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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Quando as pessoas negam a realidade...



"tínhamos fartura de pão, prosperávamos e não víamos mal algum. Mas, desde que cessamos de queimar incenso à Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos consumidos pela espada e pela fome" (Livro de Jeremias 44:17b-18; ARA)

Encontramos nas narrativas bíblicas de Jeremias importantes lições sobre a queda da Jerusalém antiga, a qual foi destruída pelo rei Nabucodonosor no século IV a.C., fato este confirmado pela História. Entretanto, as Escrituras Sagradas não se aprofundam tanto nas circunstâncias políticas que deram causa ao evento e dão uma ênfase maior nas questões de ordem ética, tendo por base as injustiças cometidas pelos governantes e também pelo próprio povo.

Ao invadirem a cidade, os caldeus levaram para a Babilônia uma boa parte da população, deixando na terra os mais pobres (Jr 39:9-10), provavelmente para que o espaço conquistado não ficasse vazio. Porém, devido a certos acontecimentos expostos no livro, a permanência desse remanescente em Judá tornou-se instável e insegura, pelo que tanto os líderes quanto os liderados resolveram migrar dali para o Egito, mesmo contrariando as sábias orientações do profeta (Jr 43:4-7).

Ocorreu que, estando já em território egípcio, Jeremias continuou advertindo o seu povo sobre a decisão insana que fora tomada, criticando duramente a conduta infiel que esses refugiados passaram a praticar lá (Jr 44:1-14). Da mesma maneira como Israel tinha sido arrasada pelos caldeus, Nabucodonosor faria o mesmo com o Egito. Os destinatários da mensagem continuavam relutantes em obedecer à Palavra de Deus igualmente aos que tinham sido mortos ou levados para o exílio na Babilônia, tal como foram os seus antepassados em outras épocas.

"Esquecestes já as maldades de vossos pais, as maldades dos reis de Judá, as maldades das suas mulheres, as vossas maldades e as maldades das vossas mulheres, maldades cometidas na terra de Judá e nas ruas de Jerusalém? Não se humilharam até ao dia de hoje, não temeram, não andaram na minha lei nem nos meus estatutos, que pus diante de vós e diante de vossos pais." (Jr 44:9-10)

Contudo, o profeta deparou-se com a mais escancarada rebeldia. Pois, ao invés do povo reconhecer que havia deixado o Senhor e os seus mandamentos, resolveram deturpar a realidade, respondendo eles que a causa da queda de Jerusalém teria sido o abandono do culto idólatra à "Rainha dos Céus" (Jr 44:15-19). Tanto os homens quanto as mulheres desafiaram Jeremias a ponto de justificarem o erro que vinham cometendo impenitentemente.

É provável que esse culto à Rainha dos Céus fosse uma devoção à Astarote ou Astarte, personagem do panteão fenício conhecida como a "deusa da fertilidade" e do "amor". Correspondia à Ishtar na antiga religião mesopotâmica, sendo identificada pelo planeta Vênus. E, como se verifica na passagem bíblica de Jr 7:18, sabe-se também pelas pesquisas históricas que era feita uma celebração incluindo uma pitada de incenso, um bolo em forma de mulher, uma lua crescente (ou uma estrela) e uma libação. Não só as esposas como todos os membros da família tomavam parte no evento que contava com a proeminência das mulheres. Até as crianças colaboravam!

Triste, mas as pessoas da época de Jeremias permaneciam cegas quanto à própria realidade. Não queriam reconhecer seus erros e menos ainda se arrependerem. Se o profeta falasse o que fosse do interesse deles, certamente escutariam. Só que como a mensagem anunciada contrariava os planos obstinados daquela geração (além do pecado da idolatria outras situações eram juntamente denunciadas), o povo preferia tapar os ouvidos atolando-se cada vez mais num auto-engano. Pois, afinal de contas, a lendária "Rainha dos Céus" não iria lhes comunicar nenhuma advertência de modo que para seus corações corruptos era muito mais cômodo seguirem as fábulas da mente humana do que se confrontarem com a verdade.

Amados, pode-se afirmar que a essência da idolatria consiste em alguém colocar outra coisa como alvo do amor que deve ser exclusivamente dedicado a Deus. No passado, os povos pagãos inventavam seus deuses e deusas, mas não podemos negar que hoje existem formas mais modernas de se idolatrar coisas. Basta que direcionemos o nosso sentimento para determinados bens, dinheiro, cargos, pessoas, fama, o alcance do prestígio social e até a projeção dos ministérios exercidos no meio religioso cristão com fins pessoais.

Que sejamos atentos quanto a tudo isso, meus irmãos! Enquanto uns ficam perdendo tempo para fazerem dessas referências do livro de Jeremias um ataque ao catolicismo, como se a exemplar mãe de Jesus fosse a representação dessa "Rainha dos Céus" (não nego que as devoções prestadas a Maria tornaram-se um substitutivo de antigas práticas pagãs), vejo situações bem mais graves acontecendo no meio evangélico. Principalmente entre os que andam trocando a mensagem simples das boas novas do Reino de Deus por uma perversa teologia de prosperidade. Algo incapaz de produzir a indispensável conversão sem a qual a vida em Cristo torna-se inoperante.

Já dizia Moisés que "não só de pão viverá o homem" (Dt 8:3), frase citada mais tarde por Jesus quando o Mestre se sentiu tentado no deserto (conf. Mt 4:2-4). E, se retornarmos ao texto de Jeremias, veremos que a resposta dada pelos refugiados rebeldes ao profeta fazia menção de fartura de alimentos e de prosperidade (Jr 44:17). Ou seja, a história continua a se repetir nos dias de hoje e dentro de igrejas ditas cristãs, mesmo com os "cultos" em seus ambientes sendo aparentemente dirigidos a Deus. Porém, não passam de reuniões onde as pessoas também negam a realidade.


OBS: A figura acima refere-se a uma versão modificada de autor desconhecido sobre o célebre afresco A Criação de Adão pintado por Michelangelo no começo do século XVI e que figura no teto da Capela Sistina. Trata-se de uma obra de domínio público.

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