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terça-feira, 11 de março de 2014

Padrões que sufocam



"Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si." (Gênesis 3:7; ARA)

O que seria da indústria de vestuário se a maioria da população aderisse ao movimento naturista e decidisse dispensar as roupas? Penso que, neste caso hipotético, ainda assim a quebradeira das empresas não seria total pois persistiria a necessidade de proteção do frio durante o inverno além de algumas questões relacionadas à higiene íntima. Porém, é inegável que haveria a perda de determinados mercados. Por exemplo, praticamente ninguém precisaria mais comprar sungas, maiôs e biquínis para banhar-se numa praia.

É certo que ainda não temos ambiente social para que isso ocorra porque uma grande parte dos homens não saberia lidar com o impulso sexual se as genitálias das mulheres e as deles ficarem expostas. Contudo, parece-me que a questão da nudez não se limita apenas às circunstâncias libidinosas e à moral pois existem outros aspectos aí envolvidos. Um deles seria o fato das pessoas ainda não saberem respeitar umas às outras e terem dificuldades para conviver com as diferenças existentes entre cada um. Inclusive no tocante à estética e aos padrões estabelecidos.

Ora, se pensarmos bem, há muitos carnavais que as mulheres desfilam com os peitos desnudos na Sapucaí do Rio de Janeiro. Também já fazem décadas em que os biquínis híper curtos passaram a integrar as modas de verão. Porém, o topless continua sendo ainda muito reprimido e o máximo que a sociedade tolera seria uma discreta amamentação do bebê pois, afinal de contas, trata-se de um direito da criança defendido até pelo Ministério da Saúde.

Em se tratando da nudez torácica feminina, não acho que a sua repressão nos dias de hoje se explique por causa da desenfreada libido dos homens. Pode ser até que haja um lobby da indústria de sutiã por trás dando apoio à moral e aos "bons costumes", mas suponho que o topless em lugares públicos talvez incomode mais as próprias mulheres. Refiro-me àquelas que já não estão com tudo em cima e sentem embaraços em lidar com os efeitos da força gravitacional no decorrer dos anos quando vêem a geração de suas filhas todas bem durinhas desfilando pelas ruas. Então, depois de serem vitimadas por suas respectivas mães na juventude, tornam-se agora as principais algozes de outras mulheres formando um eterno ciclo das despeitadas.

Embora eu possa estar fazendo um pouco de gozação neste texto quase fútil (essa não é a temática que costumo escrever), penso existir algo de profundo em todas as reflexões, mesmo nas chamadas "filosofias de boteco". Seria quando passamos a analisar o complicado comportamento humano junto com nossas reais motivações. E aí o assunto em tela vai nos levar a debater o velho tema da tão comentada "ditadura da beleza", a qual eu prefiro denominar como sendo a ditadura dos padrões. Isto porque podemos encontrar o belo não só no gato como também no sapo, passando a aceitar de mente aberta o natural envelhecimento dos corpos, o que é incapaz de atingir a alma. E também podemos construir uma cultura de respeito inegociável à individualidade humana, passando a apreciar a maneira do outro vestir-se, cortar/arrumar o seu cabelo, fazer as escolhas profissionais, ter seu próprio gosto musical, crença religiosa, ideologia política, os relacionamentos afetivos, etc.

Termino esse texto alertando que não somente as mulheres devem ficar atentas com a terrível padronização dos costumes pessoais. Nós, os homens, também estamos com os dias contados quanto à nudez torácica in natura. Principalmente os caras como eu que lembram um pouco do ator da TV Globo Tony Ramos. Pois agora com essa moda dos caras do século XXI depilarem o peito para fins estéticos, começo a sentir um pouco de vergonha de tirar a camisa na rua. Até numa praia de frequência não naturista a coisa está começando a ficar complicada sendo certo que, se ainda fosse solteiro, correria o fundado risco de ser preterido por muitas mulheres. Só que, felizmente, a minha esposa não se importa com essas bobagens. Ainda bem!


OBS: A ilustração acima acima refere-se ao quadro Adão e Eva pintado pelo artista flamenco Mabuse (1478 - 1532), cujo nome verdadeiro era Jan Gossaert. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Adao_eva.PNG

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