"O que aconteceu ontem não é um fato isolado do contexto. (...) mas o contexto se iniciou lá atrás, quando o 'gabinete do ódio' começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o STF, principalmente contra a autonomia do Judiciário" (Alexandre de Moraes, ao comentar sobre as explosões de bombas contra o STF no episódio do dia 13/11/2024)
Durante a semana, fiquei perplexo com a notícia de que um advogado no norte fluminense apresentou uma petição com ataques racistas contra a juíza de Direito Dra. Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da 3ª vara Cível de Campos dos Goytacazes. Na peça, o autor escreveu que a magistrada seria uma "afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites", após ela haver indeferido um pedido por ele formulado em um processo.
Através da matéria no portal jurídico Migalhas (clique AQUI para ler), pude ter acesso ao teor da petição que alguém havia extraído dos autos no sistema do PJe em que verifiquei muitas outras palavras ofensivas que não são dignas de serem utilizadas no exercício da profissão. Algo realmente espantoso, mas que me fez refletir sobre o que anda ocorrendo hoje no nosso país, já que o episódio se deu numa ação que versa sobre mero direito sucessório.
Em uma passagem confusa, o autor da peça chegou a afirmar que a juíza pode basear seu julgamento "em déspota infiltrado por facção criminosa denominada PCC no Supremo Tribunal Federal", que somente servirá como "cobaia da Empresa NEURALINK como nos experimentos do Sr. Josef Mengele". E, ao refletir sobre esta parte, levando em conta o restante do texto, pude então supor que a expressão do referido advogado se assemelharia aos bolsonaristas radicais contrários à democracia que se alimentam de um ódio infundado contra os ministros da mais alta Corte do nosso país, vivendo eles numa realidade paralela, baseada puramente na crença em fake news.
A meu ver, esse advogado de Campos foi um tipo de lobo solitário que cometeu uma espécie de suicídio profissional, o que não foi muito diferente do homem-bomba vindo de Santa Catarina que, no dia 13/11/2024, detonou explosivos presos em seu corpo próximo à sede do STF. E que o distingue seria mais a violência restrita a uma agressão verbal enquanto os radicais de direita querem invadir prédios públicos e vandalizar monumentos junto com a destruição do patrimônio histórico-artístico, a exemplo do que assistimos no ataque à democracia do dia 8 de janeiro de 2023.
Como se sabe, basta a falta de polidez nos tribunais para que a conduta de qualquer operador do Direito (e até mesmo da parte) se torne indevida. Isto porque, no ambiente jurídico, é importante usar de uma comunicação que busque atenuar conflitos e, com isso, fortalecer a própria argumentação. Daí entendo o posicionamento do presidente da OAB nacional, Dr. Beto Simonetti:
"Atitudes que desrespeitam a magistratura, servidores e qualquer pessoa são incompatíveis com os valores que norteiam a profissão e não condizem com a conduta esperada de advogados e advogadas. Portanto, a OAB confia na rigorosa apuração dos fatos e reforça que condutas contrárias à ética e ao decoro profissional devem ser tratadas com a seriedade que o caso exige"
Entretanto, estamos vivendo um momento muito preocupante em que, há anos, os líderes da extrema direita vêm instigando comportamentos disruptivos, em que a quebra da disciplina, através de uma agitação perturbadora, vem sendo imitada pelos seguidores. Daí eu ter uma forte suspeita de que esse advogado do processo em Campos deva ser até um bolsonarista.
Provavelmente a suspensão preventiva das atividades do advogado será acatada pelo Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Seccional da OAB no Rio de Janeiro e acredito que a cassação do seu registro profissional, ao final do processo disciplinar, deverá ser acolhida. Contudo, temo que o episódio possa estimular outros a agirem de modo semelhante dentro e fora da advocacia, inclusive delirando a ponto de acharem que estariam vivendo numa ditadura do STF e, por isso, precisariam lutar contra um sistema de corrupção da esquerda.
Desse modo, considerando que o discurso do ódio foi iniciado desde 2018 contra as instituições democráticas, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro defendeu fechar STF com "um soldado e um cabo", torna-se indispensável que o ex-presidente seja julgado e condenado com os rigores da Lei. E, por isso, nada de anistia para golpistas.
Já o advogado de Campos, seu caso precisa ser investigado também nesse contexto que o país atravessa hoje e não apenas como uma ruptura da ética e do decoro profissional. Daí concluo que o TED precisa fazer um estudo mais aprofundado acerca das motivações do autor do fato e tentar estabelecer uma ligação do seu comportamento com o bolsonarismo.
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