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domingo, 19 de agosto de 2012

O recomeço de dois descasados

Num sábado do inverno carioca, Rosa chegou em casa toda empolgada anunciando aos filhos que havia começado seu namoro com um homem que conhecera na internet. Ambos foram encontrar-se na orla de Copacabana e, quando ela retornou para sua residência na Tijuca, o mais velho estava na sala usando o computador.

Com 54 anos, Rosa enviuvou-se aos 25. Não foi feliz nos relacionamentos seguintes (o pai do segundo filho espancava-a), embora tivesse experimentado bons momentos com o último namorado.

Jorge, a pessoa que Rosa escolheu, não estava fora de sua faixa etária, sendo ele pai de duas filhas formadas e se divorciara dois anos atrás da esposa. Carioca da gema, viveu uma década nos Estados Unidos e resolveu retornar ao país com a crise econômica. Estava trabalhando como advogado num escritório próprio na Barra enquanto que ela recebia a pensão do INSS deixada pelo marido, apesar de ter dado um duro como empregada na iniciativa privada com a maior parte do tempo sem a carteira assinada.

Sem nenhum minuto a perder, ambos resolveram não enrolar e escolher aquilo que desejavam para si. Nenhum deles tinha motivos para esconder algo um do outro ou nutrir ilusórias expectativas quanto ao futuro. O objetivo comum parecia ser a busca da felicidade de uma maneira madura, diferente dos adolescentes, dos solteiros recém formados e das pessoas de meia idade com filhos menores.

Durante o jantar que tiveram, o papo foi bem direto. Não demorou muito para Rosa receber a proposta:

- “Quero namorar com você, mulher. Amanhã iremos nos ver novamente?”

- “Claro que sim, Jorge. Meus finais de semana serão todos seus.”

- “Prometo cuidar de você. Sou cristão metodista e vou ao culto pela manhã. Podemos almoçar juntos. O que acha?”

- “Está feito. Vou à missa cedo, tomo o meu banho e venho de metrô ao seu encontro. Só que, desta vez, nos veremos no restaurante do qual lhe falei no Flamengo.”

- “Combinado!”

Assim, Rosa e Jorge concluíram o primeiro encontro e retornaram contentes para casa. Tendo já cumprido com o ciclo vital, tinham sob controle o desejo de maternidade/paternidade, assim como já não sofriam de nenhuma ansiedade adolescente pelo começo de um namoro nem padeciam daquela mania de beleza corporal. Dinheiro não era problema para os dois. Se a grana ficasse curta, não teriam muitas exigências para fazer. O objetivo deles seria a felicidade mútua e não se meterem na vida dos filhos afim de envelhecerem tranquilamente com qualidade.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A Proposta (1872) do artista francês William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).

2 comentários:

  1. Lendo o seu texto, Rodrigo, lembrei-me do que minha mãe sempre dizia a seus filhos: não se metam em jugo desigual, baseada em conceitos bíblicos.

    Mas eu te pergunto:

    Casamento não é um salto no escuro, uma vez que a subjetividade de cada um, como a impressão digital, é única, sendo esse desejo de encontrar um igual uma impossibilidade?

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    1. Prezado Levi,

      Concordo com a sua indagação/colocação.

      Muitos falam em "alma gêmea", o que, caso exista, não significa que o outro deva ser igual, mas alguém que de alguma maneira nos completa. Mesmo com suas diferenças.

      Analisando os casais da Bíblia, será que Abraão e Sara foram iguais? Tanto o velho patriarca quanto o seu filho Isaque pareceram ter encontrado suas respectivas "alma gêmea". Mas e a esposa que Deus deu a Jacó? Refiro-me a Lia, que ele não escolheu, e foi quem o Eterno manteve viva depois da amada Raquel ter partido prematuramente...

      De qualquer modo, entendo que a escolha precisa ser feita levando em conta a identificação entre ambos, ainda que seja impossível conhecer na totalidade a outra pessoa. Mas, em muitos casos, somos completos nas diferenças e quando a própria vida nos coloca em jugo desigual. É aí, por incrível que pareça, que muitos aprendem a amar.

      Quando puder, dê uma lida na minha primeira postagem do mês:

      "A esposa que aprendeu a gostar"

      Abraços e tenha uma excelente semana cheia de paz e de graça.

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