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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Graça para superar as reações negativas



Se fôssemos aplicar qualquer teologia moral de causa e efeito à trágica realidade humana, que mal teria feito a primeira vítima do Universo para ser violentada? 

Faço essa pergunta a todas as religiões, mesmo aos que defendem a ideia da reencarnação. E, refletindo a respeito, lembro aqui da conhecida história bíblica de Caim e Abel, a qual, independentemente de você acreditar ou não como um fato histórico, peço que ao menos considere-a em seu aspecto mítico. Ou seja, entenda o personagem Abel como o símbolo dessa primeira vítima universal.

Pois bem. A narrativa de Gênesis nos fala que, antes do Caim matar o seu irmão, Deus o advertiu preventivamente. O desejo maligno do homem precisava ser dominado por ele, coisa que este personagem recusou a fazer, como se lê neste trecho a seguir citado: 

"O Senhor disse a Caim: 'Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo'." (Gênesis 4:6-7; NVI)

Por sua vez, o capítulo anterior do livro bíblico em questão mostrou os pais de Caim e Abel decidindo por si mesmos tornarem-se conhecedores do bem e do mal. E, quanto a isto, não quero afirmar que os filhos pagarão pelos pecados de seus genitores, no sentido de responderem moralmente por eles. Porém, quero chamar a atenção quanto à escolha da humanidade em trilhar por sua conta e risco o próprio caminho que considera melhor segundo seus interesses, estabelecendo por esta ótica o que seria certo e errado sem querer compreender o amplo sentido da vida dado pelo Grande Arquiteto do Universo.

A meu ver, se o princípio da ação e reação se aplica à realidade, ele passa a operar depois que resolvemos agir por nossa própria conta e risco como fez o Caim, na certa supondo que se tornaria mais agradável a Deus eliminando o irmão da face da Terra. Em outros palavras, a humanidade errante criou uma espécie de "karma coletivo" quando decidiu cada qual intervir do seu jeitinho na história ao invés de obedecer a voz de Deus.

Considero, amigos, que quanto mais tentamos reparar as coisas, também ficamos expostos a complicá-las ainda mais. Não que seja incorreto compensar a quem um dia prejudicamos (ou a quem terceiros violentaram). Muito pelo contrário! Só que não devemos alimentar a ilusão de que o mundo irá equilibrar-se de uma maneira perfeita visto que, de nossa atitude reparadora, danos também poderão surgir. Logo, o processo de regeneração do ambiente social planetário mostra-se como algo longo e para muitas gerações.

O fato é que viver aqui é se colocar em movimento permanente e, por sua vez, agir é causar resultados impactantes que poderão ser benéficos ou maléficos. Por mais que tentemos alcançar o bem, vamos falhar na condução dos nossos atos e os erros exigirão futuras reparações. Contudo, temos que ser corajosos e enfrentar os desafios que vão se apresentando em nossa frente.

Enfim, creio que o homem não salvará a si mesmo pelo esforço que empreende. Porém, ele pode em sua caminhada rumo à justiça descansar no incondicional amor divino. Daí conclui-se que a graça é capaz de superar a causa e efeito sendo perceptível a generosidade da vida em preservar a nossa existência essencial mesmo depois do pior erro cometido. E, se ganhamos uma nova chance é para aprendermos a ser felizes.

Entendo que ninguém vem ao mundo para sofrer. Se existe o sofrimento é por nossa causa ainda que acidentes ocorram também sem a ação do homem. E, se pensarmos bem, o mundo poderia ser quase um paraíso caso amássemos de verdade o nosso próximo como a nós mesmos. E, desta maneira, superaríamos juntos as dificuldades externas e ambientais, bem como as consequências dos atos das gerações passadas (e presentes), caminhando rumo a um futuro melhor.

Lembro insistentemente que não chegaremos à perfeição. Contudo, é pela aplicação do princípio maior da Lei Divina (o AMOR) que iremos contribuir para que se chegue a nós o Reino do Pai Celestial. Aliás, podemos fazer da Terra um pedaço do céu e gerarmos novos efeitos que, por sua vez, produzirão resultados positivos.

Que possamos receber graciosamente o perdão e o amor de Deus. E que, com essa graça de dimensões infinitas, perdoemos o nosso próximo construindo novas relações amorosas.

Uma ótima tarde a todos!


OBS: Ilustração acima extraída de http://www.jcnaveia.com.br/wp-content/uploads/2013/06/A%C3%A7%C3%A3o-e-rea%C3%A7%C3%A3o.jpg

4 comentários:

  1. Amigo, a pergunta que eu deixo dada a importância, força e mistério do livro do gêneses é: O que a covardia perpetrada por Caim nos revela? Realçando que é a primeira passagem importante abordando o homem fora do paraíso. A covardia seria o erro do homem no mundo, assim como pecado original foi o erro no paraíso?!

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    1. Olá Gabriel,

      Entendo que o pecado no Paraíso nos mostra o erro da própria humanidade que sendo ainda imatura não consegue se conduzir e faz escolhas erradas.

      No caso de Caim, temos ali um erro concreto e não mais em abstrato. E o texto vai revelar muita coisa a respeito do comportamento humano covarde e perverso. Observe que, em momento algum o personagem admite estar errado e ver a si próprio como a causa dos males que sofre.

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  2. Num ensaio publicado no blog "Ensaios&Prosas", sob o título: " Acolhendo o Caim e Abel Interior", fiz ver que aprendemos mais de nós mesmos, se olhássemos o "Mito de Abel e Caim",, pelo lado metafórico. Se não vejamos neste pequeno trecho que pincei do ensaio referido acima: "Caim é aquele arquétipo que temos em nosso interior ou psique que nos faz não se sentir aceito.
    Por que Caim não suportava Abel?
    Porque Abel fazia aquilo que Caim não conseguia fazer. Um era a tese e outro a antítese, símbolos de nossa contradição interna ou de nossa ambivalência.

    O mito de Caim e Abel revela, acima de tudo que esses dois irmãos representam os pólos antagônicos da alma humana. A imagem iluminada de Abel fazia sombra em Caim. Caim só tinha um caminho: acolher a sombra de Abel refletida no espelho de sua alma, até por que tentar eliminá-la, destruindo-a, seria seu próprio suicídio. Já dizia o ensaísta francês, Maurice Blanchot: “quem encontra o OUTRO (o diferente) apenas pode-se dirigir a ele pela violência mortal, ou pelo dom da palavra em seu acolhimento”.

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    1. Boa tarde, Levi!

      Ótima reflexão a sua, amigo. Sem dúvida que o assassinato de Abel foi inútil para Caim eliminar a "sombra" que tanto o incomodava. A grande dificuldade de muitos (eu diria até que da maioria da humanidade) seria como fazer tal acolhimento quanto às pessoas e sentimentos que nos são antagônicos.

      Como chegarmos lá? Concordo acerca desse dom da palavra que seria a via do diálogo, sendo que o diálogo com o próprio íntimo parece preceder um bate papo com aquele que é tido por adversário.

      Abraço.

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