992, assumindo em seu lugar Itamar Franco que, cedendo às pressões internacionais, nomeia Fernando Henrique Cardoso para dirigir a economia e implantar medidas liberalizantes.

Com a estabilização monetária através do “Plano Real”, Fernando Henrique é eleito presidente em 1994 e reeleito no pleito de 1998, dando prosseguimento às reformas de caráter neoliberal e ao processo de desestatização da economia, com o apoio significativo da elite brasileira.

A crise das bolsas asiáticas, em 1997, juntamente com o descontentamento de vários setores da sociedade brasileira com a perda gradual do poder aquisitivo, faz com que as medidas liberalizantes viessem a desacelerar e contribuem para a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (2002) que se reelege em 2006, contrariando as expectativas geradas por sua campanha.

Contudo, apesar do empobrecimento causado pelo desemprego e pela retração da economia nas últimas décadas, a sociedade brasileira voltou a se organizar após o fim do regime militar e com a promulgação da Constituição de 1988, construindo a cada ano uma democracia mais participativa por sua própria iniciativa.

Ainda que tenha ocorrido um enfraquecimento das entidades sindical e estudantil, houve um notável crescimento dos movimentos de minorias em busca do resgate da cidadania, tais como negros, mulheres, idosos, homossexuais, indígenas, sem-terra, sem-teto, portadores de doenças crônicas, portadores de necessidades especiais, entre outros, além dos ambientalistas.

Contudo, pode-se notar a ocorrência de recentes mudanças na economia e na política do país. A descoberta dos campos petrolíferos do pré-sal, no segundo mandato do presidente Lula, tem sido amplamente comemorada como um novo ciclo de desenvolvimento, sendo que poucos refletem sobre os reflexos negativos que podem ocorrer caso a economia brasileira torne-se dependente da extração deste mineral.

Além do risco de sobrevalorização cambial que dificultaria a exportação dos setores agrícolas e industriais, o Brasil corre vários riscos de se tornar uma economia fortemente estatizada, com pouco estímulo à iniciativa privada. E o gigantismo estatal pode também vir a representar um risco para o desenvolvimento da democracia do país, tendo em vista a nova onda totalitária de esquerda que hoje avança sobre vários países da América Latina.

Pela primeira vez em várias décadas a federação brasileira enfrenta uma nova crise com as disputas pela distribuição dos royalties da produção petrolífera, os quais, diga-se de passagem, não têm sido aplicados satisfatoriamente na promoção do bem estar social e da compensação ao meio ambiente. Aliás, corre-se o sério risco de que tais recursos não cheguem ao cidadão comum, uma vez que a fiscalização da sociedade sobre a aplicação das verbas provenientes do petróleo é muito deficiente devido à má formação educacional da população brasileira.

Diante deste novo quadro, é preciso que a sociedade brasileira prossiga para alcançar a tão sonhada maturidade democrática e que saiba preservar a a liberdade duramente conquistada, buscando resgatar sua identidade e construir novas relações humanas baseadas no exercício dos direitos fundamentais que foram estabelecidos pela Constituição de 1988.

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