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| Protesto realizado em 2019 em prol da UFRJ |
Em 19 de dezembro de 2025, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2026 com significativas supressões de recursos destinados às universidades federais e institutos federais de educação superior (IFES) em um ano que já se anuncia eleitoral e de enorme relevância para o futuro das políticas públicas no Brasil.
Embora o texto aprovado contemple parcialmente o que o Executivo federal havia proposto no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) enviado, o resultado final revela recortes em rubricas essenciais do orçamento discricionário, que é a parcela em que as universidades têm autonomia para decidir onde gastar e que cobre despesas com água, luz, manutenção, segurança, limpeza, assistência estudantil e bolsas de estudo. Segundo entidades representativas, esse corte foi de quase R$ 400 milhões em comparação ao orçamento discricionário previsto para 2025, sem sequer considerar a inflação ou o aumento dos custos de contratos; apenas na assistência estudantil, o corte foi de cerca de R$ 100 milhões (queda de 7,3%).
Antecedentes recentes: o desmonte silencioso do financiamento universitário
A questão do financiamento das universidades federais não começou com esta LOA: ela é o resultado de uma trajetória de desinvestimento nos últimos anos, que atravessa governos e ciclos econômicos.
📌 Após a crise econômica de 2015–2016 (que marcou o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff), o orçamento discricionário das universidades começou a sofrer restrições, não por desdém ideológico, mas pela necessidade de ajuste fiscal frente a uma recessão profunda que comprometeu a capacidade de investimento público.
📌 No governo Jair Bolsonaro (2019–2022), as universidades federais registraram quedas reais no custeio — estimativas apontam que, entre 2019 e 2022, os recursos disponíveis para manutenção e bolsas caíram significativamente e ficaram cerca de 12% abaixo do que eram no início dessa gestão, mesmo antes da pandemia.
📌 Dados compilados por estudos independentes mostram que o total de repasses às universidades federais em 2026 será aproximadamente metade do que se destinava em 2014, quando se ajusta pela inflação — ou seja, em termos reais o financiamento público caiu drasticamente na última década, mesmo com a expansão do número de instituições e de estudantes atendidos. Alguns levantamentos indicam que o montante previsto para 2026 (aproximadamente R$ 7,85 bilhões em custeio) representa apenas cerca de 45% do que era destinado em 2014 e que os recursos para investimentos estruturais despencaram a níveis quase simbólicos, com pouco mais de R$ 300 milhões previstos — menos de 6% do que se destinava à infraestrutura há 11 anos.
Esse cenário de retração progressiva não é apenas uma estatística: ele se transforma em salas sem manutenção adequada, laboratórios desatualizados, problemas de segurança de infraestrutura e dificuldade de pagamento de contratos essenciais, que acabam por comprometer a capacidade de ensino, pesquisa e extensão.
Impactos práticos nos campi universitários
A redução do orçamento discricionário tem consequências diretas e imediatas:
🔹 Funcionamento cotidiano
- Serviços básicos como limpeza, vigilância, manutenção predial, energia elétrica e água ficam vulneráveis quando não há orçamento adequado.
- Equipamentos de laboratório e materiais de consumo essenciais para aulas práticas ou pesquisa podem ficar paralisados por falta de recursos.
🔹 Assistência estudantil
- Cortes nos recursos destinados a políticas de permanência estudantil — incluindo alimentação, moradia e transporte — penalizam estudantes de baixa renda, justamente aqueles que dependem da educação pública para ascensão social e igualdade de oportunidades.
🔹 Pesquisa científica
- Reduções no custeio ou no orçamento de agências como CAPES e CNPq prejudicam o financiamento de bolsas de pesquisa, convivendo com menos recursos para projetos essenciais, inovação tecnológica e produção científica que beneficia o país como um todo.
Além disso, muitas IFES já relataram que, diante das restrições, dependem crescentemente de emendas parlamentares para cobrir lacunas orçamentárias, o que fragiliza a autonomia institucional e cria vínculos políticos nem sempre alinhados com planejamento estratégico acadêmico.
Por que o Congresso decidiu cortar?
Há três forças principais em jogo:
🟡 Negociação político‑eleitoral
Em um ano eleitoral, parlamentares tendem a pressionar por uma maior fatia do orçamento em emendas parlamentares individualizadas, que podem ser usadas como moeda de troca política em suas bases eleitorais — mesmo à custa de políticas estruturantes como educação superior e ciência.
🟡 Disciplina fiscal
Parcela do Legislativo argumenta que cortes são necessários para respeitar limites de gasto ou para abrir espaço fiscal para outras despesas, pressionados por compromissos macroeconômicos.
🟡 Prioridades divergentes
Muitos parlamentares privilegiam obras pontuais ou demandas regionais de curto prazo (por meio de emendas), em detrimento de políticas de longo prazo como educação e pesquisa.
Essa dinâmica evidencia uma crise institucional no planejamento orçamentário brasileiro, em que o Congresso absorve grande parte do poder de decisão sobre prioridades públicas, restringindo a capacidade do Executivo de implementar políticas coerentes de médio e longo prazo.
Há espaço para veto presidencial?
No entanto, mesmo que um veto não seja derrubado pelo Congresso, a realidade prática do orçamento ainda dependerá de:
Ou seja, o veto pode aliviar a situação e indicar prioridade governamental pela educação pública, mas não garante automaticamente que o valor será todo repassado às universidades, dada a fragilidade do quadro fiscal.
Medidas compensatórias e ajustes internos nas universidades
Diante desse quadro, muitas instituições têm adotado estratégias de planejamento de crise, como:
Essas medidas, embora necessárias para “segurar a barra” no curto prazo, não substituem um orçamento público robusto e sustentável — essencial para manter a qualidade da educação superior pública e a pesquisa científica no país.
Conclusão — mais do que números, é uma escolha de país
Seja pelo poder de veto presidencial, seja pela pressão política de reitores, estudantes, professores e sociedade civil, esse debate deve continuar. Porque, no fim, trata‑se de assegurar que o Brasil tenha instituições capazes de formar, investigar e inovar — o que significa um país mais justo e competitivo no século XXI.
🟦 Nota sobre os impactos locais nas IFES fluminenses e sua relação com o planejamento municipal
No contexto do corte no orçamento federal para 2026, é essencial destacar que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) sediadas no estado do Rio de Janeiro — como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) — enfrentam um quadro de restrição orçamentária acumulado ao longo de quase uma década, que se agrava com o recente corte aprovado pelo Congresso. Essa realidade já tem repercussões concretas para o cotidiano dessas instituições e também para os planos de desenvolvimento territorial e municipal em toda a Região Metropolitana e no interior fluminense.
A UFRJ, por exemplo, viu seu orçamento discricionário cair de aproximadamente R$ 784 milhões em 2012 para cerca de R$ 406 milhões em 2025 (valores corrigidos pela inflação), uma redução de mais de 50% em termos reais, segundo dados apresentados pelos gestores da universidade ao Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Friperj). Mesmo com resultados acadêmicos e avanços institucionais, essa queda impacta diretamente a capacidade de honrar contratos de manutenção, serviços essenciais e funcionamento cotidiano dos campi — com reflexos em toda a cidade do Rio de Janeiro, que abriga grande parte da comunidade acadêmica e seus serviços auxiliares.
Da mesma forma, a UFF relatou que, diante de orçamentos reduzidos, opera com recursos insuficientes para garantir o pagamento de bolsas, a manutenção de restaurantes universitários e a contratação de serviços terceirizados, peças fundamentais para a permanência estudantil. A UFRRJ, que atende a municípios do interior fluminense, também tem alertado parlamentares para os impactos das restrições orçamentárias na capacidade de planejar e executar suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Essas condições repercutem não apenas dentro dos muros das universidades, mas também para o planejamento municipal e regional. IFES são polos de desenvolvimento local: geram emprego, atraem estudantes de diversas regiões, fomentam atividades econômicas — de moradia estudantil a comércio e serviços — e colaboram com políticas públicas nas áreas de saúde, educação básica, agricultura, tecnologia e sustentabilidade. A redução de recursos compromete esse ecossistema, diminuindo a capacidade das IFES de contribuir com projetos urbanos, programas de pesquisa aplicada e iniciativas de desenvolvimento territorial que muitas prefeituras dependem para inovar e crescer.
Nesse sentido, a articulação entre IFES, governos municipais e a bancada federal fluminense, como a promovida pelo Friperj, é um indicativo de que o debate deve ultrapassar a esfera federal e dialogar com os planos diretores municipais e regionais, para que estratégias conjuntas de mitigação dos impactos sejam construídas — seja por meio de mobilização política, projetos integrados de pesquisa com aplicações locais ou mesmo mecanismos de cooperação técnica e financeira entre municípios e universidades, que podem atenuar parte das restrições orçamentárias em curso.
📷: Fábio Caffé (Coordcom/UFRJ)







