Entre os muitos desafios que cercam o funcionamento do Estado Democrático de Direito, um dos mais sensíveis é assegurar que o acesso à Justiça não seja apenas um princípio abstrato, mas uma realidade concreta para todos — especialmente para aqueles que historicamente enfrentam maiores obstáculos para fazer valer seus direitos. É nesse contexto que se insere a Proposta de Emenda à Constituição nº 31, de 2017.
A PEC 31/2017, aprovada no Senado Federal em 2019 e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe ampliar as atribuições do Defensor Público-Geral Federal, conferindo-lhe legitimidade para propor ações diretas de controle concentrado de constitucionalidade, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, além do incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Cuida-se de um ajuste institucional que busca harmonizar o papel constitucional da Defensoria Pública com sua missão de promoção dos direitos fundamentais e de defesa dos cidadãos em situação de vulnerabilidade.
Não se trata de criar privilégios, tampouco de tensionar o equilíbrio entre instituições. Ao contrário: a proposta reforça a lógica republicana de pesos e contrapesos, ampliando os canais institucionais de proteção da Constituição e permitindo que violações estruturais de direitos possam ser levadas ao Supremo Tribunal Federal por quem atua diretamente na linha de frente da assistência jurídica gratuita.
Apesar de sua relevância, a PEC permanece há anos sem avanço significativo na Câmara dos Deputados. Não há rejeição formal, nem debate aprofundado em curso. Há, sobretudo, silêncio. Um silêncio que não decorre de inconstitucionalidade ou inadequação do texto, mas que parece refletir a dificuldade de pautar temas técnicos, institucionais e de interesse coletivo quando não produzem dividendos políticos imediatos ou visibilidade eleitoral.
É compreensível que o Parlamento enfrente uma agenda sobrecarregada e escolhas difíceis. Ainda assim, a demora prolongada na apreciação de propostas dessa natureza convida à reflexão sobre quais prioridades orientam o processo legislativo e sobre como determinadas pautas acabam relegadas à inércia, mesmo após terem superado etapas relevantes do rito constitucional.
Nesse cenário, ganha importância o papel da sociedade civil e, especialmente, dos candidatos ao Legislativo Federal. Em um momento em que se cobra renovação, compromisso democrático e fortalecimento das instituições, é legítimo esperar que aqueles que aspiram a representar a população se posicionem sobre temas estruturantes do sistema de Justiça. Saber como deputados e senadores encaram o fortalecimento da Defensoria Pública, o acesso à Justiça e o aprimoramento do controle constitucional é parte essencial do debate público qualificado.
A tramitação e eventual aprovação da PEC 31/2017 não resolverão, por si sós, as desigualdades profundas que marcam o país. Mas representam um passo importante na consolidação de um Estado que escuta mais vozes, amplia seus instrumentos de proteção constitucional e reconhece que a democracia se fortalece quando o direito não é privilégio de poucos, mas patrimônio de todos.
Dar visibilidade a essa discussão é, portanto, um exercício de cidadania. E permitir que ela avance no Parlamento é uma forma de reafirmar que o interesse público também merece prioridade, mesmo quando não ocupa os holofotes do debate político imediato.
📌 Nota de impacto institucional e social:
Os números mais recentes sobre a atuação das Defensorias Públicas no Brasil revelam de forma inequívoca a dimensão social da sua missão. Em 2024, as Defensorias Públicas estatais e da União somaram mais de 29,5 milhões de atendimentos à população, um crescimento de quase 20 % em relação ao ano anterior, com 25,9 milhões de manifestações processuais e 4,4 milhões de processos judiciais iniciados — demonstrando um alcance substancial junto aos mais vulneráveis, que frequentemente não teriam acesso a representação jurídica sem esse serviço público essencial. Em todo o país, há hoje 7.520 defensoras e defensores públicos, o que representa, em média, um profissional para cada 31 107 habitantes; entre a população em condição de vulnerabilidade socioeconômica, essa proporção melhora apenas para cerca de um defensor a cada 27 363 pessoas, evidenciando um quadro de esforço institucional diante de necessidades imensas. A realidade da Justiça Federal é ainda mais desafiadora, com um defensor público federal para cerca de 309 889 habitantes — um cenário que ilustra tanto a importância da Defensoria quanto a necessidade de fortalecer sua presença institucional e estratégica. Esses números não só atestam a relevância concreta da Defensoria no cotidiano de milhões, mas também sublinham por que iniciativas como a PEC 31/2017 merecem tramitação cuidadosa e célere: não apenas como ajuste técnico, mas como fortalecimento de um órgão fundamental à concretização dos direitos constitucionais de igualdade, dignidade e acesso à Justiça.





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