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segunda-feira, 31 de março de 2014

"A mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade?"

 


Na postagem anterior, após comentar brevemente sobre a recente pesquisa do Ipea, senti que poderia aprofundar num importante tema acerca da sexualidade humana e dos direitos da mulher. Algo que tem a ver com a maneira de pensar de muita gente e que envolve valores morais, culturais bem como questões religiosas também. Então pensei, por que não analisar a situação buscando uma orientação bíblica?

Como consequência do quadrimilenar patriarcalismo, convencionou-se durante dezenas de séculos que a mulher tem o dever de copular com o marido satisfazendo o seu desejo sexual e cumprindo com a função relacionada à procriação. Não faz tanto tempo assim, eis que, até o começo do século XX, era o pai da moça quem escolha o esposo para a filha. Esta praticamente não possuía o seu direito de decisão. Se fosse da vontade do genitor, a jovem seria obrigada a se consorciar com um homem bem mais velho do que ela ou até mesmo mofar o resto da vida num convento de freiras. Não raramente, a Bíblia chegava a ser manipulada afim de respaldar as absurdidades paternas a exemplo do que se lê na epístola paulina de 1ª Coríntios, capítulo 7, versos de 36 a 38, que até hoje seria uma passagem muito mal compreendida.

Mas se buscarmos uma orientação principiológica das Escrituras, tal como fez Jesus quando confrontado acerca do divórcio (Mt 19:3-9), veremos que, na base de toda a Bíblia, encontramos lá no Pentateuco uma relação inicial em pé de igualdade entre o homem e a mulher, em que esta lhe foi apresentada como uma auxiliadora idônea a ponto de Adão afirmar: "Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne" (Gn 2:23). E, através do casamento consumado, podemos dizer que duas almas se unem numa só carne, o que transmite a ideia de cooperação e nunca de subordinação.

Mais adiante, devido à queda, foi que teria surgido um relacionamento de sujeição e de direcionamento do desejo feminino (Gn 3:16). Porém, não foi dessa maneira que Abraão agiu quando enviou o seu servo à terra de sua parentela afim de arrumar uma boa noiva para o filho Isaque. Observa-se que o patriarca soube respeitar o desejo da mulher em aceitar ou recusar a proposta matrimonial (Gn 24:8). E, conforme o desenrolar da narrativa, Rebeca recebeu de livre vontade o presente de casamento (Gn 24:22) tendo depois confirmado o seu querer perante toda a família reunida (Gn 24:57-58).

Assim, pode-se compreender que o relacionamento a dois entre o homem e sua mulher deve se estabelecer por um encontro de vontades. Isto é o que acompanha a poesia do Cântico dos Cânticos reunindo versos tanto do esposo quanto da esposa em que esta chega a expressar claramente o desejo ardente erótico pelo marido:

"De noite, no meu leito,
busquei o amado de minha alma,
busquei-o e não o achei.
Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade,
pelas ruas e pelas praças;
buscarei o amado da minha alma.
Busquei-o e não o achei.
Encontraram-me os guardas,
que rondavam pela cidade.
Então lhes perguntei:
vistes o amado da minha alma?
Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha alma;
agarrei-me a ele e não o deixei ir embora,
até que o fiz entrar em casa de minha mãe
e na recâmara daquela que me concebeu.
Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém,
pelas gazelas e cervas do campo,
que não acordeis, nem desperteis o amor,
até que este o queira."
(Ct 3:1-5; ARA)

Fico imaginando como que esse texto do Cântico dos Cânticos não deve ter mexido com inúmeras gerações de leitores da Bíblia ao expor o desejo da fêmea pelo macho?! E, se pararmos para refletir, a sexualidade feminina é algo que precisa ser cultivado. Logo, cabe ao marido pacientemente colaborar com sua esposa nessa maravilhosa descoberta de maneira que forçar o coito desrespeitando a vontade da companheira pode acabar causando nela um sufocamento afetivo-emocional. Ou seja, ao invés da mulher se despertar, ela se reprime.

Pode haver momentos excepcionais em que um dos cônjuges considere justificável transar estando com a sua libido em baixa afim satisfazer o companheiro ou a companheira. Trata-se, neste caso, de uma conduta que precisa ser conversada dentro do casamento, mas é preciso cautela para o comportamento não virar uma massacrante rotina capaz de adoecer a relação, como também ocorre quando o sexo deixa de ser frequente entre os dois. Em toda situação, o diálogo é fundamental.


OBS: A ilustração acima trata-se de uma obra atribuída a Jeff Belmonte de Cuiabá, conforme consta no acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Wedding_rings.jpg

19 comentários:

  1. Rodrigo, a exclamação de Adão ("Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne") não seria por ter sido abandonada por sua primeira mulher? E esta, não o teria abandonado por ter percebido em Adão a vontade em subjulga-la e a ordem de deus para qua aceita-se ser subjulgada? rsrs

    em Gênesis 1:27,28 fica claro que deus havia criado homem e mulher e os abençoou, como poderia em Gênesis 2 o hmem estar sozinho e deus percebendo que não era bom que o homem ficasse só, decide criar de sua costela Eva, sua "auxiliadora" (e não uma igual) submissa, inferior e que obedessece a vontade do homem?

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    1. Olá, amiga.

      Primeiramente obrigado por sua leitura e comentários.

      Realmente faz sentido a sua análise sobre duas mulheres, mas não necessariamente que Adão teve duas esposas, mas sim que sua companheira não foi mais a mesma após a queda que ocorre no capítulo 3 da narrativa. Somente a partir daí é que ela passa a ser chamada de Eva, após o proferimento da sentença de que o desejo dela seria para o marido e este a governaria. Ou melhor, após a constatação pelo autor bíblico do que teria ocorrido com a humanidade no decorrer das gerações.

      Acerca do questionamento que expôs no segundo parágrafo de seu comentário, ressalto que Gênesis reúne nos dois primeiros capítulos duas tradições acerca da criação. Quando se trata da criação do homem e da mulher no capítulo 2º, o escritor vem nos mostrar uma outra abordagem. Aí eu digo que da costela de Adão saiu sua auxiliadora idônea e que só depois veio a ser chamada de Eva pelo marido.

      Finalmente, lembro que o mito de Lilith, o qual povoa a imaginação de muitos, seria algo bem posterior à redação do Pentateuco.

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    2. Não Rodrigo, o mito Lilith é anterior a redação do pentateuco. Vem desde os sumérios.

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    3. Sobre sua fala que a narrativa teria sido feita por duas tradições (javística e elohística), poderia também ser mais uma daquelas mirabolancias teológicas para tapar lacunas.

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    4. Oi, amiga.

      No caso não seriam as tradições sacerdotal e javista? Mas não vem ao caso.

      O que me parece é que o contato dos judeus com o mito de Lilith pode ter ocorrido na época do cativeiro babilônico, a partir de quanto teriam feito os acréscimos de Isaías 34:14 onde nem sempre as traduções bíblicas citam-na:

      "As feras do deserto se encontrarão com as feras da ilha, e o sátiro clamará ao seu companheiro; e os animais noturnos ali pousarão, e acharão lugar de repouso para si."

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    5. Rodrigo, existem relatos de que foi no concílio de tentro que Lilith foi retirada da Bíblia, reiterando o desejo da igreja católica em manter a mulher totalmente submissa ao homem, mas isto é conversa pra muito pano pra manga rsrsrs

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    6. Mas essa retirada do texto sagrado não teria se dado em relação à passagem de Isaías que citei? Em algumas traduções para a nossa língua, pelo que sei, Lilith aparece no referido texto profético. Mas sobre ela ter constado numa versão anterior de Gênesis, aí discordo. Até porque isto seria uma questão que envolveria também os judeus por serem eles os guardiães da Torá, não concorda?

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    7. Aduza-se que o Concílio de Trento teria se realizado de 1545 a 1563, numa data bem posterior até mesmo ao texto dos massoréticos. Logo a retirada da qual supõe só poderia ser em relação à passagem citada de Isaías.

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    8. Então vc quer supor quer Lilith foi inserida no mito da criação séculos depois que o pentateuco estava fechado? Como então podemos avaliar o que dizem os escvritos hebreus que apresentam tal relato Rodrigo?

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    9. Como eu disse Rodrigo, tudo não passa de uma grande mirabolância teológica para dar outra voz (ou versão) aos relatos mitológicos da criação e suas contradições. O verso 27 e 28 do capítulo 1 de Gênesis mostra claramente que foram criados homem e mulher, no cap 2 deus "recria" ou cria de novo uma mulher para Adão que, está sozinho! Ora, deus criou macho e fêmea em suas respectivas especies, é de se deduzir que tenha feito o memso com o homem, senão não haveria possibilidadede procriação. Claro que parto da premissa que ambos ralatos da criação (em qualquer que seja o panteão) é simplesmente mítico, uma vez que temos por certo que a evolução das espécies é um fato e não um relato mitológico.

      Se partimos para uma observação mais detalhada, perceberemos que Lilith por não aceitar a submissão imposta pelo homem e sendo repreendida por deus a aceitar, prefere a fuga a ter de se submeter e, acaba por habitar os desertos sendo tida como a rainha dos demônios, ou seja, o mito Eva não nasceu para ser "igual" ao homem, mas sim para ser submissa e é por isto que a igreja na pessoa de seus líderes insistem nesta submissão e quem de nós nunca ouviu um pregador dizer: "a mulher tem por obrigação sim atender os desejos sexuais de seus maridos assim como o homem também o tem", mas claro, a ênfase reccai sempre com maior peso sobre a mulher.

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    10. Boa tarde, amiga.

      Para não gastarmos tempo discutindo se teria ocorrido essa suposta alteração em Gênesis, o que não acredito porque em tal caso os rabinos judeus espalhados pelos quatro cantos do mundo teriam que ter também concordado com o papa, tratemos então Lilith como um mito que, como tal, deve ser investigado/estudado. Logo não seria o Deus Criador do Universo quem teria afastado-a de Adão e sim o deus, ou os deuses, criados pela mente humana corrupta.

      De qualquer modo, quer seja na minha análise ou na sua, foi o homem caído quem fez da mulher uma Eva submissa (a ordem das parcelas não altera a soma). Daí se conclui que, desde o começo do patriarcado, lá mesmo na Suméria do final do 3º milênio a.C, começaram a demonizar as mulheres que pretendiam viver em igualdade com seus esposos. Evidentemente foi quando surgiu o patriarcalismo que, progressivamente foi se fortalecendo mais e mais até chegar ao seu apogeu na Idade do Ferro, quando surgiram os grandes impérios da Antiguidade. E como as nações precisavam reproduzir soldados guerreiros, eis que a poligamia foi muito bem justificada assim como o costume do levirato dando espaço para as compulsões masculinas. Observe que, naqueles tempos, somente o adultério com a mulher comprometida era reconhecido como crime. Um homem casado poderia transar, consorciar-se e até estuprar uma mulher solteira. Também somente o homossexualismo masculino foi tipificado como delito passível de morte e a legislação silenciou quanto ao lesbianismo, o qual evidentemente deveria ser praticado dentro daqueles haréns reais e até com a participação dos eunucos.

      Todavia, a interpretação de base principiológica vai de encontro à perfeição do princípio como consta lá em Gênesis, sem poligamias, sem traições conjugais, sem guerras e sem a dominação do homem sobre o homem nas relações de trabalho/poder.

      Agora como restabeleceremos as relações sociais conforme esse ideal edênico? Pois creio que quando a Bíblia diz que o homem comerá o pão com o suor do seu rosto, somos colocados dentro da nossa realidade na qual é preciso agora edificar esse paraíso conforme as condições atuais. E, felizmente, o processo histórico tem sido favorável para que nos aproximemos hoje da igualdade entre os sexos, coisa que não só é reconhecida nas constituições dos países democráticos do Ocidente como também está se tornando uma norma de convivência dentro das famílias que tentam se reestruturar sob novos valores. Daí a importância da própria Igreja, novamente reformada, contribuir para que o autoritarismo dê lugar ao diálogo e a subordinação à cooperação. Se no passado as instituições eclesiásticas contribuíram para manter o patriarcalismo contra o qual nosso Senhor Jesus muitas vezes se opôs, eis que hoje podemos fazer diferente procurando seguir os passos progressistas do Mestre dos mestres.

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  2. Nenhuma Religião ou Líder Religioso tem o Direito de se imiscuir na vida pessoal e íntima de ninguém. Lívre Arbítrio e Papo Reto com Deus !!

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    1. Bom dia, Gilson.

      Concordo que em relação a essas escolhas íntimas e pessoais, as lideranças religiosas não devam se meter assim como os pais, os psicólogos, os professores, os vizinhos, etc. Porém, transmitir orientações práticas para a vida é um dever religioso do qual não se pode fugir, cabendo à liderança promover debates produtivos entre a membresia da respectiva congregação.

      Abraços.

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  3. "Transmitir orientações práticas para a vida é um dever ( quando solicitadas) do qual não se pode fugir" (???? ) - como assim ? O debate é entre os que se amam, só os 2.


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    1. Oi, Gilson.

      Vou ver se explico melhor o meu pensamento pois parece que ficou meio contraditória a minha resposta.

      Entendo que a vida íntima de um casal não é algo para ser devassado. Se os dois se congregam num lugar, o líder e os demais membros devem respeitar a privacidade dos cônjuges e, obviamente, não se meterem no que fazem entre quatro paredes. Mas isso não significa que a religião deva oferecer orientações de vida de maneira genérica e privativamente direcionada dentro de um gabinete pastoral pois, do contrário, seria deixar duas pessoas sofrendo com seus conflitos na área sexual. Daí o líder, ou quem cuida do ministério de aconselhamento de casais, não ser uma pessoa repressora ou autoritária, mas antes de tudo apto para ouvir atentamente as dúvidas.

      Fora isto, debater os assuntos sobre sexualidade é fundamental. É o que eu estou fazendo aqui no blogue abordando uma questão polêmica e que tem sido alvo de discussões após a publicação do levantamento do IPEA. Algo que, embora diga respeito à esfera íntima dos relacionamentos conjugais, tem a ver com os direitos femininos e com o bem estar das pessoas. Daí não me neguei a emitir um posicionamento teológico, o que também discursaria dentro de uma igreja, numa sinagoga, num centro espírita ou numa loja maçônica.

      Concluindo, eu diria que, sem se meter na vida de ninguém, pode o líder eclesiástico dizer o que ele pensa em púlpito e, quando solicitado, conversar reservadamente com os cônjuges ou um deles. Agora, se uma relação começa a se tornar violadora de direitos a ponto da esposa ser continuamente estuprada pelo companheiro, por este achar que está no seu direito marital, aí a coisa muda de figura e o caso passa a ser de polícia e Lei Maria da Penha...

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  4. Rodrigo, não teria muito a acrescentar sobre o que você diz no texto. A resposta para a sua pergunta, é um "não". Hoje não é justificável um homem obrigar a mulher a fazer sexo se ela não quer. Isso se chama estupro. Por outro lado, muitas mulheres transam sem muita vontade para agradar. Elas conseguem fazer isso, né? e até fingem que estão adorando...rss

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    1. Olá, Eduardo.

      Agora é fato que muitas vezes nós homens assediamos tanto as nossas esposas que elas chegam a sentir de algum modo pressionadas a fazerem sexo sem vontade. E há um ambiente social ainda favorável a tal prática partindo não raramente de outras mulheres e até da religião que seguem. Como a Anja bem colocou acima, seria o velho discurso da submissão da mulher ao marido sem que haja uma devida valorização do desejo feminino.

      Quanto ao estupro dentro do casamento, verdade seja dita que muitas vítimas enfrentam problemas para caracterizar o delito cometido pelo agressor. Há magistrados que ainda reduzem a relevância do fato.

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  5. as mulheres devem fazer sexo mesmo sem vontade sao as maquinas do sexo dos maridos quando eles nao querem poem de lado quando eles querem fazer sexo la temos nos mulhres estar com as pernas abertas para eles enfiarem o caralho e se possivel esporrarem dentro das nossas conas temos sempre prontas para satisfazer seus desejos masculinos

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