Nesta semana, durante uma sessão solene ocorrida ontem (07/05/2014), a Câmara Federal lembrou os trinta anos do movimento Diretas Já, campanha que levou os brasileiros às ruas em 1983/84 afim pedir a volta das eleições diretas para presidente da República.
Durante a ocasião, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), autor da sugestão da homenagem, afirmou que a campanha manifestou um momento de grande sintonia entre as principais lideranças políticas do País e a maioria da população. O parlamentar informou que pesquisa do Ibope à época apontava 84% de pessoas favoráveis à aprovação da emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da República:
"A mobilização foi extraordinária. Imensas manifestações foram realizadas por todo o País. As maiores delas na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, cada uma superando a marca de um milhão de brasileiros".
Tendo lido hoje notícias a respeito desse evento no site da Câmara dos Deputados (pois a grande mídia televisiva não deu o devido destaque), resolvi refletir sobre o momento que vivemos atualmente fazendo um paralelo com os acontecimentos de trinta anos atrás. Afinal, desde meados de 2013, temos tido novamente frequentes protestos pelo país, mas há uma enorme diferença para as marcantes passeatas das Diretas Já.
A meu ver, a principal distinção seria a confiança que o cidadão dos anos 80 tinha nas lideranças políticas e nos seus partidos. O ideal democrático achava-se fortalecido nos corações das massas e o povo nas ruas não queria mais ver os militares no poder. A sociedade clamava por justiça social e fazia suas reivindicações de maneira organizada e objetiva. Homens como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Dante de Oliveira, Mário Covas, José Richa, André Franco Montoro, Gérson Camata, dentre outros, eram depositários da credibilidade do eleitor brasileiro. De norte a sul, o PMDB tinha se tornado o maior símbolo das lutas e das transformações sociais, o que se confirmou com os resultados das eleições de 1987.
Verdade é que, de lá para cá, a nação decepcionou-se amargamente com a política e passou a descarregar suas frustrações em cima das instituições democráticas. No lugar da juventude de cara limpa que participou heroicamente das Diretas Já, passamos a assistir na TV os anônimos black blocs provocando violência, tumulto e vandalismo. Rapazes mascarados e vestidos de preto surgem nas manifestações populares e acabam estragando toda iniciativa construtiva do cidadão quando este quer expressar democraticamente a defesa de seus interesses em ambiente públicos.
Ora, como é que vamos chegar a algum lugar com baderna, ataques covardes a policiais e promoção da desordem?!
Diante desse caótico e lamentável quadro, penso que precisamos aprender a nos reorganizar. O fato é que o povo brasileiro nunca possuiu realmente o controle sobre suas agremiações populares. Cria-se hoje um partido, uma associação, uma ONG, ou mesmo uma instituição de orientação religiosa, e amanhã o poder acaba se concentrando nas mãos de alguns. Os representados em geral desconhecem as normas estatutárias e, com raras exceções, fazem valer seus direitos internamente. Permitimos que as assembleias gerais ocorram com uma meia dúzia de gatos-pingados sem que a maioria se interesse por estar ali discutindo a pauta e elegendo uma nova diretoria de acordo com os seus anseios.
Pode ser que o atual momento de desordem se aprofunde até que o brasileiro recobre a consciência de que precisa aprender a se organizar politicamente na base. Devido ao caos gerado pelos baderneiros é que os maus políticos vão se mantendo por mais tempo no poder com a justificativa de serem as lideranças capazes de conter a violência das manifestações. Do contrário, já teríamos alcançado um resultado mais satisfatório nos protestos da Copa das Confederações em 2013 quanto às reivindicações formuladas.
Entretanto, o deputado socialista Beto Albuquerque fez muito bem em lembrar desse importante fato histórico que foi a campanha das Diretas Já. Ali, embora o movimento não tivesse alcançado êxito em conseguir a aprovação das eleições para Presidente da República em 1984, pode-se afirmar que a presença do povo nas ruas tornou-se fundamental para a saída em definitivo dos militares do poder. Quatro anos depois, um novo Congresso, eleito pelo voto popular, promulgou a atual Constituição cidadã, através da qual muitos direitos foram conquistados. E, no ano de 1989, finalmente o povo votou para presidente, o que pode ser considerado uma brilhante conquista apesar da má escolha.
Assim, temos esse norteador exemplo num passado mais ou menos próximo de que a organização da sociedade realmente alcança bons resultados construtivos. Quando lembramos das lutas da juventude de 1984, podemos voltar a acreditar na existência de um caminho viável para mudar o Brasil.
Este ano teremos eleições no mês de outubro em que escolheremos novos deputados, senadores, governadores e também quem será o próximo presidente. Mesmo diante do descrédito das lideranças políticas, não podemos simplesmente esvaziar esse decisivo momento em que as melhores alternativas precisam ser buscadas, sendo indispensável o esclarecimento pela promoção de um debate maduro afim de que o eleitor saiba se posicionar nas urnas. Pois é com a nossa participação que esse processo será conduzido a resultados cada vez melhores rumo ao avanço e não ao retrocesso.
OBS: A foto acima refere-se à passeata ocorrida no Centro de São Paulo, em 16 de abril de 1984, sendo sua autoria atribuída a Jorge Henrique Singh, o qual dedicou a imagem ao domínio público, conforme consta no acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Diretas_ja_1.JPG
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