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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem"



"E também eram levados outros dois, que eram malfeitores, para serem executados com ele. Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, bem como aos malfeitores, um à direita, outro à esquerda. Contudo, Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Então, repartindo as vestes dele, lançaram sortes. O povo estava ali e a tudo observava. Também as autoridades zombavam e diziam: Salvou os outros; a si mesmo se salve, se é, de fato, o Cristo de Deus, o escolhido. Igualmente os soldados o escarneciam e, aproximando-se, trouxeram-lhe vinagre, dizendo: Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo. Também sobre ele estava esta epígrafe [em letras gregas, romanas e hebraicas]: ESTE É O REI DOS JUDEUS." (Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículos de 32 a 38; versão e tradução ARA)

Uma coisa que muito chama a minha atenção nos evangelhos foi o fato de Jesus não ter manifesto nenhum sentimento de vingança ou de auto-comiseração na cruz. Mesmo sofrendo horrores, o Mestre ainda foi capaz de pensar no bem do seu povo quando se preocupou com o futuro daquela geração (Lc 23:28-31), como vimos no estudo anterior. Pendurado entre dois malfeitores, ele proferiu as comoventes palavras de perdão do versículo 34, as quais compõem o título deste artigo. Algo que se encontra muito bem gravado na memória da Igreja como o maior símbolo da misericórdia humana conhecido até hoje. Um exemplo que, posteriormente, foi seguido por Estêvão (At 7:60) e também por muitos outros mártires nas perseguições de Roma.

Como liberar perdão sendo tão agredido, ridicularizado, traído, humilhado e ainda tratado imerecidamente igual a um bandido?

Creio que somente chegamos a esse nível elevado pelo desenvolvimento da compreensão. Pois, no próprio verso 34, foi o que Jesus teria feito em sua breve oração ao Pai. Quando disse "eles não sabem o que fazem", o Mestre soube reconhecer as limitações dos seus torturadores entendendo o motivo de eles agirem com tamanha estupidez e brutalidade.

Mesmo sem concordarmos com os erros das pessoas, devemos desenvolver semelhante compreensão. Jesus nos mostrou que é possível ao homem perdoar ficando implícito nas suas palavras como fazermos isto. Trata-se de tomar o caminho inverso ao raciocínio que, diabolicamente, costumamos aplicar diante das falhas cometidas pelos outros quando assim remoemos: "Fulano bem que poderia ter agido desta ou daquela maneira..."

Penso que, se alguém nos rouba, podemos não somente considerar as necessidades do próximo como também as suas compulsões ainda carentes de tratamento. Isto não significa que, em via de regra, deixaremos de chamar a polícia para prender o ladrão que tentar nos assaltar. Acho até correto alguém acionar o 190 e/ou dar parte na Delegacia do local do crime afim de protegermos a sociedade de uma pessoa que tende a delinquir novamente. Porém, não quer dizer que o sujeito infrator vai se tornar odioso aos nossos olhos. Ele continuará precisando do nosso apoio para ser ressocializado em todos aspectos. A própria vítima terá a oportunidade de ajudá-lo no futuro! Aliás, a pena imposta a um condenado jamais deverá conduzir o indivíduo à marginalização como, infelizmente, ainda acontece no mercado de trabalho em relação aos egressos do sistema penitenciário nacional.

Igualmente pode-se tomar posições semelhantes num caso de divórcio ou de separação de casal. Por motivo verdadeiramente considerável, quer seja diante de um adultério ou de uma agressão física, por exemplo, o cônjuge traído/violentado deve, também em via de regra, cortar os seus vínculos matrimoniais. Trata-se aí de uma questão de pureza sexual (Dt 24:2-4), bem como da própria saúde, de respeito à auto-estima e de preservação da própria vida. Ainda assim, não há motivo que justifique cultivarmos o ódio dentro de nós. Para perdoarmos basta que aprendamos a reconhecer o outro como alguém impulsivo e incapaz de controlar os seus desejos/emoções. Uma pessoa que faz mal a si mesma de modo que ela precisa do nosso apoio.

Foi assim também que, pregado na cruz, Jesus olhou para os soldados que repartiram suas vestes e para as autoridades que dele escarneciam. Em meio a tanta crueldade, o coração do Mestre manteve-se íntegro pois a sua reação amorosa foi, indubitavelmente, surpreendente. Assim, pode-se dizer que, no Calvário, entendemos como que pessoas em diferentes níveis de aprendizado espiritual podem conseguir conviver. Pois não adianta exigirmos do outro a conduta mais apropriada, uma mudança ética conforme as nossas exigências, sendo que, nessas horas, o que mais precisamos fazer é nos tornar ainda mais compreensivos.

Que Deus ilumine os nossos caminhos!


OBS: A ilustração acima refere-se ao curioso quadro Crucificação vista a partir da cruz do artista francês James Joseph Jacques Tissot (1836 – 1902). A obra encontra-se atualmente no Museu do Brookyn, em Nova Iorque. Extraí a figura do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Asseenfromthecross-vi.jpg onde é possível visualizá-la num tamanho mais ampliado.

2 comentários:

  1. Tendo eu estudado com um pouco mais de profundidade o assunto perdão, algo que os essênios davam, sem nada esperar em troca, Yeshua era um rabino experiente um Mestre essênio de superior qualidade, um ser em cujo o espírito Deus depositou todas as qualidades em ação, desperto, potente, que valorizava a vida do espírito, e que por certo sabia muito bem qual era o seu papel no plano de evolução dos Filhos de Deus. Os pobres no meio dos judeus era a prioridade do rabino, ele mais do que ninguém sabia que os dos homens que ali estavam sofrendo o martírio da cruz não eram ladrões e sim dois fieis me membros do sistema interno dos essênios chamados zelotes, (os zelosos da judeia). Infelizmente a história narrada em lucas é até certo ponto contraditória, eu digo até que não se pode de fato confiar em tais narrativas. Martins "Seguidor do Caminho de Yeshua.

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    1. Caro Julho,

      Obrigado por sua leitura e comentários.

      Sem dúvida que os pobres estavam no centro da pregação e do ministério de Jesus de Nazaré, nosso Mestre amado.

      Embora o texto citado mencione também o martírio dos "dois malfeitores", ainda pretendo fazer uma abordagem posterior mas com base literária e não histórica. Poderiam ter sido eles de fato uns militantes zelotes? Não se descarta esta hipótese, mas quando estamos a estudar um texto, penso que vale a pena seguirmos a lógica do seu autor/escritor/redator e, sendo assim, pretendo considerar que se tratavam de dois malfeitores em minha análise.

      Durante uns tempos dediquei-me na busca pelo Jesus histórico e agora já não sinto mais esta necessidade. É suficiente que Cristo viva em mim.

      Ótimo final de semana, amigo e obrigado mais uma vez pr participar.

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