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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A participação de organizações da sociedade civil nas casas legislativas do RJ



Desde a década de 90, vem se desenvolvendo uma tendência na política brasileira que é dar mais oportunidades de participação às entidades da sociedade civil nos organismos públicos colegiados. Foi algo que se iniciou através dos conselhos de gestão, nos comitês de bacia hidrográfica e chegou até à Câmara Federal.

Assim, em 2001, no final da era FHC, a Câmara dos Deputados passou a ter uma Comissão de Legislação Participativa (CLP), a qual permite que qualquer entidade da sociedade civil organizada, sejam ONGs, sindicatos, associações e órgãos de classe, apresentem suas sugestões legislativas. Tais manifestações podem incluir desde propostas de leis ordinárias e complementares, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Após a iniciativa de se ampliar o acesso ao Poder Legislativo Federal, vários estados e municípios no país adotaram esta brilhante ideia a exemplo das Assembleias de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraíba e Acre. Já nas cidades, podemos mencionar, dentre tantas outras, as Câmaras Municipais de Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Juiz de Fora (MG), Uberaba (MG), Santos (SP), Campinas (SP), Caxias do Sul (RS), Sete Lagoas (MG), Atibaia(SP), Americana (SP), Conselheiro Lafaiete (MG), São José dos Campos (SP), Poços de Caldas (MG), Tibagi (PR), dentre outros locais. 

Entretanto, aqui no Estado do Rio de Janeiro, a ALERJ preferiu não seguir essa tendência nacional. Houve um Projeto de Resolução n.º 454/2003, de autoria da então deputada estadual Heloneida Studart (PT), com o objetivo de criar a nossa Comissão Permanente de Legislação Participativa. Porém, a Comissão de Constituição e Justiça da Casa posicionou-se desfavoravelmente. Senão vejamos qual foi o teor do Parecer vencedor da lavra do Relator, Dep. Paulo Melo (PMDB), concluindo pela injuridicidade da proposta: 

"A presente proposição objetiva a modificação do Regimento Interno desta Casa para a criação de mais uma comissão permanente, com a denominação de Comissão Participativa. A esta Comissão competirá, em síntese, receber sugestões de iniciativa legislativa apresentadas por associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil. Tais sugestões serão transformadas em proposição legislativa, de iniciativa da referida Comissão, e encaminhada à Mesa para tramitação. Ocorre, no entanto, que a Constituição Estadual, em seu art. 112, ao dispor sobre a iniciativa das leis, não previu esta hipótese, facultando tal competência unicamente a qualquer membro ou comissão desta Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos nela previstos. Assim sendo, a ser aplicado o que diz a Constituição, seria despicienda a criação de mais uma comissão permanente, para atender a finalidade acima descrita, uma vez que nada impede que as entidades supracitadas apresentem suas sugestões a qualquer Deputado ou Comissão já existente nesta Casa, aos quais, a teor do já mencionado art. 112, “caput”, da Carta Estadual, compete a iniciativa das leis, respeitada a iniciativa privativa dos demais poderes do Estado e do Ministério Público. A proposição agride, ainda, o princípio da economicidade, já que gerará aumento de despesa com a criação de mais uma comissão permanente, cujas atribuições se superpõem à competência dos Deputados e das comissões já constituídas, com atribuições autônomas. Em vista do exposto, o meu parecer é PELA INJURIDICIDADE do Projeto de Resolução nº 454/2003."

Devido a esse posicionamento que considero retrógrado, pois deixamos de ter um órgão específico que incentive uma maior engajamento da sociedade civil, eis que muitas Câmaras Municipais aqui no RJ também deixaram de criar suas respectivas comissões participativas. Aliás, não só por causa disto, o nosso estado deixou de evoluir democraticamente neste século XXI porque as autoridades legislativas preferiram estimular o afastamento da população e das suas entidades representativas ao invés do contrário.

Em Mangaratiba, cidade litorânea onde moro, tendo hoje cerca de uns 30 mil eleitores, eu diria que a cultura democrática é ainda menor que na média do Estado do Rio de Janeiro. E, no mês passado, tive essa experiência acompanhando o requerimento de uma ONG que ajudei a fundar junto com outras pessoas.

No dia 21/11 do corrente ano, a Organização Não-Governamental Mangaratiba Cidade Transparente, baseando-se nas disposições dos artigos 261 a 266 do Regimento Interno da Câmara Municipal, protocolou um requerimento solicitando fazer uso da chamada "Tribuna Popular" na última sessão do mês (30/11), observando o prazo de apresentação e demais requisitos exigidos na Resolução. E, embora os seus membros não tivessem sido previamente comunicados pela Secretaria da Casa, como manda o parágrafo único do art. 263 da norma, esperavam que fosse concedida a palavra à presidente da organização, tão logo ocorresse a leitura das matérias que constavam no Expediente.


Entretanto, durante a sessão, o presidente em exercício da Câmara, vereador Carlos Alberto Ferreira Graçano (PTN) não concedeu a palavra. O requerimento protocolado pela ONG Mangaratiba Cidade Transparente pareceu que ainda não havia sido apreciado, embora, como já dito, fora apresentado dentro do prazo pela sua representante.

Devido a isso, a ONG me constituiu como advogado para representar os seus interesses no processo interno que pediu o uso da "Tribuna Popular". Na mesma data de 30/11, renovei o requerimento solicitando o uso da Tribuna para a última sessão de dezembro e estarei aguardando uma resposta do vereador presidente, Vitor Tenório Santos (PDT), na expectativa de que o bom senso prevaleça e a Mangaratiba Cidade Transparente possa, finalmente, fazer uso da palavra no nosso Parlamento Municipal, o qual precisa ser conduzido como a "Casa do Povo".

Fatos como esses mostram a necessidade de que os legisladores estaduais e municipais no Rio de Janeiro (e acredito que em outras unidades da federação também) revejam essa cultura restrita e obsoleta de democracia, a qual não condiz mais com a atual realidade do mundo. 

Infelizmente, após a redemocratização do país, em que os nossos municípios também ganharam mais autonomia com a Constituição de 1988, muitas cidades viraram verdadeiras ditaduras disfarçadas. Não raramente, os distritos rurais e os bairros humildes de periferia tornam-se currais eleitorais, sendo que pouca gente acompanha o processo legislativo comparecendo às sessões da Câmara.

Mas será que a história das cidades brasileiras deve continuar a ser escrita com tanta passividade? Espero que não e os poucos que se interessam pelos acontecimentos cotidianos da política estão trabalhando para mudar isso, desejando alargar as possibilidades de participação. Pois são pessoas que querem comunicar as suas ideias, pretendendo transformar o cotidiano dos lugares onde vivem. E, por isso, luto para que tais cidadãos e cidadãs sejam respeitados nas suas louváveis iniciativas.

Ótimo final de semana a todos!

2 comentários:

  1. Tem um livro editado pelos próprios auditores da previdência, mostrando que alto superávit,que o propósito da reforma é para desviar sua receita para conta de juros, cobrir incentivos fiscais, garantir o pagamento de aposentadorias públicas, cobrir os fundos de pensão de estatais e outras nojeiras como na Globo, Ambev. Sim, os comunistas detonaram o pais

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    1. Bom dia!

      Verdade é que nós precisamos desconfiar das propagandas oficiais sobre a reforma da Previdência. Não podemos aceitar os argumentos do governo sem usarmos do nosso senso crítico.

      Bom domingo, amigo!

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