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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"Isto acontecerá para que deis testemunho"



Conforme temos estudado sequencialmente no capítulo 21 do Evangelho de Lucas, o Senhor Jesus iniciou ali o seu Sermão Profético falando sobre a destruição do 2º Templo judaico (verso 6) e como os seus discípulos deveriam lidar com acontecimentos tipo as guerras, as rebeliões, as epidemias e a fome (conferir o artigo anterior). Agora, então, o Mestre passa a abordar o tema das perseguições:

"Antes, porém, de todas estas coisas, lançarão mão de vós e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome; e isto vos acontecerá para que deis testemunho. Assentai, pois, em vosso coração de não vos preocupardes com o que haveis de responder [dizer em defesa]; porque eu vos darei boca e sabedoria a que não poderão resistir, nem contradizer todos quantos se vos opuserem. E sereis entregues até por vossos pais, irmãos, parentes e amigos; e matarão alguns dentre vós. De todos sereis odiados por causa do meu nome. Contudo, não se perderá um só fio de cabelo da vossa cabeça. É na vossa perseverança que ganhareis a vossa alma." (Lc 21:12-19; ARA)

Pelo que podemos observar, Jesus preveniu os seus seguidores (a Igreja) de que enfrentariam problemas no ministério que exerceriam. Eles sofreriam perseguições quer fosse no meio religioso e/ou promovidas pelas autoridades políticas. Enfrentariam hostilidade também dentro da sociedade e até por parte dos seus próprios familiares e ex-amigos. As obras que os discípulos fariam iriam incomodar muita gente.

Mas afinal, qual seria o motivo dessa reação?

No versículo 12, o Mestre disse que seus seguidores suportariam tais coisas por causa do seu nome. Ou seja, após seu martírio na cruz, Jerus se tornaria o símbolo de uma verdadeira luta popular pela construção do Reino de Deus na Terra. Uma revolução pacífica mas com efeitos impactantes sobre os templos, os palácios, os tesouros dos ricos e também quanto aos aspectos culturais relacionados. Principalmente no que se refere aos valores de dominação como escravidão, machismo, autoritarismos e outras coisas dentro da vida religiosa.

Os apóstolos certamente se tornariam os sucessores dos antigos profetas de Israel embora num outro momento histórico e evolutivo. E, se pensarmos bem, essa tarefa ainda não foi concluída nos nossos dias sendo um ministério permanente da Igreja. Senão vejamos o que leciona o teólogo namibiano Paul John Isaak da Igreja Luterana na África:

"Ser igreja hoje nesse mundo significa ser uma igreja com voz profética que possa ser ouvida nos lares, vilas, cidades, metrópoles, parlamentos, escolas, hospitais e em qualquer local de trabalho. Ser uma voz assim com frequência envolverá conflito, reprimendas mútuas e debates amargos para solucionar as diferenças ou trazer as inconsistências à luz. O ministério profético é penoso e nunca estará completo." (Comentário bíblico africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010, pág. 1276)

Por mais angustioso que seja o crente sofrer perseguições (falo aqui de verdadeiras reações ao Reino e não de meros desajustes relacionais gerados pelos aborrecimentos comuns da convivência humana), penso que devemos fazer desses momentos uma oportunidade para darmos o nosso testemunho. Pois a situação adversa, além de indicar que estamos seguindo na direção certa e contribuir para o nosso aperfeiçoamento ético-espiritual, guarda um enorme potencial evangelístico. Mesmo que nem toda a sociedade reconheça o valor dos cristãos autênticos e alguns falsos irmãos se escandalizem, as pessoas que buscam conhecer a verdade vão refletir revendo as suas posições. Quanto maior for a brutalidade perpetrada, mais incoerente e contraditório torna-se o sistema desse mundo corrompido. Mais perto os poderosos estão de serem desmascarados!

Podemos verificar ainda nessa passagem bíblica em análise o encorajamento de Jesus para que os seus discípulos tivessem tranquilidade espiritual em todas as tribulações. No capítulo 12, verso 4, o Senhor havia dito para os seus seguidores não temerem "os que matam o corpo" visto que "depois disso, nada mais podem fazer" (ler o texto Cuidado com o "fermento" da hipocrisia!, de 18/08/2013), sendo essa mesma segurança confirmada aqui no Sermão Profético. As frases "até os cabelos da vossa cabeça estão contados" (12:7) ou "não se perderá um só fio de cabelo da vossa cabeça" (21:18) mostram-se equivalentes e traduzem o cuidado de Deus para conosco juntamente com o seu controle soberano sobre a História. Não importa o que aconteça, estaremos sempre nas mãos poderosas/graciosas do Altíssimo!

Do mesmo modo, devemos considerar que essa segurança também se reflete nas vezes quando precisamos fornecer alguma resposta, o que também é tratado repetidamente nas duas passagens de Lucas (12:11-12; 21:14-15). Cuida-se da certeza de que não estaremos sozinhos lutando pela causa do Reino porque temos um relacionamento com Deus em Cristo. E, se estamos firmes na Verdade, sem mentiras a esconder dos homens mas vivendo sinceramente o amor fraternal, não há por que temermos qualquer contradição. Os perseguidores da Igreja, sim, é que não terão como resistir por estarem equivocados na maneira como agem.

Para finalizar, proponho meditarmos no termo perseverança do versículo 19. Essa é uma palavra capaz de resumir satisfatoriamente a caminhada vitoriosa de um crente fiel. Do homem e da mulher do Senhor que atravessam altos e baixos, caem mas se levantam, suportam tempestades e bonanças sem jamais desistirem de promover o Reino. Ora, Jesus certamente não estava falando de um comportamento imperfeito ou inabalável, na expectativa de que seus discípulos fossem 100% sem falhas, porém o que ele parece estar ressaltando aqui é a persistência. Algo que aprendemos a desenvolver nas horas de fraqueza, de solidão, tentação, quando somos vítimas de ciladas armadas para nos derrubar e precisamos depender unicamente do Pai Celestial. Um dia após o outro.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro Os mártires cristãos 'Last Prayer (1883) do artista francês Jean-Léon Gérôme (1824-1904). A obra encontra-se atualmente no Museu de Arte Walters, em Baltimore, Maryland, Estados Unidos. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jean-L%C3%A9on_G%C3%A9r%C3%B4me_-_The_Christian_Martyrs%27_Last_Prayer_-_Walters_37113.jpg

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