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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Desentulhando poços



"E tornou Isaque a abrir os poços que se cavaram nos dias de Abraão, seu pai (porque os filisteus os haviam entulhado depois da morte de Abraão), e lhes deu os mesmos nomes que já seu pai lhes havia posto" (Gn 26:18; ARA)

As narrativas bíblicas, além de nos relatarem motivadoras experiências de fé de seus personagens, também encorajam o leitor a tomar iniciativas importantes em sua vida. Trata-se de cumprir integralmente o plano de salvação proposto por Deus para que sejamos felizes em toda a existência, ainda que o mundo produza aflições, os "espinhos e abrolhos" da linguagem poética de Gênesis.

Como se lê, eis que, no princípio, a luta dos patriarcas não foi nada fácil. Nem Abraão, nem Isaque e nem Jacó navegaram tranquilamente por um mar de rosas. Aqueles homens viveram como peregrinos na terra da promessa convivendo com vizinhos nem um pouco agradáveis. As riquezas que construíram com o trabalho árduo e as bênçãos divinas tornaram-se motivo de inveja. E, movidos por esses sentimentos baixos, os filisteus resolveram entulhar com terra os poços anteriormente abertos pelos servos de Abraão (Gn 16:15). Poços que eram importantíssimos para matar a sede do rebanho visto que os patriarcas hebreus eram pastores nômades dependentes tanto de água como de pastagens.

É interessante notarmos a postura adotada por Isaque diante daquela situação conflituosa. Ele não ficou paralisado por causa das contendas com os vizinhos e as possíveis ameaças que deve ter ouvido. O texto nos conta que o patriarca também mandou seus empregados cavarem mais poços na terra em que habitava sem desistir dos seus sonhos. Até que as divergências um dia cessaram proporcionando um período de alívio (uma das traduções para Reabote ou Rechovot):

"Partindo dali, cavou ainda outro poço; e, como por esse não contenderam, chamou-lhe Reobote e disse: Porque agora nos deu lugar o SENHOR, e prosperaram na terra" (Gn 26:22)

Igualmente, nós enfrentamos momentos de adversidade enquanto caminhamos por esse mundo cheio de gente injusta. É o patrão iníquo que não paga os direitos do seu empregado, a construtora desonesta que não entrega a obra pronta ao consumidor apesar deste ter pago em dia suas prestações, o inquilino irresponsável que não cumpre o contrato de aluguel do imóvel, e o governo que impõe as regras da economia conforme seus interesses causando muitas das vezes instabilidades e o efeito surpresa.

Nesta primeira semana de abril, resolvi reabrir um "poço" que, desde 2009, tinha deixado que entulhassem. Trata-se de uma ação movida em causa própria em face do Itaú por causa dos planos econômicos Bresser e Verão.

Quando o (des)governo José Sarney fez seus respectivos cortes nos três zeros do cruzeiro e do cruzado, nos anos de 1987 e 1989, afetou as cadernetas de poupança. Embora eu ainda fosse menor de idade, tinha um dinheirinho guardado no extinto BANERJ. A data de aniversário dos rendimentos era todo dia 14, estando, pois, dentro da primeira quinzena que sofreu as perdas dos expurgos. Então, antes que meu direito prescrevesse no prazo vintenário, em meados de 2007, tomei conhecimento de que poderia mover uma ação por meio da imprensa e ajuizei logo aquela causa.

Com toda a lentidão burocrática, tive minha demanda julgada pelas instâncias ordinárias em 2009 confirmando a sentença favorável proferida no primeiro grau de jurisdição. O pedido fora julgado procedente com honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. No entanto, o banco, com finalidade manifestamente protelatória, recorreu para o STJ interpondo o recurso especial. Com isso, devido às novas normas processuais, os autos ficaram retidos na 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aguardando o julgamento de um processo paradigma pelas instâncias superiores. E lá permaneceu mesmos nós já estando em abril de 2013.

Posso dizer que, nesses últimos três anos, eu me acomodei quanto a esse caso. Mesmo tendo morado em Nova Friburgo até dezembro de 2011, comarca onde foi proposta a ação, não ousei entrar com a execução provisória sendo que precisaria primeiro tornar líquido o valor da sentença para depois exigir o seu cumprimento. Minha mente sempre arranjava uma justificativa psicológica para não tomar uma providência célere e que seria um pouco trabalhosa. Ainda mais porque eu estava agindo em causa própria e não precisaria responder perante um cliente sobre minha inércia diante do atrase processual. Pensava que seria bem mais cômodo esperar o retorno dos autos ao órgão jurisdicional de origem e aguardar o réu providenciar o depósito da quantia devida.

No entanto, o tempo passou. Enfrentei terríveis dificuldades financeiras no ano de 2012 que me obrigaram até mesmo a vender picolé na praia na localidade de Muriqui, onde passei a residir desde 21/08. Então, tendo que me mexer para conseguir pagar as contas, lembrei do quanto aquele dinheirinho poderia ajudar num momento tão difícil quanto aquele que sofri até pagar as últimas parcelas de uma dívida no final de janeiro. Só que não tinha grana suficiente para arcar com as custas judiciais e nem provas de hipossuficiência econômica para pedir gratuidade de justiça no meu processo.

Assim, nesta quinta-feira (04/04), decidi agir. Logo após ter acordado no começo da manhã, sentei de frente para o computador ainda sem internet funcionando e comecei a digitar minha petição. Depois, tomei um ônibus para Itaguaí, imprimi a guia de pagamentos judiciais acessando o site do Tribunal de Justiça na sala da OAB, saquei uma importância que ganhei com os picolés aplicada no banco, acertei as custas processuais no Bradesco e protocolizei o meu requerimento de execução provisória enviando-o pelo sistema de malote entre as comarcas.

Enfim, foi manhã e tarde trabalhando em cima disso. Passei uma quinta-feira cansativa em que precisei dispor de R$ 380,41 só com as despesas processuais e também deixar de trabalhar à tarde com os picolés na praia de Muriqui. Porém, o que fiz foi um investimento em que, mesmo com a demora tartarugal da Justiça brasileira, pode ser que eu venha a receber a graninha ainda este ano, ou em 2014. Algo que, certamente, ajudará bastante nesse momento em que preciso capitalizar-me, além de continuar pagando as despesas atuais: água, luz, telefone, comida, plano de saúde da Unimed e as caras passagens de ônibus para Itaguaí ou Mangaratiba que custam quase quatro reais (um roubo).

Em toda a nossa caminhada, é preciso lançar o "pão sobre as águas" e agir com fé dando cada passo em sua vez. Não importa o que atravessamos, devemos lembrar sempre de palavras de encorajamento como essa que Deus disse para Isaque depois de toda a sua batalha angustiosa:

"Na mesma noite, lhe apareceu o SENHOR e disse: Eu sou o Deus de Abraão, teu pai. Não temas, porque eu sou contigo; abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de Abraão, meu servo" (Gn 26:24)

Deus não nos abandona jamais, amados! Esta é a confiança que devemos ter diante do futuro desconhecido. Precisamos agir e trabalhar mas, depois de termos feito tudo, não nos atemorizarmos com os acontecimentos do amanhã. Pois a vida de cada um está bem guardada nas mãos do Pai Celestial, o Deus bendito para todo sempre.


OBS: Ilustração extraída do acervo da Wikipédia oriunda da Providence Lithograph Company, numa Bíblia publicada no ano de 1906, conforme se lê em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Isaac_a_Lover_of_Peace.jpg

2 comentários:

  1. Os prazos para alguém entrar com uma ação referente aos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II já expiraram. Mas quem procurou a Justiça antes da precrição de 20 anos, como eu fiz pode ainda estar aguardando o desfecho completo do processo. Enfim, Sarney e Collor andaram entulhando a vida de muita gente... (rsrsrs)

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  2. Deve ser informado que o Excelentíssimo Ministro do STF, Sr. Dias Toffoli, nomeado pelo ex-presidente Lula, SUSPENDEU todas as decisões e recursos em tramitação no Judiciário sobre a correção das cadernetas de poupança por causa dos planos econômicos Bresser, Verão e Collor I, menos aquelas que já estavam em fase de execução (após o trânsito em julgado da sentença) e as que ainda estejam na fase de colheita de provas. Ele fez isso concedendo uma liminar benéfica aos bancos nos Recursos Extraordinários nº 626.307/SP e nº 591.797/SP.

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