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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Mangaratiba — Da Ação Civil Pública ao Termo Aditivo: Perdeu-se o objeto ou mudou-se o caminho? O papel da sociedade no controle do saneamento até 2026


Prefeitura de Mangaratiba, Out/2024/Divulgação


Quando Mangaratiba ingressou com a Ação Civil Pública 0003741-94.2016.8.19.0030 contra a CEDAE, há quase uma década, o cenário era de emergência: bairros inteiros sem água por dias, fornecimento irregular, caminhões-pipa improvisados e uma população pagando por um serviço que sequer recebia. A ação teve caráter reativo, emergencial e necessário diante do desabastecimento crônico.

No entanto, em outubro de 2024, no finalzinho do governo Alan Bombeiro, o Município celebrou um Termo Aditivo ao Contrato de Programa, criando metas, indicadores, obras previstas, penalidades e obrigações específicas. Surge, então, a pergunta inevitável: Houve perda de objeto da ação judicial?

A resposta exige cuidado.
Quando uma ação discute a prestação do serviço em si e o contrato posterior redefine a obrigação de prestar, o objeto não se perde — ele se desloca.

A ação tratava de um serviço essencial prestado de forma irregular. O Termo Aditivo trata da forma planejada e mensurável de executá-lo daqui em diante. Portanto, a ação pode perder o caráter emergencial, mas ganha relevância como instrumento de responsabilização, caso as metas do contrato não sejam cumpridas.


A assinatura do Termo Aditivo não substitui a fiscalização — ele a exige ainda mais

Com o contrato de 2024, não estamos mais só diante de um problema de falta d’água.
Agora temos:


  • metas de cobertura,
  • previsões de investimento,
  • planos de substituição de redes,
  • prazos para hidrômetros, perdas e melhorias,
  • e indicadores que devem ser divulgados.


Se antes a discussão era “a água chegou hoje?”, agora deve ser:


  • “O que foi feito em fevereiro, junho, outubro?”
  • “Os relatórios foram publicados?”
  • “O cronograma está sendo cumprido?”
  • “As obras correspondem ao previsto?”


Se antes havia improvisação, hoje o risco é a desinformação para que não haja omissão.


Como a sociedade pode acompanhar — e deve acompanhar — até 2026

O controle social não é espontâneo: ele precisa ser organizado, metódico, contínuo.


Como acompanhar na prática os serviços da CEDAE?!


Ação práticaO que o cidadão ou associação pode fazer
Solicitar relatórios anuaisUsar a LAI municipal
Registrar falhasProtocolar na ouvidoria municipal e na CEDAE
Documentar com foto e vídeoCriar arquivo com datas e locais
Monitorar praias e riosRegistrar esgoto aparente, mau cheiro
Participar das audiênciasEstar presente e questionar
Formar comissões de bairroRepresentação fortalece cobrança


Simples: quem monitora cria prova. Quem não monitora, reclama — mas não transforma.


E qual é o papel do Ministério Público?

O MP não é substituto do governo. Não é gestor. Não é interventor automático. O Promotor de Justiça atua quando:


  • o contrato não estiver sendo cumprido;
  • a política pública não é executada;
  • a saúde e o meio ambiente são postos em risco;
  • há omissão do Poder Público na fiscalização.

Portanto, o MP entra quando o Poder Público falha, não antes.


A sociedade pode — e deve — provocar o MP, mas com responsabilidade: documentando, justificando, demonstrando.


O Plano Municipal de Saneamento Básico — a base de tudo

Nenhum contrato substitui o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Ele é o documento que:


  • define prioridades,
  • indica investimentos,
  • dimensiona redes,
  • projeta o crescimento urbano,
  • e orienta a política pública.


Sem o plano, o contrato anda às cegas.

Com o plano, a sociedade pode perguntar:


  • “Essa obra consta no PMSB?”
  • “Esse prazo é compatível com o estudo?”
  • “Esses investimentos estão onde o plano apontou?”


O PMSB é o verdadeiro marco estratégico para 2026 e para o bicentenário de 2031.


E em 2026? — o tempo da transformação e não da promessa


Se 2024 foi o ano do contrato, 2025 o ano de adaptação numa nova gestão municipal, enquanto que 2026 será o primeiro teste real.

Será quando a sociedade fará a pergunta que importa: O que mudou de fato?

Além disso, em 2031, Mangaratiba completará 200 anos. E a pergunta histórica permanecerá:


Seremos uma cidade que convive com caminhão-pipa e esgoto a céu aberto ou uma cidade que preserva suas praias, seus rios e sua dignidade?


O futuro já não é teoria — está contratualmente marcado. E a vigilância é o preço da cidade que queremos.

STF suspende loterias municipais e acerta ao interromper a escalada predatória das Bets no Brasil


📷: Rosinei Coutinho/STF


A decisão do ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu todas as leis municipais que autorizavam o funcionamento de loterias e apostas esportivas online — as chamadas “bets” — representa um marco de proteção à população brasileira. 

A ação foi motivada diante da profusão de normas idênticas se espalhando simultaneamente por municípios de todo o país, criando um cenário de colapso normativo e risco ao pacto federativo, o que o ministro classificou como uma situação capaz de comprometer a “estabilidade do pacto federativo”.

O ministro foi enfático ao apontar que o avanço desenfreado das loterias municipais não se limita ao interesse local — condição exigida pela Constituição para permitir legislar sobre o tema — e que essas normas estavam autorizando, por via indireta, a operação de casas de apostas por empresas não regulamentadas pelo Ministério da Fazenda, algo que ele chamou de “aberração jurídica e financeira: atividade econômica proibida a nível federal, mas aparentemente autorizada no âmbito de 5.550 municípios”.


Enquanto o Congresso assiste, famílias perdem casas, carros e dignidade

O ministro cita na decisão que a modalidade de apostas de “quota fixa” — que fundamenta o modelo de negócio das Bets — foi reconhecida pelo STF como de alto potencial nocivo e com “efeito deletério”, impondo riscos à saúde, ao mercado e aos consumidores.

Esse reconhecimento do “potencial nocivo” não é retórico: o vício em apostas tem se transformado no novo crack financeiro de milhares de famílias brasileiras. A publicidade agressiva, o apelo emocional e a falsa promessa de fortuna instantânea — embalada por influenciadores e personalidades do esporte — têm criado um rastro de endividamento silencioso. Não por acaso, o ministro relembra que o STF já constatou déficit regulatório e “proteção insuficiente” na exploração das apostas.

Com o Congresso Nacional fragmentado, atrasado e incapaz de agir na velocidade necessária, os municípios passaram a enxergar nas Bets uma fonte de arrecadação imediata. Porém, nas palavras do ministro, isso tem promovido “atuação predatória” e risco de desequilíbrio ao sistema federativo.

Enquanto prefeitos faziam filas para anunciar suas “loterias municipais” como soluções mágicas de arrecadação, brasileiros eram capturados em uma lógica de “ganhar ou perder” — onde quase todos perdem, exceto as empresas. Famílias têm chegado aos limites: vendendo bens, queimando reservas, rompendo relacionamentos, adoecendo emocionalmente e perdendo qualquer perspectiva de estabilidade financeira.


A decisão do STF interrompe uma escalada perigosa

O ministro destacou que somente em 2025 cerca de 55 municípios criaram suas loterias, e há notícia de mais de 80 nos últimos anos. O avanço, segundo o documento, justifica “medida urgente” pois o modelo pulverizado cria ambiente para evasão fiscal, manipulação, publicidade desregrada e ausência de fiscalização.

A suspensão imediata, com multas que podem atingir R$ 500 mil por dia para municípios e empresas que descumprirem, deixa claro que o Brasil não pode ser transformado em território livre para cassinos virtuais operando sem controle.

Ao contrário do que alguns críticos alegam, a decisão não é contra o mercado, mas contra o mercado predatório e clandestino. Contra o lucro construido sobre o desespero popular. Contra transformar a economia popular em fonte de enriquecimento de operadores transnacionais.


Um freio necessário até que exista legislação séria, com proteção real

A decisão reconhece que só regulação uniformizada, centralizada e tecnicamente robusta pode lidar com o poder econômico e tecnológico das apostas online. E afirma expressamente que admitir a fragmentação municipal seria permitir o esvaziamento da regulação federal e o agravamento dos riscos sociais.

Enquanto o Congresso não enfrenta com seriedade os riscos e responsabilidades do setor — e com ele, empresas que ganham fortunas sobre a promessa de lucro fácil — o STF cumpre o papel constitucional de impedir dano sistêmico à população.


Conclusão — Finalmente, um basta

A suspensão das loterias municipais e das Bets licenciadas localmente não é censura econômica: é sanidade institucional.
É defesa da economia popular.
É proteção das famílias brasileiras.

Se o Congresso é lento demais, e se prefeitos veem arrecadação onde há prejuízo social, que ao menos o país tenha um freio. E hoje esse freio veio do STF.

O ministro Nunes Marques agiu diante de um risco imediato e crescente — e, concorde-se ou não com outras posições do magistrado, nesta decisão o Supremo protegeu os mais vulneráveis e sinalizou ao Brasil que o lucro de poucos não pode continuar sendo construído sobre o desespero de muitos.

domingo, 7 de dezembro de 2025

Reflexões sobre 85 anos do Código Penal Brasileiro — memórias, falhas e o futuro que clama por mudança



No dia 7 de dezembro de 1940, sob o governo do Getúlio Vargas, foi promulgado o Decreto‑Lei 2.848, inaugurando o atual Código Penal. A lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942 e desde então — por mais de oito décadas — moldou os contornos da justiça criminal no Brasil.

Mas que tipo de país ajudou a construir? E que limites, contradições e cicatrizes essa longa vigência revelou? Ao comemorarmos seus 85 anos, é hora de revisitar esse legado com olhar crítico — ponderando acertos, fracassos e o apelo urgente por uma reforma profunda.


📜 Contexto histórico e herança autoritária

O Código de 1940 foi gestado e nascido num contexto político autoritário — o Estado Novo. Sua criação correspondeu a uma lógica de “ordem e controle” típica da época, com forte viés repressivo.

Embora tenha sido, em sua origem, elogiado como “avanço técnico-jurídico” — fruto da comissão capitaneada por penalistas da época — ele também carregava a mentalidade da “defesa social” típica de regimes que viam no Direito Penal instrumento de controle estatal mais do que de proteção de direitos individuais.

Esse pano de fundo autoritário implica que o Código não nasceu de um pacto democrático e plural — e parte dessa herança permanece em suas estruturas, conceito de pena e lógica repressiva. Por isso, manter esse mesmo arcabouço por 85 anos significa sustentar, por décadas, valores que muitas vezes contrariam os ideais de dignidade da pessoa humana, pluralidade e direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988.


✅ Acertos e contribuições — o que funcionou

Apesar de seu contexto problemático, o Código Penal cumpriu papéis importantes:


  • Ele consolidou bases jurídicas fundamentais: tipicidade, legalidade, culpabilidade, proporcionalidade — criando um mínimo de ordem, estabilidade e previsibilidade para o sistema penal.
  • Ofereceu estrutura formal para que o Estado definisse com clareza o que é crime, quais penas aplicar, regras de processo penal e garantias gerais — o que foi essencial para a institucionalização do Estado de Direito no Brasil ao longo dos anos.
  • Ao longo do tempo, o Código foi objeto de reformas pontuais: a Parte Geral foi alterada em 1984 (via Lei nº 7.209/1984), numa tentativa de adaptar conceitos penais à evolução da sociedade.
  • Além disso, o sistema penal se expandiu por leis complementares e penais especiais — o que permitiu que novas condutas (crimes sexuais, feminicídio, tráfico de pessoas etc.) pudessem ser tipificadas conforme as transformações sociais demandavam.


Ou seja: o Código e seus desdobramentos ajudaram a dar uma base normativa e institucional para a repressão ao crime, à definição de responsabilidades e à suposta segurança jurídica — algo essencial num país marcado por desigualdades e violência estrutural.


⚠️ Limitações profundas: defasagem, “colcha de retalhos”, punitivismo e a falência do cárcere

Contudo, os quase 85 anos de vigência também escancararam falhas graves — muitas delas estruturais:


  • O Código nasceu num tempo em que o Brasil (e o mundo) eram muito diferentes: não havia globalização, crimes cibernéticos, nem a complexidade social, econômica, racial e urbana que hoje enfrentamos. Isso tornou parte de seu arcabouço obsoleto diante da modernidade.
  • A expansão normativa (leis especiais, leis avulsas, modificações pontuais) transformou o sistema penal num mosaico fragmentado — uma verdadeira “colcha de retalhos” — dificultando a coerência interna, gerando sobreposições, lacunas, insegurança jurídica e desigualdade de aplicação.
  • O modelo permanece essencialmente punitivista. A pena e o cárcere continuam como respostas privilegiadas aos problemas sociais — mas o sistema prisional brasileiro, como denunciado por organismos internacionais de direitos humanos, está em colapso: superlotação, violações de direitos, negligência, tortura, condições desumanas.
  • Por fim — e talvez o mais grave — a lei, por si só, pouco tem a oferecer quando o problema é estrutural: desigualdades sociais, pobreza, exclusão, racismo, falta de políticas públicas de prevenção, reinserção social e justiça restaurativa. O simples endurecimento penal não corrige essas mazelas — ao contrário: frequentemente as agrava. O sistema penal, longe de ser instrumento de justiça social, muitas vezes se torna uma “máquina de moer gente”.


Em resumo: o Código Penal de 1940, nestes 85 anos, teve papel central — e às vezes essencial — na estruturação do Direito Penal no Estado brasileiro. Mas também provou-se insuficiente, muitas vezes injusto, inadequado e incapaz de responder às transformações sociais e às demandas de direitos humanos do Brasil contemporâneo.


O PLS 236/2012 — proposta de um novo Código: o que trouxe, o que perdeu e a morosidade que persiste

Diante desse legado problemático, em 2012 foi apresentado ao Senado o PLS 236/2012 — um projeto ambicioso de um novo Código Penal para o Brasil.


📌 Principais pontos e intenções do projeto


  • O PLS busca recodificar de forma completa o direito penal: reescrever tanto a parte geral quanto a especial, para modernizar conceitos, condutas e penas.
  • Entre suas propostas constavam a atualização diante das transformações sociais e tecnológicas: crimes cibernéticos, crimes ambientais, organização criminosa, criminalidade transnacional, normas mais condizentes com os direitos fundamentais e o contexto contemporâneo.
  • Pretendia também unificar e ordenar a legislação penal dispersa — reduzindo a dependência de dezenas, talvez centenas, de leis penais especiais, leis avulsas e normas suplementares, restaurando coerência e clareza normativa.


Em suma: era — e continua sendo — uma tentativa de dar ao Brasil um Código Penal do século XXI, compatível com a Constituição de 1988, com direitos humanos, com a complexidade social e com a modernidade.


🔄 As emendas, críticas e o enfraquecimento da proposta original

Ao longo da tramitação, o PLS sofreu forte pressão e muitas modificações: o texto original teve dispositivos sensíveis questionados ou retirados — por exemplo, propostas de descriminalização ou flexibilização de drogas, alterações em matéria de aborto, expansão de responsabilidade penal de pessoas jurídicas, institutos de barganha entre acusação e defesa etc. Muitas dessas inovações foram deixadas de lado.

Entre críticos acadêmicos há questionamentos sérios: não apenas sobre quais mudanças permaneceriam, mas sobre se a versão remanescente do PLS seria mais justa — ou apenas uma versão modernizada da velha lógica punitivista. Há quem argumente que a “reescrita” proposta, em alguns de seus pontos centrais, falha em corrigir a cultura penalista dominante.


🐢 A morosidade do Parlamento e o vazio legislativo persistente

Desde 2012 se passaram muitos anos — mais de uma legislatura — e o novo Código ainda não foi aprovado. Isso revela não apenas a dificuldade de consenso, mas a lentidão estrutural e, de certo modo, a falha institucional do Parlamento para dar resposta a uma demanda que, para muitos, é urgente e necessária.

A demora prolongada impede que o Brasil deixe de depender de um código de 1940, incompleto e fragmentado, convivendo com normas ineficazes, redundantes ou antiquadas. Isso mantém viva a contradição: leis de época autoritária sendo aplicadas num Estado democrático, marcado por profundas desigualdades.


🔮 Para onde vamos: por que 2027 (e a próxima legislatura) precisam priorizar o novo Código — com mudança de lei e de paradigma

A definição de um novo Código Penal será um dos grandes desafios da próxima legislatura. E esse debate merece espaço na pauta desde cedo — idealmente logo no início de 2027. A sociedade brasileira clama por segurança pública, mas também por justiça social, direitos humanos, dignidade, coerência e efetividade.

No entanto, é preciso deixar claro: mudar a lei não basta. A aprovação de um novo Código, por si só, não garante que o sistema penal será mais justo, eficaz ou humano. É necessário repensar mais amplamente: políticas de prevenção, reinserção social, educação, redução de desigualdades, condições dignas nas prisões, garantia de direitos básicos, justiça restaurativa, estrutura de defensorias e acesso à justiça, entre outros elementos.

Se a reforma for feita apenas em termos de texto — sem mudança de paradigma — corre-se o risco de perpetuar o que há de pior no sistema penal. Punição, encarceramento e repressão constantes, num ciclo que não soluciona a criminalidade, mas alimenta exclusão, violência e injustiça.

Por isso, a tarefa que se avizinha não é apenas legislativa — é civilizatória. Exige maturidade, sensibilidade social, coragem política, participação da sociedade civil e compromisso com os direitos fundamentais.

Somente assim será possível fazer justiça à memória desses 85 anos — não celebrando, mas aprendendo com os erros — e construir um sistema penal compatível com os valores democráticos, com a Constituição de 1988 e com a dignidade de todos.

TRANSFORMAR UMA CANDIDATURA EM MOEDA DE TROCA É ADMITIR QUE A POLÍTICA TEM PREÇO



Desde o momento em que um candidato à Presidência declara publicamente que sua candidatura pode ser barganhada — “tem preço para não ir até o fim” — como o próprio Flávio admitiu, acende-se um alerta grave sobre o grave problema da mercantilização da política. 


Essa fala, longe de revelar sinceridade ou realismo político, escancara com clareza um desprezo pela democracia e pelos eleitores: a candidatura deixa de ser uma expressão de um projeto de país ou de propostas, e passa a ser tratada como objeto de negociação — uma “moeda de troca” de interesses pessoais ou de grupo. Isso transforma eleições em transações e compromete a legitimidade do debate público.


Além disso, há um profundo conflito ético e moral quando tal “preço de desistência” parece envolver a agenda de anistia aos condenados por participação em atos golpistas — o que beneficiaria, conforme ele mesmo sugeriu, pessoas condenadas por atentados à democracia.  Ao fazer isso, Flávio não está propondo debate político: está propondo chantagem institucional, negando o devido valor da lei, da justiça e da vontade popular expressa nas urnas.


Essa estratégia revela uma visão de poder profundamente instrumental: não se busca conquistar corações ou convencer com ideias, mas chantagear o sistema, usar a candidatura como moeda de troca para garantir impunidade ou privilégios. Isso não é compatível com a ideia de serviço público — é a negação da política como mecanismo democrático e civilizado.


Por fim, a própria insegurança demonstrada — de já considerar a possibilidade de desistir da disputa — expõe fragilidade de convicção. Se a candidatura depende de negociações de bastidores para existir ou não, como acreditar que um eventual mandato seria pautado por firmeza de princípios, e não por interesses de conveniência?


Em resumo: ao declarar que sua pré-candidatura tem preço, Flávio Bolsonaro sinaliza que vê a democracia como comércio e a eleição como leilão — e não como um processo de escolha popular. Essa postura não merece respeito, mas desconfiança.

7 de dezembro – Dia Nacional da Assistência Social



Hoje celebramos uma das maiores conquistas sociais do Brasil: a Assistência Social como direito do cidadão e dever do Estado. A data marca a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, que consolidou a proteção social como política pública e abriu caminho para a criação e fortalecimento do SUAS — presente hoje em praticamente todo o território nacional.


São milhões de brasileiros atendidos pela rede socioassistencial — crianças, jovens, idosos, pessoas com deficiência, famílias vulneráveis e pessoas em situação de rua — que encontram nos serviços públicos acolhimento, orientação, benefícios, acompanhamento familiar e proteção especializada.


O SUAS, que completa mais de duas décadas de atuação, representa muito mais do que programas e números: ele simboliza dignidade, cuidado, cidadania e esperança. Celebrar o 7 de dezembro é reconhecer os profissionais que transformam essa política em presença diária, entender os desafios atuais e reafirmar o compromisso com quem mais precisa.


Que essa data nos lembre: assistência social não é favor — é direito. E fortalecer o SUAS é fortalecer o Brasil.

A direita fragmentada em 2026 — por que a esquerda deve acompanhar com atenção



A publicação recente no Poder 360 que mostra governadores de direita divididos em relação à candidatura de Flávio Bolsonaro revela um fato político relevante: o bloco conservador — antes relativamente coeso — começa a mostrar fissuras significativas.


  • Nomes como Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais), Eduardo Leite (RS) e outros mantêm pré-candidaturas — mesmo com a investida de Bolsonaro sobre a sucessão presidencial.
  • O fato de Tarcísio ainda não se manifestar após o anúncio de Flávio indica hesitação, tensão interna ou cálculo político cuidadoso.
  • Há um cenário real de fragmentação da direita e da centro-direita, o que abre espaço para alternativas “menos radicais” — uma terceira via — atraente a eleitores moderados ou desencantados com polarização.


Para a esquerda — e particularmente para o campo do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados — essa divisão representa ao mesmo tempo um risco (em termos de imprevisibilidade eleitoral) e uma oportunidade estratégica.


Por que a terceira via pode emergir — e por que a esquerda deve acompanhar?


✅ Vulnerabilidades da polarização extrema e apelo ao moderado


  1. Rejeição ao bolsonarismo — Com Flávio assumindo a candidatura, pesquisas apontam que sua rejeição nacional é elevada; simulações de segundo turno mostram vitória folgada de Luiz Inácio Lula da Silva contra ele.
  2. Cansaço com extremos — A persistente polarização nacional e os desgastes associados à radicalização e às crises institucionais podem levar parcela do eleitorado a buscar “voto útil moderado”.
  3. Governadores com base regional consolidada — Quem governa estados hoje já possui estrutura, visibilidade e poder local para se viabilizar como alternativa à polarização nacional — sobretudo com discurso de pragmatismo, “governabilidade” e retomada econômica.


🔎 Potenciais vantagens para a esquerda com uma terceira via crescendo


  • A fragmentação de votos à direita e centro-direita pode diluir o campo conservador, beneficiando Lula e candidatos de centro-esquerda no primeiro turno.
  • Facilita a construção de alianças regionais e estaduais: se a terceira via ocupar o espaço “moderado/conservador institucional”, a esquerda pode disputar contra uma direita fragmentada, com maior chance de manter governabilidade ou expandir base sem medo de polarização extrema.
  • Reduz a urgência de aproximar com setores extremistas para composição de governo — a coalizão para 2026-2030 pode se organizar com centro e centro-esquerda de forma coerente.


Como Tarcísio de Freitas pode se posicionar — e por que a esquerda deve observar com atenção?

Tarcísio surge hoje como um dos protagonistas desse possível reposicionamento da centro-direita:


  • Ele já aparecia — antes da definição de Flávio — como potencial sucessor de Bolsonaro e escolha preferencial de parcela da direita moderada.
  • Com a polarização de Flávio, Tarcísio pode optar por se diferenciar, apresentando-se como uma alternativa “técnica e moderada”, de centro-direita pragmática — potencialmente atrativa para eleitores que rejeitam extremismos.
  • Caso ele decida ser candidato, terá a chance de liderar uma terceira via e disputar com discurso de estabilidade institucional, foco no desenvolvimento e menos radicalismo — um perfil que pode mobilizar amplos setores, inclusive centro e classes médias, tradicionalmente eleitorado de moderados e centrados.

No entanto, há riscos e desafios para ele — fragmentação, trauma de alianças com bolsonarismo, necessidade de construir base independente e convincente.


O que a esquerda deve considerar agora — alguns alertas estratégicos

Para o PT e aliados, o panorama muda, e algumas precauções e oportunidades devem ser avaliadas:


  1. Não subestimar a volatilidade — Uma terceira via ainda é incipiente e pode desaparecer ou realinhar-se conforme conjuntura, escândalos, polarização ou acordos de bastidor.
  2. Manter presença territorial e mobilização de base — A disputa será descentralizada; a esquerda precisa continuar consolidando bases locais, políticas públicas e capital eleitoral nos estados, para não depender só da polarização nacional.
  3. Preparar narrativa de governabilidade e coalizão ampla — Se a fragmentação da direita se consolidar, a esquerda poderá buscar alianças alternativas, sem abrir mão de identidade, com setores moderados que rejeitam extremos — abrindo janelas para política menos polarizada e mais pragmática.
  4. Não banalizar radicalismo nem estigmatizar adversários por antecipação — Em um contexto de terceira via, exagerar críticas pode reforçar o adversário radical ou gerar simpatia por quem se apresenta como “novo moderado”.


Conclusão: a terceira via da direita não é inimiga da esquerda — mas uma variável estratégica com potencial de desarticular a polarização

A divisão da direita evidenciada recentemente mostra que há espaço para uma terceira via de centro-direita ou moderada emergir com força em 2026 — com Tarcísio de Freitas como um dos protagonistas. Para a esquerda, isso representa tanto risco quanto oportunidade.

Se a direita fragmentar, a eleição pode depender mais de capilaridade regional, mobilização da base e articulações locais do que de polarização nacional. Isso favorece quem tiver coerência programática, presença territorial e capacidade de governar — o que aumenta a relevância de uma estratégia ao longo de 2025–2026. Neste sentido, insisto que Minas Gerais poderá ser um divisor de águas no pleito geral que se aproxima.

Em resumo: não se trata apenas de combater o bolsonarismo ou a polarização… trata-se de preparar o campo progressista para disputar com inteligência, dividindo o foco entre política nacional e força local — e estar pronto para quando a terceira via emergir como alternativa real ao Brasil.

sábado, 6 de dezembro de 2025

Trump e a Doutrina Monroe: o retorno de um imperialismo velado



Recentemente, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou planos para “atualizar” a Doutrina Monroe — política que há dois séculos define a relação dos EUA com a América Latina. Segundo o próprio governo americano, trata-se de uma estratégia para reafirmar a presença e influência dos EUA no Hemisfério Ocidental, em um contexto de crescente competição geopolítica, sobretudo com a China.

A Doutrina Monroe, formulada em 1823, nasceu como uma promessa de proteção aos países americanos contra colonizações europeias. No entanto, a história mostrou que, à medida que os Estados Unidos se tornaram potência mundial, a Doutrina foi reinterpretada para justificar interferências políticas, econômicas e militares na região. O Corolário Roosevelt, lançado há exatos 121 anos, é o exemplo clássico: sob o pretexto de manter a ordem, os EUA se deram o direito de intervir sempre que considerassem governos latino-americanos instáveis ou incapazes, inaugurando uma longa tradição de hegemonia e ingerência.

O que Trump propõe hoje tem claros ecos desse passado. O documento de sua administração sugere ampliar a presença militar no Caribe e em regiões estratégicas da América do Sul, condicionar investimentos e ajuda a interesses americanos e limitar a influência de potências fora do Hemisfério, como China e Rússia. Trata-se de uma forma moderna de “polícia hemisférica”, travestida de defesa da segurança regional, mas que, na prática, ameaça diretamente a soberania dos países latino-americanos.

Para o Brasil e demais nações da América Latina, essa reedição da Doutrina Monroe representa um risco duplo: além da possibilidade de pressão política e militar, há um componente econômico estratégico. Ao priorizar empresas e interesses americanos na região, os EUA tentam reduzir a liberdade dos países de buscar suas próprias parcerias internacionais, restringindo sua autonomia e capacidade de decidir seus caminhos de desenvolvimento.

Em outras palavras, o “Corolário Trump” não é apenas uma retórica de poder, mas uma tentativa de restaurar um padrão histórico de dominação externa. A experiência do século XX nos mostra que esse tipo de intervenção gera dependência econômica, instabilidade política e ressentimento popular, deixando claro que a soberania nacional não é um conceito negociável quando confrontado com interesses de grandes potências.

Diante desse cenário, a reação da América Latina precisa ser firme. É fundamental fortalecer organismos regionais que promovam integração, autonomia e respeito mútuo, como a CELAC, e reforçar alianças internacionais equilibradas, sem subordinação a uma única potência. O Brasil, por sua dimensão e peso estratégico, tem papel central em defender um Hemisfério Ocidental livre de hegemonias externas, garantindo que a Doutrina Monroe continue sendo um capítulo do passado — e não uma ameaça renovada ao futuro da região.