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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O direito do advogado de acompanhar as perícias médicas dos seus clientes



Sempre fui a favor de uma atuação quase plena do advogado nos causas em que ele como profissional patrocina. Principalmente se o causídico estiver sendo satisfatoriamente remunerado pelo seu cliente para prestar um serviço de melhor qualidade. E deve fazer uso de todas as oportunidades ao seu alcance para buscar um resultado favorável na questão defendida, ainda que a sua obrigação seja apenas de meio, de modo que a sua atuação ideal se dará não só em audiências de primeira instância, ou nas sessões dos tribunais, mas em cada detalhe de um processo/procedimento com alguma pertinência ao trabalho jurídico desenvolvido.

Inicialmente não é demais lembrar que os vocábulos advogado/advogar derivam do latim advocatus, particípio passado de advocare, significando "chamar junto a si". É formado por ad,  que quer dizer "aproximação, perto, junto", mais o termo vocare, "chamar, apelar para". 

Já no grego antigo, a palavra correspondente mais próxima do advogado seria paráklētos,  podendo o termo ser traduzido por "aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor numa corte". E, por coincidência, no Cristianismo, o paracletos é utilizado para se referir à pessoa do Espírito Santo, havendo um longo debate entre os teólogos com as mais diversas teorias sobre o assunto.

Feito essa breve introdução etimológica, quero aqui entrar num tema até hoje ainda polêmico que é a presença dos advogados nas perícias (judiciais e administrativas) das pessoas por ele assistidas. Trata-se de algo que sempre acompanhei nos processos em que meus clientes tiveram perícia médica, sem que nenhum expert nomeado pelo magistrado tentasse me impedir, mas que passou a me despertar um maior interesse ultimamente, depois que passei a prestar assessoria jurídica para os servidores municipais daqui de Mangaratiba por meio do sindicato deles - o SISPMUM.

Não posso afirmar que, após ter me tornado advogado desse sindicato e dos seus funcionários associados (nas suas questões trabalhistas com a Prefeitura), sobra-me tempo para acompanhar todas as perícias que eles precisam se submeter perante à Junta Médica que funciona num prédio anexo ao hospital municipal. Aliás, desde quando comecei a trabalhar lá, em junho do corrente ano, foi somente no mês passado que decidi pela primeira vez acompanhar uma servidora incapacitada e vítima de um acidente de trabalho a fim de prevenir um futuro litígio quanto à continuidade do afastamento das suas funções.

Entretanto, ao ser surpreendido com uma negativa de ingresso na sala das perícias dos médicos da Junta, resolvi abrir uma reclamação administrativa, apesar de haver respeitado a ordem deles quanto ao não acompanhamento da perícia da cliente, a qual é associada ao sindicato. Por isso, registrei um protocolo junto à Ouvidoria da Prefeitura, conforme o número 2017.0148.000549, com os seguintes termos:

"Quero abrir um questionamento sobre o posicionamento da Junta Médica em não permitir que o advogado possa acompanhar o cliente (servidor) nas perícias realizadas. Na data de ontem, eu, na qualidade de advogado do SISPMUM, fui acompanhar uma associada num caso que consideramos com certa potencialidade para se tornar um litígio, mas os membros da junta entenderam que o advogado, segundo entendimento deles, não poderia presenciar o ato médico. A justificativa apresentada verbalmente seria que a participação do advogado, além de "nada acrescentar" em termos técnicos, também causaria "constrangimento" ao médico. E foi dito que o advogado apenas poderia participar caso esteja acompanhado por um assistente técnico. Entretanto, no meu entender, sendo o advogado essencial para defender juridicamente o cliente, mesmo sem estar acompanhado de um assistente técnico e não podendo avaliar por si mesmo o ato médico, poderá ele estar presente na perícia para uma colheita de informações e melhor acompanhamento do caso, inclusive obtendo na hora o esclarecimento. Sendo assim, peço que haja uma revisão desse procedimento pois o art. 7º, item VI do Estatuto da Advocacia (Lei Federal n.º 8.906/94) diz ser direito do advogado ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado. E pode ainda, conforme o inciso seguinte, permanecer sentado ou em pé e retirar-se do local, independentemente de licença. Portanto, peço que, à luz da legislação aplicável, haja uma revisão dos procedimentos adotados pela Junta Médica. Aguardo resposta!"

A Prefeitura de Mangaratiba ainda não me respondeu e se encontra dentro do prazo de 20 (vinte) dias para manifestação. Porém, este é um caso que acabou me motivando a abraçá-lo dentro da militância da advocacia por entender que se trata de um direito de todo causídico, mesmo sem termos conhecimento técnico na área médica. Pois, afinal, nós somos essenciais no sentido de buscarmos a efetiva concessão de benefícios previdenciários por incapacidade comprovada para as hipóteses de auxílio doença e/ou de aposentadoria por invalidez. Seja na esfera judicial como na administrativa.

É nessas horas que nos confrontamos com um dos argumentos mais utilizados pelos médicos que negam o acesso do advogado às perícias, os quais invocam a questão do sigilo. Isto no sentido de que o exame clínico poderia expor a intimidade do periciado.

Sinceramente, não vejo razões para um argumento desses quando se trata do advogado da própria pessoa. E, por óbvio, quando se está acompanhando o cliente é porque este o autorizou tacitamente a ter conhecimento sobre a sua enfermidade. Aliás, presume-se que tenha até exposto em excesso tudo o que se passa com a sua saúde como ocorre na grande maioria dos casos. E aí as raras exceções ocorreriam com as pessoas economicamente mais abastadas que, nessas horas, contratam especialistas da confiança delas para atuarem como assistentes técnicos, dispensando a presença do advogado no exame.

Como se sabe, a função pericial consiste justamente em revelar fatos de que o expert tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, confeccionando ao final um laudo. Logo, se o objetivo é o de trazer à tona situações relacionadas à saúde de alguém, inexiste razão para que o advogado do próprio periciado seja obrigado a sair da sala.

Outro argumento reacionário adotado pelos peritos que não querem ver advogados acompanhando os periciados seria que os mesmos podem ser intimados para comparecer à audiência e responderem aos quesitos formulados previamente pela parte interessada, conforme é previsto na legislação processual. Porém, entendo que tal direito probatório não exclui algo que já se encontra previsto na alínea c do artigo 7º, inciso VI da Lei Federal n.º 8.906/94 (o Estatuto da Advocacia) que assim diz:

Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

VI - ingressar livremente:

(...)

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado 

Ainda que alguns tentem relativizar os nossos direitos profissionais e o INSS possibilite ao médico negar a presença de acompanhantes nas perícias, "caso a presença de terceiro possa interferir no ato pericial", não vejo justificativas que impeçam o advogado do segurado em estar presente no ato médico. Aliás, entendo até que é direito nosso como profissionais do Direito ingressarmos ordeiramente na sala de perícias sem termos que preencher antes qualquer formulário de solicitação, bastando nos comprometendo em jamais interferirmos na análise técnica. Senão vejamos o que diz a ementa da Nota Técnica SJ n.º 44/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM):

"EXAME MÉDICO-PERICIAL. PRESENÇA DE ADVOGADO A PEDIDO DO PERICIANDO. POSSIBILIDADE. MERO CONFORTO PSICOLÓGICO. SIGILO PROFISSIONAL PRESERVADO. AUTONOMIA PROFISSIONAL DO PERITO. GARANTIA DIANTE DA NÃO INTERVENÇÃO NO ATO PERICIAL PELO ADVOGADO. DIREITO DO MÉDICO-PERITO DE DECIDIR A RESPEITO DA PRESENÇA DO ADVOGADO CASO SE SINTA PRESSIONADO. NECESSIDADE DE JUSTIFICAÇÃO POR ESCRITO." (Nota Técnica de Expediente nº 044/2012, do SEJUR. Data: 06/02/2013. Expedientes nº 7091/2012; 7624/2012; 8456/2012; 10299/2012)

A esse respeito, a assessora jurídica do CFM, Dra. Ana Luiza Brochado Saraiva Martins, concluiu mais recentemente na Nota Técnica SJ nº 31/2015, ser "possível chegar à compreensão de que o advogado, no exercício da sua profissão, pode estar junto ao seu cliente onde quer que ele esteja, na hipótese de ser esta a soberana vontade deste (cliente)". E houve concordância da mesma com os argumentos do Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP, Dr. Antonio Ruiz Filho, que assim afirmou no seu parecer:

"(...) entendo que a presença do advogado na perícia médica, em momento algum põe em risco a liberdade profissional do médico ou possa provocar restrições ou imposições que venham a prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. E quanto ao dever do sigilo profissional, de fato não pode o médico revelar fatos decorrentes de sua atuação profissional a terceiros ou pessoas estranhas. Todavia, o advogado não pode assim ser considerado, pois é o legítimo representante da parte, tendo ciência de todos os fatos que dizem respeito ao patrocínio assumido e, portanto tem interesse e dever de acompanhar todas as fases processuais, principalmente a colheita de provas, especialmente a pericial. Ademais, a regra do sigilo profissional deve ser interpretada em favor do paciente/cliente, e não em favor do médico/advogado. O instituto do sigilo tem como destinatário final o cidadão."

Tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana, eis que o acompanhamento do advogado numa perícia tem por objetivo essencial prestar conforto e segurança jurídica ao cliente através de sua presença, fazendo justamente o papel de um paráklētos, como se observa no vocábulo grego correspondente à nossa profissão que citei no começo deste artigo. É algo que se justifica ainda mais diante dos casos de incapacidade laboral quando a pessoa se sente emocionalmente fragilizada devido à sua condição de dependência da concessão ou da continuidade de um benefício previdenciário.

Trabalhando numa terra de injustiças que é esse país, pretendo continuar lutando com firmeza pelo meu direito como advogado. E, embora não será sempre que pretenderei acompanhar os servidores associados do sindicato nas perícias médicas, por motivo de escassez de tempo (visto que tenho muitas atividades prioritárias a cumprir), não vou abrir mão de uma prerrogativa profissional sempre que considerar necessário fazer uso dela.

OBS: Imagem acima extraída de uma página da Prefeitura de Foz do Iguaçu, conforme consta em http://www.pmfi.pr.gov.br/conteudo/%3Bjsessionid%3Dc847a53e6596dec05c3d0fc376c6?idMenu=2059

4 comentários:

  1. Passando a fim de deixar os meus cumprimentos. Li o texto com toda a atenção respeitando a opinião do seu autor
    .
    Deixando um abraço

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    1. Boa tarde, Nuno.

      Obrigado por sua visita e comentários.

      Participe sempre que desejar.

      Abraço

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  2. Boa noite. Gostei do texto e argumento do Dr. Rodrigo, o cliente deve ser acompanhado pelo seu advogado até mesmo por sua fragilidade emocional diante de tanta injustiça cometida contra os servidores. Parabéns pela sua atuação.

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    1. Obrigado, Vitor, pela leitura e pelo incentivo. Precisamos lutar contra essas injustiças sem medida que, infelizmente, ocorrem em muitas prefeituras desse país. Um abraço.

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