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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O sindicalismo brasileiro há uns 100 anos atrás



Por esses dias, eu estava refletindo sobre como era o movimento sindical brasileiro do início do século XX e fiz um breve comparativo com a atual realidade que foi se configurando a partir da década de 90. Então me veio à memória uma minissérie brasileira exibida pela Rede Globo em maio de 1984 chamada Anarquistas, Graças a Deus, a qual foi ao ar quando eu tinha apenas 8 anos de idade.

Escrita pelo cineasta Walter George Durst, a trama foi uma adaptação do romance autobiográfico de Zélia Gattai, escrito em 1979. Tal obra traz reminiscências do país nos anos 10 e 20 do século XX juntamente com histórias da infância da autora, a qual nasceu numa família de imigrantes italianos que se estabeleceu num reduto anarquista que havia na cidade de São Paulo.

Confesso que, na época da minissérie, eu pouco me interessei pelo que a TV nos mostrou. Porém, anos mais tarde, quando já era um estudante secundarista (ensino médio), comecei a entender como se desenvolveu o movimento operário nas primeiras décadas da República brasileira, o qual foi muito intenso em São Paulo e nos estados do Sul, graças a dois fatores importantes: a industrialização e a imigração italiana. Principalmente por causa da influência européia uma vez que a mão-de-obra importada já havia conquistado alguns direitos no país de origem ainda não reconhecidos no Brasil.

Fato é que, há um século atrás, as condições de trabalho aqui eram péssimas. Os salários eram baixíssimos, a jornada laboral chegava a ser de até 16 horas diárias, além da exploração de mulheres e de crianças. Aliás, esse trecho do livro citado revela um pouco das dificuldades vividas pelas famílias operárias:

"Os temores de dona Angelina tinham uma explicação: sempre levara uma vida de apertos; casara-se muito jovem, quase uma criança, apenas completara quinze anos e o noivo dezoito. O salário do inexperiente marido, empregado na oficina de seu pai, na Rua Barão de Itapetininga  (oficina de consertos de bicicletas, armas de fogo, máquinas de costura etc., não era suficiente para o sustento da casa. Embora contra a vontade ele permitiu que sua mulher, após o casamento, continuasse na fábrica de tecidos, no Brás, onde trabalhava desde a idade de nove anos, ajudando nas despesas do lar paterno. Mesmo assim, com os dois parcos ordenados, levavam vida de sacrifícios. Com os dois reduzidos salários viviam três pessoas, pois tia Dina, irmã mais nova de papai, passaria a morar com os recém-casados. Órfã de mãe desde pequena, Dina aprendera a ter responsabilidades, esperta como ela só, cozinhando e cuidando da casa."

Ora, foi nesse contexto que surgiram no Brasil as primeiras greves juntamente com comícios e passeatas de rua, as quais buscavam atrair a simpatia da população para as reivindicações trabalhistas. Nos anos 10, em São Paulo, os manifestantes organizavam longas marchas vindas de bairros distantes da cidade até à Praça da Sé, no Centro, ou ao Largo da Concórdia, no Brás, contando com o apoio de todas as categorias profissionais. Calcula-se que, em 1920, para um número de 500.000 operários no país, havia cerca de mil sindicatos.

Para reprimir esse notável espírito de luta e de organização dos trabalhadores, os governantes tratavam os movimentos sociais como "questão de polícia", de modo que a greve chegou a ser criminalizada. Líderes sindicais eram presos e muitos foram expulsos do país. Inclusive a legislação vigente previa essa possibilidade que hoje a Constituição de 1988 de modo algum permitiria.

Pode-se dizer que, na década de 30, os trabalhadores alcançaram importantes vitórias com o governo de Getúlio Vargas, o qual criou o Ministério do Trabalho e regulamentou, por decreto, a sindicalização das classes patronais e operárias, as quais passaram a ter caráter paraestatal. Surgiram também, nesse importante momento histórico, as leis trabalhistas e os institutos de previdência social. 

Verdade é que, nos últimos 30 anos, o sindicalismo brasileiro não mais demonstrou tanta força como nos tempos no anarcossindicalismo. Tivemos no ano passado uma reforma trabalhista que suprimiu vários direitos conquistados, porém não houve uma mobilização no país capaz de se opor influentemente aos retrocessos engendrados por Michel Temer.

Como explicar esse enfraquecimento do movimento sindical em plena democracia? Afinal, o que foi que aconteceu com os trabalhadores brasileiros?

Ora, é inegável que, nas últimas décadas, ainda no final do século XX, desapareceu a figura do antigo operário de fábrica, sendo certo que as unidades industriais, devido ao uso cada vez maior da tecnologia, têm necessitado menos de mão-de-obra. E essa relação inversamente proporcional, por gerar desemprego em massa, fez com que o sindicalismo se esvaziasse em face do risco de demissão. Em outras palavras, se o trabalhador se sente insatisfeito com o salário que recebe, há muitos por aí aguardando ser contratados pelas empresas.

Todavia, não foi só isso que aconteceu! Pois também houve um distanciamento dos sindicatos dos trabalhadores de maneira que a contribuição obrigatória, a qual até março de 2017 era descontada de todos os representados de uma categoria (mesmo sem estarem filiados ao órgão de classe), gerou uma acomodação de muitos dirigentes sindicais. Isto porque, ao invés de prestarem um bom serviço para ganharem mais associados, essas instituições simplesmente poderiam se manter com a arrecadação do tributo anualmente recolhido.

Talvez o fim do chamado "imposto sindical" tenha sido o único ponto verdadeiramente positivo da reforma trabalhista de Temer e creio que as adversidades políticas previstas nos próximos anos acabarão favorecendo a luta dos trabalhadores. Aliás, como se sabe, os bons desafios fazem bem a todos e aí vejo que, mesmo com a eleição do direitista Jair Bolsonaro, os movimentos dos sociais poderão novamente se fortalecer no país devido à necessidade de enfrentamento de uma pauta conservadora.

Não podemos esquecer que muitas das coisas que hoje temos na vida, a exemplo da saúde de nossos corpos, só passamos a valorizar quando as perdemos. E, neste sentido, a consciência da retirada de direitos fará com que o trabalhador outra vez se posicione e vá às ruas lutar pela sua dignidade e sobrevivência. Nem que seja através de um grande movimento de desempregados!

Mesmo que ninguém tome banho por duas vezes no mesmo rio, como bem disse o filósofo Heráclito de Éfeso, penso que as sementes plantadas há cem anos atrás pelo anarcossindicalismo não morreram. Pois a essência de toda aquela luta (os ideias libertários) sempre há de reviver diante de qualquer opressão que se levantar.

Ótima segunda-feira a todos! 

OBS: A foto acima refere-se à greve de 1917, movimento este que paralisou São Paulo durante um mês.

10 comentários:

  1. Olá, Rodrigo!

    Mto grata por sua visita e comentário tão completo em meu blog.

    Li seu excelente (você escreve mto bem, tanto no aspeto gramatical, qto na exposição de ideias. Já te tinha dito isso há uns tempinhos e "atrás", aqui e em qualquer texto não é preciso para nada, pke não há tempo(s) atrás. É um pleonasmo pequenino, que mto boa gente e culta usa sem notar. Sorry!) texto e embora desconhecendo a História do Sindicalismo Brasileiro, que você aqui resumiu de forma perfeita, conheço, razoavelmente, a portuguesa, que teve avanços e recuos, tal como a vossa. Tivemos governos, que entabularam boa conversação com os sindicatos, outros, não e outros, ainda, k os reprimiram, tal como aí.

    Não sou, nem nunca quis ser sindicalizada, pke, qdo há problemas pra resolver, eu vou diretamente aos locais e lá "boto faladura" -rs e pronto, mais tarde ou mais cedo, as coisas se resolvem. Quase toda a gente trabalhadora em Portugal é sindicalizada e descontam 2% mensalmente do ordenado para o sindicato. O sindicato k mais cobra está afeto ao Partido Comunista Português. Incongruências!

    Sei k muitos conseguem mais k um ou dois, mas tudo depende do contexto e da pessoa, que se dirige aos respetivos serviços. Uma pessoa com a instrução primária, provavelmente, não saberá se exprimir como você e eu.

    Naturalmente, que a História não se repete nos mesmos moldes e os sindicatos vieram pra ficar. No governo de Bolsonaro, penso k continuarão a existir e k os trabalhadores, de forma ordeira, poderão se manifestar e dizer o k pretendem.

    Beijos e uma excelente primavera. Aqui, está frio, embora hoje tivéssemos sol.

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    1. Boa noite, CEU

      Eu é que tenho a agradecer por sua visita e por tão amplos comentários que costuma fazer enriquecendo a troca de ideias nessas interações informais.

      Apesar de ter escrito antes, eu nunca havia parado para prestar a atenção no pleonasmo. Porém, culpo aqui o saudoso Raul Seixas que me induziu ao erro com a sua popular música "Eu nasci há dez mil anos atrás" rsrsrs

      Longe de ser um texto científico, procurei escrever algumas linhas sobre a história do sindicalismo para analisar com o que acontece hoje em dia.

      Também não sou sindicalizado, embora eu não seja empregado e preste serviços jurídicos como autônomo a uma entidade sindical que representa os servidores públicos aqui do Município onde moro. Porém, como todo profissional da minha área, sou obrigado a manter-me inscrito na nossa Ordem dos Advogados, a qual não é considerada uma associação e sim uma espécie de autarquia profissional vinculada à União Federal.

      O que resumiu sobre as relações entre os governos e os sindicatos em seu país têm a ver com a nossa História também. Pois, nos regimes mais autoritários, houve tanto um distanciamento quanto uma repressão ao sindicato, senão uma manipulação como houve na ditadura do Estado Novo de viés fascista.

      Mas sobre o fato de dizer que quase todos os trabalhadores em seu país são sindicalizados, tal fato não ocorre pois apenas uma minoria se associa. Aliás, os nossos sindicatos podem ser hoje considerados fracos se comparados ao que foram há cem anos. Ou mesmo até a década de 80.

      Em relação às ligações partidárias dos sindicatos, aqui temos várias centrais. Algumas são próximas de partidos de esquerda enquanto outras não.Mas eu, contudo, embora esteja filiado a um partido de centro, preferiria estar representado por um sindicato de esquerda porque acredito que lutaria com mais determinação pelos meus direitos, opondo-se com firmeza às pressões do mercado.

      No governo Bolsonaro, não acho que ele irá impedir as manifestações, mas existe o risco de que o Legislativo daqui aprove leis criminalizando determinadas condutas nos protestos. E ainda que os sindicatos tenham o direito de expressão garantido por Lei (e pela Constituição), fico na dúvida se o presidente eleito saberá ouvi-los de maneira maleável como se espera.

      Mais uma vez agradeço sua participação e lhe desejo gostosos dias de outono curtindo esse friozinho das últimas semanas antes do Natal que é muito bom.

      Beijos.

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    2. Bom dia, Rodrigo!

      Continue dormindo mais Núbia e não se incomode, que eu prometo não fazer barulho -rs.

      Eu vou "falar" com o "louco"/lúcido de Raul Seixas -rsrsrs.

      Li e refleti sobre sua resposta acima e estou de acordo, em geral, com suas opiniões. Não esqueçamos que os sindicatos surgiram após a Revolução Industrial em Inglaterra, revolução essa k abriu portas ao capitalismo e ao proletariado, tb. Os trabalhadores se uniram para defesa dos seus interesses, devido à exploração de k estavam sendo vítimas e surgiram os sindicatos. Na época e nas décadas seguintes o sindicalismo foi mto forte, mas, como você bem disse, ele tem vindo a perder força e "adeptos".

      Os sindicatos têm suas estratégias, convergências e divergências, mas eu se fosse sindicalizada preferiria ser representada por um sindicato de centro direita. A CGTP, central representativa da maioria os trabalhadores portugueses está afeta ao Partido Comunista, como lhe disse anteriormente, e as greves de há uns meses a essa parte têm sido diárias. Toda a gente faz greve, excetuando eu -rs, e na saúde, por exemplo, e como os enfermeiros genéricos e os de bloco operatório estão de greve, 600 cirurgias diárias se estão perdendo no país inteiro. Quem governa Portugal é um conjunto de partidos de esquerda, sendo o Partido Socialista, o maior, Partido Comunista, tb, Bloco de Esquerda e mais o Partido dos Animais, isso pra conseguirem que a direita, que ganhou as eleições sem maioria absoluta não governasse o país. Enfim, a direita precisa se reforçar, pke, creio que nas próximas eleições ela será necessária para "arrumar a casa".

      "Tô" totalmente em desacordo com você qto ao frio, friozinho como você lhe chama, tão carinhosamente, em meu país. Hoje está mesmo frio e uma ténue neblina cobre Lisboa, pelo menos. De vez em qdo, o sol espreita, mas depois deve ir até aí e fica papeando -rs. Venha pra cá, que eu vou para aí. Aceita a troca -rs?

      Beijos pra vocês, um enorme abraço e um dia mto feliz.

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    3. Bom dia CEU (aí já é boa tarde)

      Creio que um dos motivos de não apoiar a direita no movimento sindical daqui seja mais pela falta de confiança quanto a defesa dos interesses da categoria dos trabalhadores pois acabam se curvando aos patrões e buscando interesses próprios. Já a esquerda, dentro do movimento sindical, teria mais compromisso com as causas do trabalhador ainda que muitas das vezes se feche dentro de seus conceitos ortodoxos.

      Ótimo final de semana pra você.

      Beijos.

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  2. Em Portugal só existe sindicalismo desde 1974. Antes era um "sindicalismo" do estado,( dizem as pessoas mais velhas)
    .
    Desejando uma boa noite.

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    1. Olá, Nuno.

      Realmente esse "sindicalismo" em seu país até 1974 tem uma grande semelhança com o que houve na época do nosso Estado Novo, quando o Brasil viveu debaixo de uma ditadura de viés fascista tal como outros países também passaram. Se bem que foi com o histórico presidente Getúlio Vargas que, mesmo simpatizante de ideias fascistas, os trabalhadores brasileiros alcançaram notáveis conquistas.

      Ótima noite pra você e tudo de bom.

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  3. Que novas chamas se acendam e façam despertar o anarcosindicalismo brasileiro que se encontra adormecido. Precisamos torcer e agir para isso acontecer.
    Uma excelente noite para o amigo!

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    1. Caro Prof. Adinalzir.

      Também gostaria que os ideais do anarcossindicalismo hoje despertassem pois não podemos de maneira alguma matar a utopia que há em nós.

      Excelente noite pra você também. Forte abraço.

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  4. Só me lembro do sindicalismo desde o 25 de Abril de 1974, mas eu era pekenininha!:)


    Bjocas ;)
    Espero-vos aqui:- És Rei e Senhor, de todos os meus delírios.

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    1. Em abril de 1974, ainda faltariam dois anos para eu nascer. Sem dúvida, esse foi um momento importante na História de seu país e que derrubou o Estado Novo português. Aqui, embora o Estado Novo tivesse acabado em 1945, eis que o Brasil vivia debaixo de um autoritário regime militar e que havia se tornado uma ditadura desde dezembro de 1968. Somente dez anos depois da Revolução dos Cravos no seu país que a população daqui foi às ruas clamar por democracia num movimento chamado "Diretas Já". Neste eu já tinha meus oito anos e me recordo tão somente das imagens das manifestações que a TV mostravam.

      Beijos e obrigado pela visita que retribuirei com muito gosto.

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