Cantada não só em igrejas, mas até mesmo em pagodes das festas seculares e dos botecos de esquina, a música “Como Zaqueu”, de Regis Danese, tornou-se tão popular em todo quanto algumas canções de Roberto Carlos. A melodia, sem dúvida, é envolvente e a letra muito fácil de aprender. Porém, nem todos meditam no significado das palavras da composição. Principalmente no trecho que diz “largo tudo pra te seguir”.
O Evangelho segundo Lucas, em seu capítulo 19, registra a passagem de Jesus pela cidade de Jericó, alguns dias antes de sua última Páscoa em Jerusalém. O texto conta que Zaqueu, o principal dos publicanos, em razão de sua baixa estatura, precisou subir numa árvore (um sicômoro) para poder avistar o Senhor. Jesus, atentando para aquele gesto simples de espontaneidade, ofereceu-se para hospedar na casa de Zaqueu, o que deixou muita gente da cidade perplexa.
Importante esclarecer que os publicanos eram considerados homens pecadores pelos religiosos da época. Eram os coletores de impostos do Império Romano e se enriqueciam através da extorsão e da cobrança em excesso, tal como fazem os fiscais corruptos na atualidade. Ou seja, estavam violando o oitavo mandamento que expressamente diz “não roubarás”.
Naqueles tempos, um rabino certamente apenas iria hospedar-se na casa de homens íntegros dentre os israelitas quando entrasse numa cidade para fazer suas pregações. Logo, era esperado que Jesus pernoitasse na residência do chefe da sinagoga local ou de um piedoso fariseu que fizesse constantes caridades ao povo, mas de modo algum debaixo do mesmo teto onde mora um publicano. Contudo, o convite de Jesus produziu em Zaqueu um sentimento de alegria, de maneira que ele rapidamente desceu da árvore e recebeu o Senhor.
O clímax de toda esta narrativa ocorre justamente no versículo 8 do capítulo 19 de Lucas, quando Zaqueu, chamando a Jesus de Senhor, dispôs dar aos pobres metade de seus bens e indenizar em quádruplo às pessoas que ele um dia lesou:
“Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais.”
Em seguida, declarou Jesus que, naquele dia, a salvação havia chegado à casa de Zaqueu, o que se verificou pela nova atitude assumida por aquele rico publicano, o qual, assim como os demais israelitas de Jericó, também era filho de Abraão e destinatário das mesmas promessas de perdão e de vida eterna.
A história de Zaqueu nos ensina que a conversão de alguém é evidenciada quando o convertido resolve produzir obras dignas de um arrependimento sincero. O publicano Zaqueu demonstrou que verdadeiramente estava se desapegando das riquezas e se encontrava disposto a reparar todos os erros causados quando resolveu indenizar a cada um que havia sido vítima dos seus roubos.
É verdade que, de acordo com a Lei de Moisés, a restituição em quádruplo era a pena para os crimes contra o patrimônio de alguém. Para uma ovelha furtada, o ladrão era obrigado a pagar o preço de quatro animais ao dono. Mas, no caso de Zaqueu, ele mesmo tornou o seu próprio juiz e, voluntariamente, resolveu reparar os males que causou às pessoas.
Embora não haja nenhum outro registro bíblico a respeito de Zaqueu (a tradição cristão de Eusébio de Cesareia diz que ele teria sido um dos quatro primeiros bispos de Jerusalém), fico imaginando os momentos quando aquele publicano arrependido se encontrou novamente as pessoas que um dia foram prejudicadas. Quantos relacionamentos perdidos que precisaram ser restaurados? E quanta coisa que Zaqueu não deve ter escutado?
Penso que talvez o mais difícil para um homem não seja dar metade de uma fortuna aos pobres, mas sim recuperar um relacionamento e, desta forma, lidar com uma ferida aberta na própria alma. Pedir perdão à ex-esposa pelas traições conjugais ou mesmo brigas do cotidiano que um levaram à ruína de um casamento, mesmo ciente da impossibilidade de que a situação retorne ao estado anterior, pode ser mais duro para o orgulho humano do que simplesmente assinar um cheque em benefício de um orfanato.
Todavia, a cura para muitos dramas interiores se passa pela tomada de atitudes que busquem a restauração de um relacionamento quebrado no passado. Pois, para o cristão aceitar o senhorio de Cristo sobre a sua vida significa estar disposto a obedecer seus mandamentos, mesmo tendo que enfrentar situações humilhantes ou desagradáveis, as quais depois de cumpridas, proporcionam uma sensação interna libertadora.
No romance “O caçador de pipas”, após Amir ter sido refém de sua própria covardia e ingratidão a ponto de tentar destruir o relacionamento de amizade de infância que tinha com Hassan, experimentou uma incrível mudança de caráter muitos anos depois, ao retornar para o país de origem a fim de resgatar Sohrab das garras do regime Talibã. Em sua jornada ao Afeganistão, mesmo após a morte de Hassan, Amir enfrentou perigos para salvar a vida do filho de seu amigo, o que se tornou a cura para o seu comportamento covarde nos tempos de criança.
Como Zaqueu e como o personagem Amir de Khaled Hosseini, também precisamos enfrentar certas situações traumáticas do passado afim de experimentarmos os deliciosos frutos de uma conversão pessoal a Deus. Tudo começa com uma reflexão íntima em que desejamos sinceramente mudar as nossas atitudes em relação à vida para que, daqui por diante, não só abandonemos o mau caminho como também trilhemos pelas veredas do bem. E foi isto o que o Senhor obteve de seu anfitrião, demonstrando que, verdadeiramente, o Rabino Jesus soube qual casa escolher para ficar hospedado em Jericó antes de sua entrada triunfal em Jerusalém.
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