Por ser calorento e morar numa região quente do litoral há 12 anos, raríssimas vezes desejei ver o fim do inverno. Porém, toda regra tem a sua exceção...
Em nosso país, em que são poucos os lugares onde possa esporadicamente nevar, pode-se dizer que a maior adversidade da natureza não seria a água em seu estado sólido e sim o fogo. E, em muitos locais, os incêndios vão consumindo a natureza perto de si e tornam o ar até pesado de se respirar.
Cá no litoral fluminense, entretanto, as chuvas tropicais sempre amenizaram tanto o frio quanto a secura. Pois, se no Centro-Oeste (e mesmo em muitas regiões do Sudeste) as pessoas ficam até meses seguidos sem a chuva, aqui ela cai com maior frequência, mesmo numa proporção menor, conforme a época.
Pois bem. O inverno de 2024 está sendo extremo até para nós, no sentido brasileiro de ser. Além da escassez de água que enfrentamos em Mangaratiba, agora o Município está sendo devorado pelo fogo como nunca antes eu vi (ou não me recordo de ter visto).
Segundo vem sendo noticiado e tenho observado, os incêndios não apenas atingiram a parte serrana do nosso território, onde ficam as matas e as nascentes d'água, como também as ilhas, mais precisamente a de Jaguanum.
A Serra do Piloto é de onde vem o Rio do Saco, principal fonte de abastecimento da cidade, embora não abasteça o meu distrito de Muriqui que possui suas próprias fontes. Na região, temos também o Parque Estadual do Cunhambebe e o histórico quilombo das fazendas de Santa Justina e de Santa Izabel, em que ambos foram impactados.
Em relação a Jaguanum, não temos lá nenhuma nascente expressiva de água. Para apagar o fogo, só usando a água do mar e as casas das famílias de pescadores estão espremidas entre a praia e uma floresta em chamas.
Além desses lugares, há outros focos de queimadas no Município e um deles foi justamente perto da cidade, no Parque Municipal da Pedra do Urubu, o que abrange as localidades de Ibicuí, Bela Vista e Junqueira, todas no 1° Distrito.
Segundo a meteorologia, essa condição de tempo seco e quente, com temperaturas atípicas capazes de alcançar os 40°C durante a tarde, poderá continuar até o fim de setembro. Ou seja, ainda vamos entrar na Primavera com essa adversidade, enquanto, em outros anos, as chuvas já estariam vindo com alguma regularidade.
Obviamente que as mudanças climáticas explicam o que anda acontecendo aqui e no mundo. Só um negacionista estúpido, um possível eleitor de políticos como Trump e Bolsonaro, é que pode querer normalizar uma realidade tão devastadora.
Em breve essa onda deve passar e não sabemos qual será a próxima instabilidade que enfrentaremos. Talvez serão as chuvas fortes de verão que causam perigosas enchentes com deslizamentos de terra, porém temo que as pessoas tornarão a se alienar preferindo se ocupar com as fofocas do WhatsApp, os jogos do campeonato de futebol e as pregações pseudo-religiosas dos "evangelistas da prosperidade", ou que conformam seus fiéis com a ideia de estarmos vivendo perto do fim do mundo sem que nada possa ser feito.
Com todo respeito às crenças de cada um, jamais o ser humano pode buscar motivos religiosos para justificar a sua omissão quanto às urgentes questões ambientais. Mesmo quando se acredita numa literal volta de Jesus que vá arrebatar os crentes para viverem depois numa nova Terra depois do fogo destruir esta obra prima do Universo, o que não é unanimidade na teologia cristã, ainda assim o restaria ao homem o seu dever de mordomia quanto ao planeta concedido pelo Criador para cuidarmos da natureza com racionalidade.
Que venha logo a Primavera trazendo não só as chuvas como também lucidez e consciência para as nossas mentes. Afinal, chegou a hora de despertarmos de tanta ignorância, imediatismo e acomodação em que os interesses de uma minoria privilegiada jamais pode se sobrepor aos demais ou à natureza.
Ótimo sábado, pessoal, apesar da crise climática!
OBS: Primeira e terceira imagens referem-se a fotos que circulam nas redes sociais enquanto a segunda foi divulgadas pela TV Jaguanum.