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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O direito de propriedade e a Resolução 414/2010 da ANEEL



Apesar das alterações que, no decorrer do tempo, foram feitas no art. 44 da Resolução Normativa n.º 414/2010 da ANEEL, a sociedade brasileira ainda enfrenta conflitos quanto ao direito de propriedade causado pelas concessionárias de distribuição e fornecimento de energia elétrica em razão da instalação irregular de postes, passagem de fios de alta tensão aérea ou equipamentos sobre os imóveis urbanos, situações essas que impossibilitam o pleno uso da propriedade, como a expansão vertical do imóvel. Senão vejamos o que dizem os dispositivos desta norma infra-legal da agência reguladora do governo federal:

"Art. 44. O interessado, individualmente ou em conjunto, e a Administração Pública Direta ou Indireta, são responsáveis pelo custeio das obras realizadas a seu pedido nos seguintes casos: (Redação dada pela REN ANEEL 742 de 16.11.2016)

I – extensão de rede de reserva; 

II - melhoria de qualidade ou continuidade do fornecimento em níveis superiores aos fixados pela ANEEL ou em condições especiais não exigidas pelas disposições regulamentares vigentes; (Redação dada pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)

III – melhoria de aspectos estéticos;

IV – empreendimentos habitacionais para fins urbanos, observado o disposto na Seção XIII deste Capítulo; (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)

V - infraestrutura básica das redes de distribuição de energia elétrica internas aos empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras, observado o disposto na Seção XIII deste Capítulo; (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)

VI – fornecimento provisório, conforme disposto no art. 52; e (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)

VII - deslocamento ou remoção de poste e rede, nos termos do art. 102; (Redação dada pela REN ANEEL 742 de 16.11.2016)

VIII - implantação de rede subterrânea em casos de extensão de rede nova, observando-se o disposto nos arts. 40 a 43; (Redação dada pela REN ANEEL 742 de 16.11.2016)

IX – conversão de rede aérea existente em rede subterrânea, incluindo as adaptações necessárias nas unidades consumidoras afetadas; e; (Incluído pela REN ANEEL 742 de 16.11.2016)

X - mudança do nível de tensão ou da localização do ponto de entrega sem que haja aumento do montante de uso do sistema de distribuição; (Redação dada pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)

XI - outras que lhe sejam atribuíveis, em conformidade com as disposições regulamentares vigentes. (Incluído pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)

§ 1º Nos casos de que trata este artigo, devem ser incluídos todos os custos referentes à ampliação de capacidade ou reforma de subestações, alimentadores e linhas já existentes, quando necessárias ao atendimento do pedido, ressalvadas as exceções previstas nesta Resolução. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)

§ 2o O atendimento de pedido nas condições previstas neste artigo depende da verificação, pela distribuidora, da conveniência técnica para sua efetivação.

§ 3º - A distribuidora deve dispor, em até 90 após a solicitação, de normas técnicas próprias para viabilização das obras a que se referem os incisos VIII e IX. (Incluído pela REN ANEEL 742 de 16.11.2016)"

Como se sabe, o direito de propriedade encontra-se protegido pela Constituição brasileira de 1988, devidamente exposto no artigo 5ª, caput, e inciso XXII, bem como previsto no art. 1.228 do Código Civil de 2002, o que faculta ao proprietário o pleno direito de uso e gozo de seus frutos. Só que, ainda assim, baseando-se na referida Resolução da ANEEL, as concessionárias querem impor ao proprietário um pagamento pela remoção de postes, fios de alta tensão ou equipamentos intrusos em sua propriedade ou que obstem no uso pleno da mesma. Por exemplo, não é incomum observarmos nos grandes centros urbanos (e até em cidades pequenas) postes de energia elétrica impedindo a construção de garagens, por impossibilitarem a entrada e saída de veículos dos imóveis, bem como os fios de alta tensão elétrica passarem por cima de imóveis, prejudicando o proprietário quanto à expansão vertical de seu imóvel, fatos esses que levam muitas pessoas a ingressarem com ações judiciais.

Ora, se melhor refletirmos a respeito, nada mais justo que as despesas quanto às providências em relação às instalações que obstam o uso do imóvel residencial serem suportadas pela concessionária. E, como bem expôs uma magistrada do Tribunal gaúcho, non julgamento de um recurso, o fato de haver uma servidão administrativa sobre um imóvel "se trata de sacrifício ao direito de propriedade em prol da coletividade" (Des. Maria Isabel de Azevedo Souza - Presidente - Apelação Cível nº 70050107861, Comarca de São Borja. Porto Alegre, 18 de outubro de 2012).

Igualmente, no Tribunal fluminense, encontramos decisões favoráveis ao proprietário:

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. INSTALAÇÃO DE UM POSTE EM FRENTE À GARAGEM DA RESIDÊNCIA DO AUTOR, IMPEDINDO O ACESSO DE VEÍCULOS. INDEVIDA RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO. - Cuida-se de ação de obrigação de fazer, pretendendo o autor seja a ré compelida a remover um poste de energia elétrica instalada em frente à garagem de sua residência, o que impede o acesso de veículos. - Devidamente comprovada a instalação do poste de sustentação da rede elétrica ré na calçada em frente ao imóvel do autor, claramente impedindo o acesso de veículos ao portão de garagem. - Propriedade é um direito fundamental garantido constitucionalmente. Artigo 5º, XXII, da Constituição da República. - É certo que a Carta Maior (inciso XXIII, do artigo 5º), bem como o Código Civil de 2002 (§§ 1º e 2º do artigo 1.228) limitam o direito de propriedade pelo cumprimento da função social, podendo haver limitações tanto no âmbito civil, quanto no administrativo. - Ausência de prova no sentido de que o poste foi instalado anteriormente à construção da garagem, bem como que seria essencial a sua manutenção para a continuidade do abastecimento de energia elétrica. Ônus que incumba a parte ré. Artigo 373, II, do CPC/2015. - Situação que configura indevida restrição ao direito de propriedade, retirando do autor o direito de uso do imóvel de forma regular. - Apesar da alegação da parte ré, inexiste prova nos autos de que o poste tenha sido instalado antes da construção da garagem por parte do autor. Ônus que incumbia à apelante. - Exigência de que o autor tenha que comprovar o licenciamento de sua obra que se revela descabida. A princípio, presume-se tenha sido a mesma feita de forma regular e caberia à ré a comprovação do contrário. - Impossibilidade de ser imposto, como quer a ré, ao autor o ônus da remoção do poste, ainda mais porque não comprovou que a construção da garagem do autor tenha se dado irregularmente. - Autor que pretende a cessação de verdadeira turbação à sua posse, acrescentando-se que não restou comprovado que a mudança traria qualquer prejuízo ao fornecimento de energia elétrica na região, ainda mais porque o poste pode ser realocado. - Prazo de 15 dias concedido na sentença para a remoção do poste que se revela razoável, devendo ser levando em consideração que a ré desde o dia julho de 2016, possui ciência inequívoca da pretensão do autor, a qual foi exposta em sede administrativa. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO." (0065520-37.2016.8.19.0002 - APELAÇÃO - 1ª Ementa - Des(a). MARIA HELENA PINTO MACHADO - Julgamento: 06/02/2019 - QUARTA CÂMARA CÍVEL)

"Direito do Consumidor e Direito Civil. Fornecimento de serviço de energia elétrica. Direito de Propriedade. Parte autora alega que a concessionária ré instalou poste de energia em local irregular, obstruindo a passagem de pedestres na calçada e o ingresso de veículos em seu imóvel caso queira construir uma garagem. Parte ré que sustenta a inexistência de dano, tendo em vista que o autor não possui garagem no local. Sentença de procedência que se mantém, tendo em vista o direito do autor de manter livre o acesso à sua propriedade, bem como seu direito a construir portão de garagem, devendo a concessionária reconstruir o poste em local apropriado. Recurso desprovido, fixando-se verba honorária da fase recursal em 3% do valor da causa, nos termos do §11 do artigo 85 do CPC/15" (0059528-38.2016.8.19.0021 - APELAÇÃO - 1ª Ementa - Des(a). MARCO ANTÔNIO IBRAHIM - Julgamento: 05/12/2018 - QUARTA CÂMARA CÍVEL)

"DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. LIGHT. PRETENSÃO CONDENATÓRIA EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM COMPENSATÓRIA DE DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA RÉ, VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO JULGADO. 1) Cinge-se a controvérsia acerca da alegada instalação de poste na calçada da casa da Autora, o que a impediria de abrir um portão de acesso de garagem. 2) Em sua defesa, a concessionária Ré sustentou que poste está instalado em área de domínio público (calçada), com o afastamento mínimo exigido pelas normas técnicas relativas ao tema. 3) O bem elaborado laudo pericial, produzido nos autos sob o crivo do contraditório, concluiu que "no espaço em que a equipe da concessionária enterrou o poste de concreto e que corresponde à área de domínio público (calçada), corresponde também a testada do terreno da AUTORA, pela qual se tem acesso a sua residência (vide foto nº 07 e croqui de situação anterior e posterior à instalação do poste)." 4) E, ainda, em resposta aos 2º e 3º quesitos da parte Autora, o i. perito esclareceu que, em caso de ampliação de acesso a veículos, haveria necessidade de deslocamento do poste, bem assim que este, no local em que se encontra atualmente, dificultaria a manobra e a passagem de veículos. Por fim, em resposta ao 4º quesito, que seria viável a instalação do poste em outro local. 5) Neste sentido, tem-se que a concessionária ré não foi capaz de produzir prova impeditiva, modificativa ou mesmo extintiva do direito alegado pela Autora, tampouco de caracterizar excludente de sua responsabilidade na forma de uma das hipóteses elencadas no § 3º do artigo 14 da Lei nº 8.078/90. 6) Verba compensatória (R$ 2.000,00) adequada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem olvidar a natureza punitivo-pedagógica da condenação. Incidência do verbete nº 343, da súmula da jurisprudência deste e. Tribunal de Justiça. 7) RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM AMPARO NA REGRA DO ARTIGO 932, IV, "a", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL" (0021632-32.2011.8.19.0054 - APELAÇÃO - 1ª Ementa - Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO - Julgamento: 03/10/2018 - VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL) 

Pois bem. Embora a jurisprudência muitas das vezes entenda pela responsabilidade da concessionária de energia em arcar com os custos da remoção de poste que provoca restrições a disposição do uso pelo proprietário do imóvel prejudicado, deve ser considerado que, enquanto os termos do artigo 44 da Resolução da ANEEL estiverem vigorando, inúmeros consumidores precisarão ingressar com ações judiciais a fim de defenderem seus direitos, não podendo se socorrer satisfatoriamente da agência reguladora. Logo, torna-se necessário que o Ministério Público Federal (MPF) adote as medidas necessárias a fim de resolver a situação.

Sendo assim, estou encaminhando uma solicitação à Ouvidoria do MPF, registrada sob o n.º 20190072860, a fim de que, pela adoção das as medidas necessárias, sejam resolvidos os problemas normativos causados pela Res. n.º 414/2010 da ANEEL que provocam conflitos quanto ao direito de propriedade causado pelas concessionárias de distribuição e fornecimento de energia elétrica em razão da instalação irregular de postes, passagem de fios de alta tensão aérea ou equipamentos sobre os imóveis urbanos. E, inclusive, se necessário for, desejo que o Parquet federal busque uma decisão judicial para suspender os dispositivos das normas da autarquia contrários aos interesses das coletividades.

Ótima quinta-feira a todos! 

OBS: Imagem acima extraída de https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=264382

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