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domingo, 6 de outubro de 2013

Assumindo riscos sem medo pelo Reino de Deus



"Pois eu vos declaro: a todo o que tem dar-se-lhe-á; 
mas ao que não tem, o que tem lhe será tirado." 
(Lucas 19:26; ARA)

A Parábola das Dez Minas, encontrada nos versos de 11 a 27 do capítulo 19 do Evangelho de Lucas, é muito semelhante a dos Talentos de Mateus 25:14-29, apesar de algumas diferenças bem substanciais. Só que, nem sempre, tanto uma quanto a outra não são bem compreendidas pelos leitores e intérpretes da Bíblia. Muitos fazem críticas por considerarem injustas as histórias, mas acabam ignorando pontos sobre os quais o autor sagrado deseja que reflitamos.

Ainda que Jesus tenha se utilizado de uma metáfora baseada nas desiguais relações sociais de seu tempo, a parábola nos apresenta um patrão com uma mentalidade mais avançada do que a dos senhores do passado e do presente, os quais não sabem reconhecer o potencial das pessoas que os servem.

A parábola fala de um poderoso nobre que precisava ausentar-se de sua terra para tomar posse de um reino e depois retornar tal como ocorria em muitas províncias administradas por Roma. Por serem regiões dominadas por um império estrangeiro, o futuro governante precisaria receber uma nomeação vinda do imperador, o qual decidia conforme os seus interesses políticos. Logo, tratavam-se de reis vassalos, desprovidos de soberania, tais como foram Herodes e seus descendentes depois dele. De acordo com a história judaica, Arquelau, filho de Herodes, teria viajado a Roma procurar por seu reino, mas os súditos locais enviaram uma delegação a Augusto para impedirem isso.

Contudo, ao ausentar-se em sua longa viagem, este senhor da parábola não deixa os servos de mãos vazias. Antes ele foi capaz de providenciar que um considerável recurso ficasse sob os cuidados dos homens de sua confiança e lhes dá uma ordem bem clara sobre o que fazerem com o dinheiro: "negociai até que eu volte" (verso 13).

Paralelamente, um grupo de opositores envia uma comitiva afim de impedirem que aquele senhor conseguisse o reino, o que é uma diferença importante em relação à Parábola dos Talentos assim como a distribuição de uma "mina" para cada um dos dez servos. Se no 1º Evangelho os talentos, que eram o maior valor monetário da época, são distribuídos conforme a potencialidade de cada um (gr. dynamis), eis que, em Lucas, todos vão receber a mesma quantia inicialmente. Uma mina (gr. mna) equivalia a aproximadamente o salário de três meses de um trabalhador. Não chegava a ser uma fortuna como o talento, sessenta vezes mais valoso, mas também não era pouca coisa. Podemos dizer que uma mina somaria um capital razoável para o sujeito começar o seu negócio.

O senhor parece demorar, mas ele volta. E, quando retorna triunfante, quer saber o que cada um daqueles servos teria feito com o dinheiro confiado. Um deles apresenta-se e diz que, de uma mina, fez dez. Outro informa que multiplicou por cinco a quantia inicial. E, finalmente, chega o terceiro empregado e relata ter guardado a moeda embrulhadinha num lenço:

"Veio, então, outro, dizendo: Eis aqui, senhor, a tua mina, que eu guardei embrulhada num lenço. Pois tive medo de ti, que és homem rigoroso; tiras o que não puseste e ceifas o que não semeaste." (versos 20-21)

Se os dois primeiros servos receberam elogios do senhor e foram promovidos passando a administrar respectivamente dez e cinco cidades, o terceiro empregado será envergonhadamente reprovado. Daí o patrão lhe dizer:

"Servo mau, por tua própria boca te condenarei. Sabias que eu sou homem rigoroso, que tiro o que não pus e ceifo o que não semeei; por que não puseste o meu dinheiro no banco? E, então, na minha vinda, o receberia com juros. E disse aos que o assistiam: Tirai-lhe a mina e dai-á ao que tem as dez." (vv. 22-24)

Ao que me parece, este terceiro servo não soube e nem quis aproveitar a oportunidade que lhe foi dada. A sua preocupação esteve o tempo todo focada em devolver o dinheiro e não em fazê-lo render como era esperado. Não entendeu que a tarefa era um tipo de avaliação para a sua habilidade ser conhecida e ele vir a ocupar melhores posições futuramente na empresa do patrão, o qual iria agora tornar-se o rei daquela terra com autoridade suficiente para delegar poderes e funções.

É curioso notar que o senhor não quer de volta o dinheiro. Cada um dos dois servos anteriores parece ter continuado com as suas minas. Tanto é que o patrão manda dar a mina ao que tinha dez e havia recebido autoridade sobre dez cidades.

Interessante que esse patrão não investia somente para si, coisa que jamais passou pela cabeça do terceiro servo. Ele havia viajado afim de conseguir um reino onde seus empregados pudessem ser promovidos a ministros e prefeitos. Neste sentido, aquelas minas emprestadas perdem até o valor dentro da nova dimensão que é estabelecida. Os empregados que as negociaram poderiam ficar com elas afim de que, abundantemente, recebam mais e mais junto com o senhor (v. 26).

Vejamos por esse prisma o quanto o tal patrão foi revolucionário. Ao contrário da maioria dos empregadores e políticos deste mundo, os quais só querem saber de explorar a força do trabalho humano, tal senhor aplicou  a sua habilidade articuladora afim de beneficiar no porvir os que foram capazes de servi-lo com fidelidade e esmero. É nesse sentido que devemos compreender o princípio declarado por Jesus de que "a todo o que tem dar-se-lhe-á".

Amados, o Reino de Deus é abundância espiritual e somos chamados para vivermos nela! Só não podemos ter a mentalidade medíocre, covarde, preguiçosa e improdutiva do terceiro servo que preferiu guardar a moeda num lenço do que negociá-la. Menos ainda podemos cogitar em conspirarmos contra o processo revolucionário de Deus optando pelo lado errado. Pois, do contrário, toda oposição maligna será esmagada pelo rolo compressor da história. Planos contra a vontade divina não prosperarão.

De modo algum a execução dos inimigos (v. 27) pode ser associada ao proselitismo religioso. Os opositores seriam os adversários das boas-novas do Reino. São aqueles que estando dentro ou fora da Igreja querem impedir as mudanças e as transformações que precisam ocorrer no mundo. A aparente demora da volta do senhor não deveria ser motivo para descrédito num futuro melhor. O Reino já se encontra em nosso meio e se tornará pleno por mais que certos acontecimentos ocorram para nos desanimar fazendo-nos pensar que esteja havendo retrocessos ao invés de avanços.

Vencer o medo e assumir riscos pelo Reino é o que precisamos fazer neste momento presente. Se prestarmos a atenção no episódio anterior deste estudo bíblico, o qual trata da conversão de Zaqueu (vv. 1-10), Jesus falou sobre a razão do seu ministério e que deve ser o mesmo da Igreja: "buscar e salvar o perdido" (v. 10). E este precisa ser o foco dos agentes do Reino de Deus! Daqueles que receberam do Senhor um "capital" para ser "negociado" e não guardado num lenço.

Quantos cristãos não desperdiçam oportunidades enclausurando-se numa vidinha de religiosidade dentro dos templos enquanto poderiam estar se relacionando com pessoas afim de compartilharem os valores do Reino com a sociedade?! Posso entender a atitude de embrulhar a moeda num lenço como uma expressão de vida espiritual reclusa. Não falo apenas dos que se isolam fisicamente em mosteiros, coisa que Jesus buscava apenas nos momentos de oração para depois retornar ao convívio comunitário. Refiro-me principalmente na recusa de muitos religiosos em se relacionarem com quem eles consideram "mundanos" e "pecadores". Tratam-se das pessoas que não querem suportar os "riscos de um negócio", isto é, os aborrecimentos, as incompreensões, as tentações, as perseguições, as contrariedades que passamos pela causa do Evangelho e os testes de fé.

Enquanto a moeda continua embrulhadinha num lenço e guardada a sete chaves numa gaveta da casa, os riscos são mínimos. Você deixa de se expor ao convívio relacional com o outro mas também não cresce e nem evolui. A fé e o amor ficam estagnados.

Creio que Deus não está interessado no nosso volume de produção e sim na produtividade de seus filhos, isto é, no desenvolvimento da nossa capacidade de multiplicar os recursos em prol do seu Reino. Assim, fico imaginando como poderia ser o relato de um quarto servo que a parábola não conta embora o texto bíblico diga que o senhor repartiu uma mina entre dez dos seus empregados (v. 13), abrindo portas para o exercício da nossa criatividade inventado novas situações relacionadas com a passagem em comento.

Deste modo, imagino que um quarto servo possa ter obtido um resultado pior do que o terceiro e relate o seguinte ao patrão:

"Senhor, a tua mina que me confiaste eu investi honestamente em um comércio. Comprei mercadorias, vendi na feira e repeti isso por algumas vezes. Porém, certo dia, houve um ataque de ladrões na cidade onde eu estava e levaram tudo o que eu e os demais comerciantes tínhamos, bem como nos espancaram. Até os meus bens pessoais perdi. Infelizmente, nem tenho como te restituir o dinheiro. Peço que tenha misericórdia de mim."

Ora, será que esse senhor irá trucidar o fictício quarto servo por não ter alcançado êxito em seu empreendimento, ou vai perdoá-lo?

Pois bem. Creio que, no caso deste quarto servo que eu inventei, o patrão vai lhe dar uma nova chance de trabalho e não o colocará no olho da rua. Suponho que lhe dará uma outra mina para negociar e tentar novamente a sorte. Afinal, tal empregado não alcançou o resultado, mas, pelo menos, tentou acertar e nem cogitou em adotar a mesma mentalidade do terceiro serviçal. Este, sim, jamais compreendeu o amor do patrão e a chance de investimento que recebera visto não ter se aberto para a abundância da graça.

Portanto, meus queridos, esse é o momento das grandes oportunidades espirituais de trabalharmos sem medo na busca e na salvação do perdido. Somos amados de Deus e recebemos ricos dons do Pai Eterno afim de trabalharmos desde já pelo seu Reino. Basta colocarmos a fé em ação e assumirmos os riscos visto que mais importa é a nossa atitude construtiva. Afinal, nenhum trabalho é em vão quando feito no Senhor.


OBS: A imagem acima trata-se de uma gravura do artista holandês Jan Luyken (1649-1712) utilizada para ilustrar a parábola na Bíblia Bowyer. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em que a autoria da foto é atribuída a Phillip Medhurst oriunda de Harry Kossuth, conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Teachings_of_Jesus_30_of_40._parable_of_the_talents._Jan_Luyken_etching._Bowyer_Bible.gif

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