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terça-feira, 30 de abril de 2013

A polêmica proposta do deputado Jean Wyllys


Retomando uma ideia anteriormente lançada pelo verde Fernando Gabeira, cujo projeto de lei tinha sido arquivado após o término do seu mandato, por imposição do Regimento Interno da Casa Legislativa, eis que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) novamente desafiou a sociedade brasileira com uma outra proposta considerada por uns como progressista. Se, por um lado, o parlamentar havia entendido pela necessidade de criminalizar a homofobia, agora ele pretende legalizar o velho negócio de exploração sexual dos cafetões. Trata-se do PL n.º 4.211/2012.

A proposta e Jean, a princípio, parece complicada de se entender porque afronta valores morais comuns da coletividade. No entanto, independentemente de considerarmos a prostituição como algo errado (tida pela religião cristã como grave pecado), em que mulheres negociam o uso de seus corpos para a satisfação sexual dos homens, urge regrar uma situação fática injusta. E aí entendo que devemos nos posicionar com realismo lembrando ser uma das principais funções da lei apaziguar o conflito afim de proporcionar o equilíbrio social.

Embora a novela Salve Jorge tenha o seu foco mais no tráfico de pessoas, a TV nos mostra uns detalhes sobre o mundo sujo da prostituição e revela como que a relação de trabalho entre a meretriz e o cafetão pode tornar-se quase que uma escravidão. Não que toda terma ou boate tenha ali um Russo para ameaçar e espancar as mulheres como acontece no Plim-Plim.  Mas a verdade é que o proprietário do negócio aproveita-se muitas das vezes da condição sócio-econômica da mulher, geralmente de baixo grau de instrução, afim de lucrar o máximo com os seus programas. Em muitos casos, a profissional do sexo recebe uma mera percentagem de comissão depois de prestado o serviço com o uso de seu corpo.

Segundo argumenta Gabriela Leite, fundadora da Rede Brasileira das Prostitutas e da ONG Davida, o projeto

"permitirá regular a relação de trabalho entre prostitutas e donos e casas, boates e termas, ao retirar do Código Penal os artigos referentes ao negócio, hoje ilegal. Essa relação não é formal justamente porque o proprietário é criminalizado, o que leva as prostitutas a serem exploradas, ao  contrário do que pensa o senso comum (...) Por outro lado, o projeto fortalece a penalização da exploração sexual, hoje mal defendida no próprio Código. Com a legalização, as prostitutas terão acesso a ambientes de trabalho nos parâmetros comuns à sociedade, poderão trabalhar em ambientes mais limpos, já que a Vigilância Sanitária poderá intervir nas casas em péssimo estado (...)" - trechos extraídos da coluna PontoContraPonto, página 13 da edição n.º 525 do jornal A Tribuna do Advogado, de abril de 2013, publicada periodicamente pela OAB do Rio de Janeiro

Certamente que a criminalização inadequada de condutas só serve para favorecer a corrupção que encoberta a ilicitude como se vê com o jogo do bicho. No mercado da prostituição, isso não é diferente de modo que, em quase toda cidade do país, existe uma repugnante associação entre os cafetões, as máfias do Poder Público (polícias) e grupos criminosos organizados. O proprietário monta a sua boate, registrada formalmente como um ambiente de entretenimento, agencia garotas e travestis, todos na vizinhança sabem qual a destinação real do estabelecimento e nenhuma autoridade tem a iniciativa de fechar as suas portas. Aliás, não raras vezes quem tem o dever de combater a exploração sexual é também cliente do local.

Penso que não devemos nos conformar com aquilo que a antropóloga feminista Alana Moraes chama de "precificação da sexualidade". Contrária ao projeto de lei de Jean, ela bem argumenta que a naturalização desse comportamento torna-se obstáculo "para a consolidação de uma vida plena e autônoma para as mulheres". Entretanto, em que pesem os nobres ideais desse digno movimento popular, não podemos tapar o sol com a peneira permitindo que injustiças maiores continuem ocorrendo.

Jamais podemos ignorar as condições reais das mulheres humildes desse gigantesco país. Estamos tratando aqui de pessoas que contam com menos opções de vida e se acham num processo bem distante da tomada de consciência a respeito da "autonomia feminina". Muitas prostitutas sofreram abusos dentro da própria casa sendo ainda menores, foram abandonadas pelos pais de diversas maneiras, e/ou viveram na pobreza antes de se entregarem ao que equivocadamente denominamos como "vida fácil". Logo, ninguém pode julgá-las pelas escolhas que tomaram e continuam fazendo, pelo que precisamos ter em mente o bem estar delas dentro do possível.

Ressalto que não concordo com a prostituição e respeito as advertências do apóstolo Paulo para o homem preservar a sua pureza sexual (1 Coríntios 6:12-20). Porém, não me esqueço também de que o Senhor Jesus Cristo foi amigo das prostitutas e dos pecadores sem jamais tê-los condenado pelo que faziam. Também recordo que, segundo a Bíblia, a meretriz Raabe foi salva da destruição de Jericó vindo a constar na genealogia do rei Davi e do nosso Messias amado.

Ora, como eu, um seguidor de Jesus, poderei fechar os olhos para uma situação cruel que marginaliza milhares de mulheres neste Brasil ainda vítimas da exploração sexual e que, dificilmente, deixarão de se prostituir? Então nada mais justo do que proporcionar mais dignidade às profissionais do sexo por mais que discordemos do que elas (ou eles) fazem. Do contrário, o jeito vai ser colocar  algemas em todo mundo. Inclusive nos clientes das termas e nas autoridades públicas quando se encontram em lugares privados com as meretrizes uma vez que todos andam financiando esse mercado ilícito.

Assim, parece-me que a regulamentação do trabalho das profissionais do sexo trará algo das trevas para a luz permitindo que a sociedade encare de frente uma situação que carece ser melhor compreendida e tratada de uma maneira mais adequada. Do contrário, estaremos sendo hipócritas defensores de discursos sociais ou religiosos em favor de um modelo de ética divorciado da prática cotidiana.


OBS: A imagem acima foi extraída do site da Câmara dos Deputados em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=160672

3 comentários:

  1. Propondo antecipadamente uma reflexão sobre o dia do trabalhador que será comemorado amanhã (01º/05), estou pondo em debate este texto. Quer concordemos ou não com o que fazem as prostitutas, o trabalho delas já é considerado uma atividade ocupacional pelo Ministério do Trabalho. Que Deus abençoe, liberte e transforme todas as mulheres que hoje se acham envolvidas nessa situação!

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  2. Trabalho? Pode se chamar profissão a uma entrega involuntária do corpo? Pode se chamar de profissional uma mulher ou travesti que para ganhar o pão se submete aos mais torpes, degenerados vícios e manias de doentes sexuais? Ó dor!

    Não faltaria trabalho digno para tais prostitutos(as) se o governo fosse responsável com o seu Brasil. Veja o vídeo http://youtu.be/BKWc0sUOvVM, não é uma pregação. Abraço.

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  3. Oi Guiomar,

    Obrigado pela visita ao meu blogue.

    Atualmente, a atividade das prostitutas já está incluída na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.

    Não posso dizer que se trate de "uma entrega involuntária do corpo", em que pesem as comuns condicionantes econômicas nesse meio, nem sempre o motivo real de alguém entrar nesse meio de vida. Para a lei, seria involuntário se a mulher fosse coagida a fazer sexo com alguém, o que não é o caso. Pois aí seria estupro ou atentado violendo ao pudor que são condutas tipificadas respectivamente nos artigos 213 e 214 do Código Penal. O favorecimento da prostituição, o rufianismo ou até mesmo a manutenção de uma casa de prostituição, por si só, não caracterizam crime contra a liberdade sexual por mais que estejam atentando contra a moral e os bons costumes.

    Sem querer me conformar com este mundo, penso que legalizar a prostituição é agir com realismo. Não se trata de concordar com a situação das prostitutas, mas sim de combater as injustiças decorrentes da exploração sexual.

    Abraços.

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