Li uma notícia no site da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro informando que o Conselho Nacional de Justiça ratificou a decisão da OAB em liberar o uso profissional dos ternos durante o verão.
A princípio, a medida me pareceu uma grande conquista dos advogados fluminenses. Porém, não posso esconder que, ao tomar conhecimento da medida, senti-me de certa maneira tolido em minha liberdade individual por saber que, desde 09/02/2010, o meu modo de vestir estaria sendo controlado por uma norma da Presidência da OAB do Rio de Janeiro.
Ao editar o o Ato nº 39/2010, o presidente da OAB/RJ, Dr. Wadih Damous, determinou que até o dia 21/03/2010, os advogados que optarem por não utilizar paletó e gravata no exercício profissional “deverão se apresentar com calça e camisa sociais”, sendo que o parágrafo único do artigo 1º da norma considera como exercício da profissão “a prática de atos processuais em cartórios; despachos com magistrados; audiências e sustentações orais e outros afins”.
É certo que neste verão seco e quente que tem feito no Rio de Janeiro e em outras cidades do estado, as temperaturas têm ultrapassado os 40 graus durante o dia (até na região serrana tem feito um calor acima do normal), causando desconfortos e até males à saúde dos advogados. Daí surgiu a iniciativa da OAB em não somente adotar a nova decisão por prazo determinado como também provocar o CNJ para que se manifestasse ratificando ou não a medida. Tanto é que no seu requerimento a OAB assim fundamentou:
“Os prejuízos à saúde, especialmente dos profissionais de idades mais elevadas, é notório: caminhar sob o sol, com os termômetros marcando mais de 40º C (com sensação térmica chegando a 50º), com vestimentas mais adequadas ao inverno europeu, pode causar diversas enfermidades: desde desidratação, passando pela insolação, até chegar a variações extremas da pressão arterial, que podem inclusive ocasionar morte.”
Entretanto, antes da decisão da OAB, quase sempre pude exercer a profissão de advogado com trajes melhor climatizados e a meu gosto. Exceto nas audiências, em que não conhecia o juiz, ou sabia da implicância do magistrado quanto ao uso do terno, quase sempre fui a Fórum vestindo qualquer tipo de caça ou camisa. Nos cartórios, os funcionários jamais deixaram de me atender caso eu estivesse utilizando tênis, calça jeans e camiseta de maga curta, sendo que da mesma maneira como me apresentava nas serventias judiciais consegui ser recebido dentro do meu estilo por determinados juízes de cabeça aberta. Apenas nunca trabalhei de bermuda e chinelos no Fórum porque as próprias normas do Tribunal de Justiça impedem a entrada de qualquer pessoa nas dependências dos órgãos do Poder Judiciário Estadual.
Agora, porém, a situação mudou. O advogado do sexo masculino só poderá andar de terno ou de calça e camisa sociais, visto que este padrão passou a ser norma da OAB amparada por lei e decisão do CNJ (pelo menos até o final do verão). Pois, se não fosse pelo tal parágrafo único do artigo 1º do ato do presidente da OAB, os advogados poderiam continuar sendo atendidos pelos serventuários dos cartórios sem nenhum problema. Contudo, se algum colega de profissão não observar a nova norma poderá, além de não receber o atendimento, sofrer até mesmo uma representação perante a OAB por qualquer um (funcionário ou não do Poder Judiciário) que o flagrar exercendo a profissão fora dos trajes obrigatórios.
Verdade é que as normas não tornam o cidadão livre. Quanto mais normatizamos a vida em sociedade, mais nos tornamos reféns dos preceitos escritos, o que gera um sentimento desagradável de privação.
Todo este recente episódio me fez lembrar da figura de Jânio Quadros, o qual, durante seu mandato presidencial, apesar de ter proibido o desfile das modelos de biquíni, desejou implantar o uso do slack indiano no país afim de que o uso do terno viesse a ser pudesse abolido. Atentando para a tropicalidade do clima, Jânio propôs no começo dos anos 60 que, em ocasiões de protocolo menos rígido, fosse usada uma vestimenta oficial que se assemelharia a um uniforme estilo safári, a qual seria mais adequada à tropicalidade brasileira.
Creio que Jânio Quadros poderia ter tido mais sucesso em sua proposta se o uniforme por ele idealizado fosse algo mais original e, ao menos, já fosse socialmente aceito naquela época. Faltou, evidentemente, um pouco de seriedade do nosso ex-presidente quanto à sua proposta, visto que a polêmica por ele suscitada pode não ter passado de mais um de seus truques de comunicação para manter-se na “ribalda”, tal como fez proibindo as rinhas de galo, o lança-perfume nos bailes de carnaval e o biquíni nos concursos de miss.
Outra lembrança que veio à minha memória diz respeito à proibição do uso da burca nas escolas francesas. Embora considere o cúmulo do mau gosto de terminadas seitas muçulmanas radicais imporem este traje absurdo às suas seguidoras, questiono se de fato o Estado democrático pode obrigar alguém a se vestir desta ou daquela maneira. Logo, tal proibição trata-se de mais uma intromissão estatal na esfera da vida privada, o que é injustificável por mais ridículo que pareça ser o uso das burcas.
Felizmente como a norma da Presidência da OAB terá fim no dia 21/03/2010, aguardo ansiosamente o começo do outono para poder novamente usando jeans, camiseta e tênis até meados de abril, esperando que, desta vez, o debate a respeito dos trajes dos advogados não fique esquecido nos meses seguintes. Desejo ainda que o nosso honrado e batalhador presidente da OAB/RJ, Dr. Wadih Damous, inicie uma consulta pública em todas as subseções afim de que o terno e a gravata fiquem definitivamente abolidos nos Tribunais no Rio de Janeiro e não haja mais nenhuma determinação específica da OAB sobre como deve ser o traje do advogado.
Aguardando deferimento,
Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz
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