Páginas

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"Ele não está aqui, mas ressuscitou"



"As mulheres que tinham vindo da Galileia com Jesus, seguindo, viram o túmulo e como o corpo fora ali depositado. Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos. E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento. Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado. E encontraram a pedra removida do sepulcro; mas, ao entrarem, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Aconteceu que, perplexas a esse respeito, apareceram-lhes dois varões com vestes resplandescentes. Estando elas possuídas de temor, baixando os olhos para o chão, eles lhes falaram: Por que buscais entre os mortos ao que vive? Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galileia, quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia. Então, se lembraram das suas palavras. E, voltando do túmulo, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os mais que com eles estavam. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram estas coisas aos apóstolos. Tais palavras lhes pareciam como um delírio [ou tolice], e não acreditaram nelas. Pedro, porém, levantando-se, correu ao sepulcro. E, abaixando-se, nada mais viu, senão os lençóis de linho; e retirou-se para casa, maravilhado do que havia acontecido." (Evangelho de Lucas 23:55 – 24:12; versão e tradução ARA)

Vimos no último estudo bíblico que José de Arimateia havia tirado o corpo de Jesus da cruz, envolvido-o num lençol de linho e fez o sepultamento num túmulo aberto em rocha (Lc 23:53). Soubemos também pela narrativa do 3º Evangelho que as mulheres que seguiram o Senhor desde a Galileia acompanharam todas as etapas do sofrimento do Mestre rumo ao Calvário. Agora, porém, elas serão as primeiras testemunhas da ressurreição e para tanto tomaram nota do lugar onde o corpo fora colocado afim de retornarem após o término do sábado.

Entretanto, como também havia compartilhado no estudo anterior, as circunstâncias não permitiram que Jesus viesse a ter um funeral. Por mais que fosse louvável a atitude dessas valorosas discípulas, todos os preparativos feitos por elas acabaram sendo desnecessários. Quando chegaram ao local, o Mestre já tinha ressuscitado.

Curioso foi que Jesus, antes mesmo de empreender a sua última peregrinação da Galileia até Jerusalém, havia predito a sua morte e ressurreição (9:22), o que se repetiu novamente no caminho para a Cidade Santa (18:31-33). E o autor bíblico não deixou de registrar a lentidão dos discípulos homens em acreditarem na ressurreição sendo certo que eles nada entendessem a este respeito porque "o sentido destas palavras era-lhes encoberto" (18:34). Em tal caso, o medo, ou, quem sabe, o sentimento de insegurança de ficarem sem o Mestre, impedia-lhes de tirar suas dúvidas. Afinal, era um assunto que, talvez, parecesse ao mesmo tempo tão metafórico quanto real de modo que devesse ser mais cômodo não obterem a confirmação do que temiam. Suponho que resolveram pensar que todo aquele papo de morte fosse mais num sentido figurado e acabaram esquecendo-se das palavras ditas anteriormente pelo Senhor.

"Como todos se maravilhassem de quanto Jesus fazia, disse aos seus discípulos: Fixai nos vossos ouvidos nas seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens. Eles, porém, não entenderam isto, e foi-lhes encoberto para que o não compreendessem; e temiam interrogá-lo a este respeito." (9:43b-45)

Esta bem poderia ser uma análise freudiana do episódio bíblico já que o pai da psicanálise afirmava serem todos os esquecimentos intencionais. Mas a demora aqui está relacionada à lembrança de uma notícia feliz - a ressurreição. E suponho que, quando Jesus predisse a sua morte, as mentes de seus seguidores ficaram tão atordoadas que eles se bloquearam tornando-se incapazes de ouvir atentamente o restante da mensagem, a qual falava de vida e de um final feliz.

Interessante lermos nas entrelinhas que as mulheres estavam mais atentas e receptivas ao novo do que os discípulos homens. Os apóstolos consideraram a versão delas fantasiosa como se as mentes de todas tivessem produzido um alucinante equívoco quando foram até o túmulo. Não souberam ouvi-las conforme deveriam e permaneceram por um tempo apegados a enrijecidos conceitos sobre a existência humana.

Todavia, Pedro saiu apressadamente em direção ao sepulcro. Justamente ele, o único dentre os apóstolos que havia negado confessionalmente a Jesus por três vezes (22:54-62), parece ter sido o primeiro varão a crer nas boas novas anunciadas pelas mulheres. E, uma vez confirmando a notícia, maravilhou-se com o ocorrido (24:12).

Suponho que nenhum outro milagre de Jesus tenha superado a experiência da ressurreição sem a qual a sua obra ficaria incompleta. Aquela foi uma verdadeira lição de esperança em relação à vida pois revela ser a morte física de todos nós uma mera aparência sem nenhum poder sobre a alma eterna. Além do mais, o fato do Mestre ter ganhado um novo corpo (transformado) veio nos ensinar sobre a plenificação do Reino de Deus entre a humanidade porque voltaremos a viver e somos convocados a fazer parte de uma era futura que aguarda pela necessária renovação planetária. Por isso é que precisamos trabalhar firmemente pela concretização desse ideal através do Evangelho de Cristo cujas sementes foram plantadas há dois mil anos pelo nosso Senhor.

Verdade é que nada pode matar essa esperança de um novo amanhecer. A realidade não se restringe às dimensões da fisicalidade limitadas pelos nossos cinco sentidos. Nosso Pai Eterno é Deus de vivos e não de mortos como Jesus bem havia respondido aos saduceus (20:37-38). Portanto, se somos chamados para a eternidade, precisamos conceber a existência a partir deste ponto de vista revolucionário e darmos um novo sentido a tudo o quanto fazemos aqui.

Finalmente, não podemos deixar de valorizar o papel das mulheres em todos os eventos relacionados à Paixão de Jesus (sua prisão, julgamento, crucificação e ressurreição), o que foi contado em todos os quatro evangelhos. A demora dos apóstolos em dar crédito ao testemunho delas expressa de certa maneira a lentidão de uma sociedade patriarcal em abrir seus espaços para a participação feminina. Até hoje, nas comunidades eclesiásticas e na hierarquia das instituições cristãs, as discípulas do Senhor ainda encontram dificuldades semelhantes para se posicionarem. Em diversas denominações, esse direito nem chega a ser reconhecido tendo se tornado hoje uma forte reivindicação entre os católicos. Porém, aprendemos com a memória da ressurreição do Senhor sobre a importância da cooperação dos dois sexos nesse contínuo caminhar em direção a um futuro mais justo, pacífico e solidário, onde o cuidado e a compaixão para com o próximo tornam-se valores centrais.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Mulheres no túmulo vazio do artista italiano Giovanni da Fiesole, nascido Guido di Pietro Trosini, sendo mais conhecido como Fra Angelico (1387 — 1455). A pintura encontra-se na cidade de Florença e estima-se que tenha sido concluída entre os anos de 1437 a 1446, final da Idade Mèdia. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Fra_Angelico_019.jpg

Nenhum comentário:

Postar um comentário