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sábado, 24 de setembro de 2011

Como evitaremos a banalização do instituto do dano moral?

"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." (Constituição da República Federativa do Brasil, incisos V e X do art. 5°)


Desde a Antiguidade, o dano moral já era percebido nas leis das diversas civilizações que contribuíram para a formação da sociedade ocidental.

Por volta do segundo milênio antes da era cristã, num período anterior ao próprio Direito romano, o Código de Hamurábi já disciplinava algumas situações na Mesopotâmia em que o dano de natureza moral poderia ser reparado pecuniariamente. Apesar da predominância do preceito “olho por olho e dente por dente” da lei de talião, que expressava o direito da vingança da vítima para retribuir na mesma proporção o dano causado, havia casos especiais em que a imposição de uma pena econômica constituía uma outra forma quase que alternativa de se proporcionar à vítima uma satisfação compensatória em pagamento de “ciclos de prata”, excluindo-se a vindita.

Há quem diga que as lei sumerianas, como o Código de Ur-Nammu (três séculos mais antigo que o de Hamurábi), previa um número maior de fatos em que o direito da vindita já teria sido substituído pela reparação compensatória, através de uma compensação pecuniária:

"O Código de Ur-Nammu (...) foi descoberto somente em 1952, pelo assiriólogo e professor da Universidade da Pensilvânia, Samuel Noah Kromer. Nesse Código elaborado no mais remoto dos tempos da civilização humana é possível identificar em seu conteúdo dispositivos diversos que adotavam o princípio da reparabilidade dos atualmente chamados danos morais." (Américo Luís Martins da Silva. O dano moral e a sua reparação civil. São Paulo: RT, 1999, p. 65)

No entanto, para Wilson Melo da Silva, as leis antigas da Mesopotâmia, bem como o Código de Manu, na Índia, não tiveram “a manifesta intenção de se referirem, nesta parte, de modo positivo e expresso ao dano moral” (O dano e a sua reparação. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 12)

Embora não tivesse dispensado a regra do Talião, a Torá judaica também adotou algumas soluções quanto à reparação por danos morais, conforme se observa neste texto de Deuteronômio em que a vítima sofre uma indiscutível humilhação:

"Se um homem desposar uma mulher e, depois de coabitar com ela, a aborrecer, e lhe imputar delitos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei virgem, os pais da moça tomarão as provas da virgindade dela, e as levarão aos anciãos da cidade, à porta. O pai da moça dirá aos anciãos: Dei minha filha por mulher a este homem, porém ele a aborreceu, e lhe imputou delitos vergonhosos dizendo: Não achei tua filha virgem. Então os pais estenderão a roupa dela diante dos anciãos da cidade, os quais tomarão aquele homem e o castigarão. Condená-lo-ão em cem ciclos de prata, e o entregarão ao pai da moça, porque divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. Ela continuará a ser sua mulher e ele não poderá ,andá-la embora enquanto viver." (Dt 22.13-19)

Entre os gregos, desde os tempos homéricos, a compensação financeira por danos morais constituía-se como uma tradição. As normas instituídas pelo Estado aboliram o direito de vingança e determinavam que a reparação do dano poderia ser de natureza pecuniária.

No estudo do antigo Direito Romano, alguns renomados autores jurídicos internacionais como Rudolf von Ihering, e entre nós Pedro Lessa, notaram entre as instituições havidas naquele tempo algo de originário para questão da história do dano moral. Teria sido na actio injuriarum aestimatoria, na criação do direito pretoriano, que o injuriado tinha a faculdade de pleitear perante o magistrado uma certa soma em satisfação das injúrias sofridas, ficando, entretanto, livre o juiz decidir se o pedido era justo e equitativo. Para injúrias especiais, existia a lei cornélia, que assim ditava: ‘pulsatum, verberatumae suam vi introitum’. A actio injuriarum era destinada pelo pretor para atingir, então, duas funções, uma material e outra ideal, e ambas foram reconhecidas por quase todos os pandectistas. E ainda que se atribuísse uma natureza penal a tal ação, não se poderia negar o conceito de tutela jurídica de danos não patrimoniais.

Mesmo após a queda do Império Romano, os procedimentos da ação pretoriana repercutiram por muitos séculos, influenciando, inclusive, as Ordenações do Reino de Portugal.

A Idade Média foi marcada pela adoção do então Direito canônico, o qual teve larga influência no território brasileiro e nas Ordenações Filipinas em virtude da força da religião católica na época. Embora mantivesse procedimentos oriundos do Direito romano, o Código Canônico foi valorado conforme os dogmas da Igreja Católica e estabelecia sansões de ordem material e espiritual para determinadas condutas.

No Código Filipino, em relação à estimativa do próprio dano subjetivo, verifica-se indícios da adoção parcial do procedimento romano na parte que especificamente diz respeito ao chamado “valor de afeição”. Nas Ordenações do Reino de Portugal, a estimativa recebia o mesmo tratamento, com a diferença que, nesta, para a credibilidade da palavra do ofendido ao fixar seu próprio dano, era necessário que se fizesse o “juramento de praxe sobre os Santos Evangelhos.”

Até a vigência do Código Civil brasileiro de 1916 (Lei n.º 3.071), vigorava o instituto dos esponsais, onde se previa que a recusa do noivo em se casar, sem um justo motivo, importaria na sua condenação em perdas e danos.

Apesar das conquistas humanistas trazidas pela Revolução Francesa, muitas das legislações civis modernas não contemplaram expressamente o instituto do dano moral e diversos foram os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre a sua aplicação. O Código Civil de Napoleão Bonaparte não delineou de forma expressa os limites da reparabilidade do dano moral. O seu artigo 1.382 apenas estabeleceu que o causador do dano tem a obrigação de repará-lo, desde que configurada a sua culpabilidade, passando uma noção bem ampla do instituto que tanto poderia abranger as lesões de ordem material ou não patrimonial. Ficava assim, ao critério do intérprete da lei dizer se o dommage poderia ou não ser empregado em seu sentido lato, devendo se registrar que houve um acolhimento favorável em inúmeras hipóteses pelos tribunais franceses no decorrer da história contemporânea.

Tal como o Código napoleônico, o artigo 1.151 do Código Civil italiano, de 1865, adotou texto semelhante. Porém, a princípio, os juízes reduziam os casos de reparação por danos morais a um número bem insignificante e muitos eram os doutrinadores que negavam a reparabilidade. E, somente quando passou a vigorar o Código Penal de 1930, cujo artigo 185 assegurava a reparação à vítima por todo crime praticado contra ela ou sua família, começou a prevalecer o entendimento de que ambos os dispositivos das leis civil e criminal deveriam ser interpretados em conjunto, ainda que o fato tenha sido um ilícito civil.

Da mesma maneira, o Código Civil espanhol de 1890, em vigor até hoje, repetiu a disposição contida no Código Civil francês. Porém, ao contrário do que ocorreu na França, o dano não foi interpretado abrangentemente. A jurisprudência e a doutrina espanhola entendiam que o artigo 1.902 da Lei Civil se referia tão somente ao dano patrimonial, entendendo não ser valorável a honra. E, por longos anos, os Tribunais não souberam fazer a exata distinção entre os danos materiais e morais.

Em 1900, com o surgimento do B.G.B. – Burgerliches Getsetzbuch, ou Código Civil alemão, foi criado um novo sistema de reparação por danos morais, em que a condenação do réu só poderia ser admitida dentro das hipóteses taxativamente enumeradas em lei (parágrafo 253 do Código). As situações em que o Código Civil alemão determina a compensação por danos morais em dinheiro estão previstas taxativamente nos seus parágrafos 847 e 1.300. (Hans Albrecht Fischer. Reparação dos danos no direito civil. Tradução de Antônio Arruda Férrer Correia. São Paulo: Saraiva, 1938)

Em outras legislações estrangeiras que não influenciaram tanto o nosso ordenamento jurídico, a compensação por lesões imateriais é condicionada à configuração da redução patrimonial da vítima. O direito de alguns países, como a Rússia e a Hungria, por influência do marxismo-leninismo que marcou o período comunista da ex-URSS, não admitem a indenização por danos morais. E, neste sentido assim salienta Yussef Said Cahali:

"No direito soviético exclui-se totalmente a indenização do dano moral, pois na opinião de Cherchevevich, a transformação do prejuízo moral é resultado do espírito burguês que avalia tudo em dinheiro, a considerar que tudo pode ser vendido." (Dano moral. 2ª. ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2000, p. 32)

Já o direito anglo-americano, em razão do particularíssimo sistema que se distingue dos países de direito codificado, os casos concretos decididos pelos tribunais vão compondo teorias que se tornam aplicáveis a futuras situações idênticas e passam a servir de fundamento analógico para questões semelhantes. Sabe-se que, nos Estados Unidos e na Inglaterra, o campo de incidência do dano moral tem sido bem amplo.

Na realidade, e segundo se evidencia do diversificado das legislações contemporâneas, o princípio da reparabilidade do dano moral reveste-se de um cunho marcadamente ideológico e político. Assim, para saber se o direito deve limitar a sua pretensão a proteger os interesses patrimoniais, ou se deve conceder certas compensações àqueles que sofrem na própria carne ou são molestados em seus sentimentos, a resposta a ser dada depende de numerosas considerações tanto de ordem ideológica como econômica, o que explica a evolução pela qual tem passado os direitos positivos.

Na fase da legislação pré-codificada, a doutrina jurídica pátria já se confrontava sobre a reparabilidade do dano moral. As Ordenações Filipinas já previam uma reparação pecuniária pela sedução de mulher virgem (Título XXIII do Livro V), caso o homem não se casasse com ela. O Título XXXVIII do Livro III prescrevia que, em hipótese de demanda por dívida já paga, deveria ser procedida a restituição em dobro do valor recebido.

O nosso Código Criminal de 1830 dispunha que a indenização seria sempre a mais completa possível, mas sem fazer nenhuma alusão à reparação do dano moral. Tal dispositivo foi depois reproduzido pelo artigo 800 da Consolidação das Leis Civis de Augusto Teixeira de Freitas, o qual definia o dano como “o mal, que resultar à pessoa e aos bens do ofendido” (art. 801) que deveria ser avaliado por árbitros em toda a sua extensão.
Aliás, o próprio Augusto Teixeira de Freitas explicou que:

"O mal à pessoa, e seus bens, ou quaisquer delitos, avaliado em todas as suas partes, e consequências, fora redutível sem inconveniente ao que se chama prestação – de perdas e danos, perdas e interesses, lucros cessantes e danos emergentes; e que vem a ser, o que efetivamente perdeu-se, e o que se deixou de ganhar. Estas expressões, entretanto, é de uso aplicarem-se unicamente às faltas dos devedores por obrigações não-derivadas de delitos puníveis pelas leis criminais." (Consolidação das Leis Civis. 3ª. ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1876, p. 486)

Ao se reproduzir as situações reparáveis por danos morais previstas nas Ordenações Filipinas, bem como ter prescrito outros casos indenizáveis de lesões não patrimoniais, pode-se dizer que havia indícios de regulamentação do dano moral na Consolidação.

O Código Penal brasileiro de 1890, em seu artigo 276, por sua vez, tratou de assegurar expressamente, “prestação pecuniária satisfatória de dano moral, nos casos de atentado contra a honra da mulher” e determinava, em seu artigo 70, que, nos demais casos a indenização, fosse regulada pelo Direito Civil. Entretanto, muita polêmica foi levantada quanto à reparação prevista nesta lei, encarada incompreensivelmente como medida “iníqua, altamente indecorosa e desmoralizadora”.

O artigo 21 caput da Lei n.º 2.681, de 07/12/1912, que regula a responsabilidade civil nas estradas de ferro, dispõe que, “no caso de lesão corpórea ou deformidade”, além das perdas e danos, das despesas do tratamento da vítima e dos lucros cessantes, o juiz deve arbitrar “uma indenização conveniente”.

Segundo Romão Côrtes de Lacerda, o artigo 21 da Lei n.º 2.681/12 referia-se à dor de natureza moral, sem reflexos patrimoniais
Entretanto, a reparabilidade por danos morais, mesmo depois da vigoração do Código Civil de 1916, só era reconhecida nos casos de acidentes ferroviários. Então, quando decidia questões relativas a esses fatos, o STF não fundamentava suas decisões no artigo 1.538 do Código Civil e sim no artigo 21 caput da Lei n.º 2.681/12, negando aos familiares das vítimas a indenização por danos morais, conforme explica Américo Luís Martins:

"No período que antecedeu a vigência do Código civil brasileiro, ou se negava a reparabilidade do dano moral ou se considerava indenizável o dano moral apenas quando afetava o patrimônio da vítima empobrecendo-a (...) Todavia, se havia um substancial número de opositores da reparabilidade do dano moral que causasse prejuízos patrimoniais, por outro lado, também, naquela época havia os defensores de tal reparação."

O Código Civil de 1916 não fez nenhuma menção de forma expressa à reparação por danos morais. Os doutrinadores favoráveis à tese fundamentavam-se no artigo 76 da lei, o qual prescrevia que para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral. E o seu parágrafo único dispunha que “o interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor ou à sua família”. Porém, prevaleceu no meio jurídico pátrio o entendimento contrário à reparação dos danos morais.

Assim, por longos anos a nossa jurisprudência adotou uma interpretação restritiva do Código Civil em matéria de reparação por dano moral. Em alguns acórdãos o Supremo Tribunal Federal considerava não ser indenizável o valor afetivo exclusivo. Em outras decisões, o artigo 76 da Lei Civil era considerado como norma de natureza meramente processual. Em outros julgamentos, o dano moral só se tornaria indenizável se a lesão produzisse reflexos patrimoniais para o ofendido.

Todavia, a nova realidade social se impunha e, devido aos insistentes reclamos doutrinários, os tribunais foram paulatinamente renovando os seus entendimentos a fim de acompanharem as contingências da vida moderna. Houve então uma gradativa ampliação do conceito de dano moral indenizável, o que, a princípio, se verificou na valoração do dano material até se chegar à indubitável compreensão em favor da reparabilidade.

O Código Brasileiro de Telecomunicações marcou esse novo período de evolução do princípio da reparabilidade do dano moral. A Lei n.º 4.117/62 tratava expressamente da regulamentação dos danos morais indiretos ou dos reflexos patrimoniais dos danos não-econômicos. Os seus artigos 81 a 88 dispunham sobre o dano moral relativo às ofensas experimentadas por alguém em virtude de calúnia, difamação ou injúria, veiculadas por radiodifusão, ampliando, inclusive, as hipóteses de reparabilidade. Tais dispositivos, porém, vigoraram até a edição do Decreto-lei n.º 236/67 que, através de seu artigo 3º, revogou os artigos 58 a99 da referida lei.

Ainda durante a década de 60 foram aprovados o Código Eleitoral (Lei n.º 4.737, de 15/07/1965) e a Lei de Imprensa (lei n.º 5.250, de 09/02/1967), que tratavam expressamente da indenização por danos morais igualmente nos casos de calúnia, injúria e difamação.

Para Américo Luís Martins da Silva, a Lei n.º 5.250/67 trouxe alguns avanços em relação ao Código Brasileiro de Telecomunicações, ao tratar da reparabilidade dos danos morais de maneira mais profunda, procurando regulamentar a questão com um grau de acerto maior. A partir dali, deixou-se para trás, pelo menos no que concerne ao exercício da liberdade de manifestação do pensamento, o insistente e equivocado posicionamento jurisprudencial da primeira metade do século XX, ignorando-se o avanço das legislações estrangeiras e o avanço da própria doutrina e jurisprudência brasileira.

Ocorrida em dezembro de 1965, no extinto Estado da Guanabara, a III Conferência Nacional de Desembargadores veio demonstrar as novas inclinações da magistratura brasileira para adaptar o Direito à realidade social quanto ao princípio da reparabilidade do dano moral, tornando-se um marco importante na evolução jurisprudencial. Passou-se então a considerar que o dano moral deveria ser ressarcido também nas hipóteses em que não ocorresse nenhuma lesão patrimonial à vítima, somando inúmeras divergências existentes até então.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, foi definitivamente finalizada qualquer dúvida remanescente a respeito da reparabilidade pelo dano moral. O artigo 5º da Carta Magna, em seus incisos V e X, estatuiu a indenização pelo dano moral como sendo uma garantia dos direitos individuais. Procurou o constituinte distinguir de maneira expressa as indenizações pelos danos material, moral e à imagem, não obstando a cumulatividade desses direitos, mesmo havendo também o exercício do direito de resposta. O dano moral, mais do que nunca, tornou-se inconfundível com o dano de natureza patrimonial e tal distinção obrigou tanto a doutrina como a jurisprudência a identificar o que vem a ser o referido dano à imagem.

Segundo Maria Helena Diniz, o dano à imagem seria um bem jurídico autônomo das pessoas físicas e jurídicas que se distingue do dano moral. E tanto a reprodução não consentida da imagem, quanto o uso indevido, mesmo que autorizado, podem dar ensejo à uma indenização. Ou seja, tanto a divulgação pública de um retrato sem o consentimento do fotografado como a sua modificação através de recursos de um computador são condutas ilícitas que podem gerar o dever de reparar o dano.

Sobre o inciso X do artigo 5º da CRFB/88, estabelece o texto constitucional que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sal violação". Todos os direitos individuais mencionados pela Lei maior, isto é, a intimidade, a vida privada, a honra e a integridade da imagem pessoal tornaram-se hipóteses indenizáveis em caso de violação, independentemente de ter havido prejuízo patrimonial para a vítima.

Dentro do espírito da Carta Magna, novas leis foram sendo aprovadas, reforçando a reparabilidade pelos danos morais, conforme nos mostra Clayton Reys:

"Inúmeras legislações vêm sendo editadas no País, ampliando o leque de opções para a propositura de ações nesta área. É o caso do Código de Proteção ao Consumidor (lei n.º 8.078, de 11.09.1990) que, em seu artigo 6º, incisos VI e VII admitiu a reparação de danos patrimoniais e morais. No mesmo sentido filiou-se a Lei n.º 8.069, de 13.07.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que em seu art. 17, combinado com o art. 201, V, VIII e IX, assegurou à criança e ao adolescente o direito à integridade física, psíquica e moral. Portanto, a partir do momento em que a lei assegura o direito à integridade física e moral do menor, admite a reparação de eventual dano à sua imagem ou aos seus bens extrapatrimoniais." (Dano moral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 72)

Pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor veio, portanto, regulamentar e ampliar as hipóteses de danos morais indenizáveis. Segundo o item VI do artigo 6º da Lei n.º 8.078/90, constitui como direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. E, justamente para tornar efetiva a reparabilidade, o mesmo artigo 6º, em seu inciso VII, também constitui como direito básico do consumidor “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”.

O artigo 25 caput do CDC afastou a cláusula de não indenizar dos contratos envolvendo questões de consumo, tornando cabível, em qualquer hipótese, a obrigação do fornecedor em compensar o dano moral causado ao consumidor, ainda que se convencione o contrário entre as partes. Os efeitos da responsabilidade do fornecedor são ampliados pela regra contida no artigo 7º, parágrafo único e repetida pelo artigo 25, parágrafo 1º, ambos do CDC. Pois se o dano for causado por mais de um fornecedor, todos responderão solidariamente pelo dever de reparar.

Uma outra hipótese é o que dispõe o artigo 22 caput e parágrafo único do CDC. A prestação do serviço público deve ser fornecida de maneira adequada, eficiente, segura e, quanto aos essenciais, ser também contínua. Havendo descumprimento, total ou parcial dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, incluindo-se aí os danos morais.

Finalmente, com o advento do novo Código Civil de 2002, o dano moral veio a ser mais uma vez confirmado no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 186 da Lei n.º 10.406/02 faz uma referência através da expressão “exclusivamente moral”. Já os artigos 953 e 954 da lei falam da reparabilidade por dano moral respectivamente nos casos de ofensa à honra e à liberdade pessoal da vítima. E o legislador estabelece nos artigos 939 e 940 as penas a serem aplicadas nas hipóteses de demanda indevida pela cobrança de dívidas, além de manter outras disposições expressas do Código antigo.

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, em tema de dano moral a questão que se coloca atualmente não é mais a de saber se ele é ou não indenizável, nem ainda, se pode ou não ser cumulado com o dano material, mas sim o que vem a ser o próprio dano moral. Esse é o ponto de vista de partida para o equacionamento de todas as questões relacionadas com o dano moral, inclusive quanto à sua valoração.

Inúmeros são hoje os conceitos sobre a definição do dano moral, sendo também várias as posições da doutrina e da jurisprudência a respeito da sua configuração. Pode-se falar no conceito negativo, em que o dano moral seria qualquer sofrimento de caráter não-patrimonial. Ou então se buscar uma definição positiva em que o dano moral seria a lesão de um bem integrante da personalidade do indivíduo. Isto é, a violação de um bem personalíssimo tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, a privacidade, a imagem, o nome, etc.

Na atualidade, busca-se tutelar o interesse da pessoa humana, a fim de que os bens jurídicos integrantes da personalidade, mais preciosos do que o próprio patrimônio, sejam resguardados. Seria a defesa da dignidade, consagrada no inciso III do primeiro artigo da Constituição da República.

Entretanto, há quem critique que a reparabilidade por dano moral estaria hoje se transformando em uma indústria capaz de levar o instituto à uma vulgarização. Principalmente nas relações de consumo em que inúmeros são os casos levados ao conhecimento do Judiciário cotidianamente e, muitas das vezes, sem nenhuma plausividade jurídica capaz de justificar as pretensões apresentadas. Os tribunais são cada vez mais abarrotados por ações indenizatórias fundadas nos motivos mais esdrúxulos possíveis.

Em meio às novas tensões sociais geradas pela reparabilidade do dano moral, tem prevalecido o bom senso nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Um dos critérios para a configuração do dano moral baseia-se na demonstração de suas consequências, tais como dor, vexame, tristeza, sofrimento e humilhação, que sejam capazes de comprovar a agressão à dignidade de alguém. Trata-se da prova do dano que, independentemente da inversão do ônus da prova, assegurada pelo artigo 6º, inciso VIII, do CDC, deve ser ao menos exposta pela vítima, tanto na petição inicial quanto em seu depoimento pessoal durante o momento da audiência de instrução.

Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra “Comentários ao Código Civil”, sustenta que a apuração do dano moral deve se restringir aos princípios da Constituição da República.

No tocante aos bens lesados e à configuração do dano moral, malgrado os autores em geral entendem que a enumeração das hipóteses previstas na Constituição Federal, seja meramente exemplificativa, não deve o julgador afastar-se das diretrizes nela traçadas, sob pena de considerar dano moral pequenos incômodos e desprazeres que todos devem suportar na sociedade em que vivemos. Desse modo, os contornos e a extensão do dano moral devem ser buscados na própria Constituição, ou seja, no art. 5º, n.º V (que assegura o “direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”) e n.º X (que declara invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”) e, especialmente, no art. 1º, n.º III, que erigiu à categoria de Estado Democrático “a dignidade da pessoa humana”.

O transtorno causado por fatos da relação de consumo precisa fugir à normalidade do dia a dia do homem médio, capaz de lhe causar a ruptura em seu equilíbrio emocional, interferindo profundamente em seu bem estar.
Nesse sentido, assim entendeu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

"Responsabilidade Civil. Dano Material e Moral. O dano moral se caracteriza pela humilhação ou sofrimento intenso porque passa uma pessoa, vexame, a dor que, fugindo a normalidade das coisas, vem a interferir de modo intenso no comportamento psicológico do indivíduo, acarretando angústias, aflições e desequilíbrio no seu bem estar cotidiano. Aborrecimentos momentâneos que a vida moderna causa a todos que habitam os grandes centros, angústias pelo fato de os serviços públicos não funcionarem, somente em caráter excepcional é que podem dar como causa a indenização fundada em dano moral. Não caracterização do dano moral." (Ap. 3327/97 – Reg. 24/04/98, 1ª. C. Cív. TJRJ, unânime, Rel. Paulo Sérgio Fabião)

Por sua vez, o desembargador gaúcho Décio Antônio Erpen, ao relatar a Apelação Cível no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim argumenta:

"A prevalecer a tese de sempre que houver mora, ou qualquer contratempo num contrato, haveria o dano moral respectivo, estaríamos gerando uma verdadeira indústria dessas ações. Em breve teríamos um tribunal especializado, talvez Tribunal do Dano Moral. A vida vai ser insuportável. (...) O Direito existe para viabilizar a vida – a e vingar a tese generosa do dano moral, sempre que houver um contratempo vai culminar em truncá-la, mercê de uma criação artificiosa. Num acidente de trânsito haverá dano material sempre seguido de dano moral. No atraso de voo haverá a tarifa mas o dano moral será maior. Nessa nave de o dano moral estar presente em quase todas as relações humanas não pretendo embarcar. Vamos atingir os namoros desfeitos, as separações de casais, os atrasos nos pagamentos. Ou seja, a vida a serviço dos profissionais de direito. Se a segurança jurídica também é o valor supremo do Direito, devemos por em prática mecanismos tal qual simplifique a vida sem se estar gerando um estado generalizado de neurose do suspense." (Apelação Cível n.º 596.185-181)

E, no mesmo sentido, desta maneira decidiu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 215666/RJ, de que foi o relator o Ministro César Asfor Rocha:

"CIVIL. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso parcialmente provido."

Enquanto o século XIX foi o século das grandes codificações, o século XX por muitos doutrinadores é visto como a era dos “novos direitos”, entre os quais se insere o direito do consumidor. Frutos das grandes transformações sociais decorrentes do desenvolvimento científico-tecnológico, principalmente no pós-guerra, os novos direitos representam a atualização do ordenamento jurídico, uma vez que os Códigos não foram capazes de acompanhar o dinamismo dessa evolução.

Os novos mecanismos de fabricação e distribuição de mercadorias, baseados na produção em massa, para suprimento das demandas decorrentes da grande explosão demográfica do século passado, deram ensejo ao surgimento de novos instrumentos jurídicos nas relações de consumo. Diversas práticas abusivas cometidas pelos fornecedores configuravam verdadeiras injustiças, as quais não estavam sendo mais disciplinadas pelo direito material tradicional, que se tornou ineficaz de prestar uma efetiva proteção ao consumidor. Segundo o civilista português João Calvão da Silva, o “ideário liberal individualista era hostil ao consumidor; erguia-se como verdadeiro dique à proteção dos seus interesses”. (apud CAVALIERI FILHO, Programa de Responsabilidade Civil. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 461)

Dentro deste contexto, buscou o legislador, através da Seção IV do Capítulo V do Código de Defesa do Consumidor, prever exemplificativamente como prática abusiva uma série de comportamentos que abusam da boa fé do consumidor e de sua condição de hipossuficiência técnica, econômica e jurídica, considerando-as como ilícitos, independentemente da ocorrência de algum dano ou da existência de uma relação contratual.

No entanto, durante a fase em que o projeto do CDC passou pelo seu processo legislativo, a sanção que era prevista no artigo 45 foi estranhamente barrada pelo veto presidencial, não restando assim para o consumidor outra solução além da obtenção de uma sentença favorável em uma ação de obrigação de fazer (ou de não fazer), ser indenizado na forma do artigo 6º, inciso VII (desde que ocorra o dano), ou requerer a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28). O texto do dispositivo vetado por Fernando Collor assim dizia:

Art. 45 (vetado) - As infrações ao disposto neste Capítulo, além de perdas e danos, indenização por danos morais, perda dos juros e outras sanções cabíveis, ficam sujeitas à multa de natureza civil, proporcional à gravidade da infração, cominada pelo juiz na ação proposta por qualquer dos legitimados à defesa do consumidor em juízo.

A ideia de se criar uma pena civil para reprimir as práticas abusivas nas relações de consumo foi sem dúvida louvável. Porém, algumas críticas podem ser feitas à esta proposta original do projeto de lei. Uma delas é que deixar a fixação da multa ao arbítrio do juiz não somente obrigaria a parte a ajuizar a demanda, desprezando a esfera administrativa, como deixaria a sua valoração ao exclusivo critério do magistrado, sem que houvesse nenhum direcionamento normativo no tocante à quantificação.

Para cada tipo de ato ilícito praticado nas relações de consumo deve haver, sempre que possível, uma multa específica ao fornecedor. Os limites devem ser previamente delineados pela norma, fixando os valores máximos e mínimos que poderão ser aplicados, ou do contrário haverá uma grande instabilidade jurídica na sociedade. Tal como a regra do parágrafo único do artigo 42 do CDC já existente, outros ilícitos abusivos, mesmo os que não estão especificados entre os incisos do art. 39, podem e devem ser apenados pelo normatizador.

A sanção imposta pelo artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor possui traços de semelhança com a regra do artigo 940 do Código Civil (correspondente ao artigo 1.531 do Código Civil de 1916), apesar de apresentar alguns diferenças. Trata-se, porém, de um dispositivo que foi oportunamente elaborado pelo legislador a fim de disciplinar a cobrança de dívidas extrajudiciais nas relações de consumo. Conforme a lição de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos autores do anteprojeto do CDC, a pena dispositivo em questão consiste nisto:

A pena do art. 42, parágrafo único, rege-se por três pressupostos objetivos e um subjetivo (= “engano justificável”). No plano objetivo, a multa civil só é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser extrajudicial; finalmente deve ela ter por origem uma dívida de consumo. Sem que estejam presentes esses três pressupostos, aplica-se, no que couber, o sistema geral do Código Civil. (GRINOVER et. Al., Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, pp. 394 e 395)

Sendo, porém, o débito indevido cobrado através de ação judicial, aplica-se o disposto no artigo 940 do CC. A sanção da lei especial só encontra cabimento quando o fornecedor direta ou indiretamente cobrar e receber, através dos meios extrajudiciais, a importância considerada como indevida. Além disso, é preciso que o fornecedor venha a agir com dolo ou culpa para ser penalizado ao pagamento do indébito em dobro. O engano é justificável exatamente quando não decore de dolo ou de culpa. É aquele que, não obstante todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se. Sobre o valor desta multa, nem sempre será tomado por parâmetro o valor da quantia paga. A repetição do indébito em dobro é calculada apenas sobre a importância excedida, porém a própria sanção poderá ser acrescida de juros e de correção monetária.

Ao contrário do Código Civil, o art. 42, parágrafo único, prevê, expressamente, a atualização monetária do valor pago indevidamente (e da própria sanção); também determina-se o pagamento de juros legais. Claro está que, além da sanção propriamente dita,da restituição do que pagou indevidamente e dos juros legais, o consumidor – embora não dito expressamente no dispositivo – faz jus a perdas e danos, desde que comprovados. É, novamente, a regra geral do art. 6º, VII.

Justamente pelo fato da pena não se confundir com a reparação é que não se pode afirmar que a repetição do indébito em dobro excluiria qualquer ressarcimento ou compensação que precisem ser feitos ao consumidor. Se este, agindo de boa fé, pagou por valores a maior não reconhecidos em sua conta telefônica, e o excesso causou-lhe consideráveis transtornos em seu cotidiano em virtude do desfalque em sua baixa renda mensal, nada obsta que seja proposta uma ação de reparação de danos em face da concessionária.

No entanto, há inúmeras outras situações nas relações de consumo que precisam ser civilmente apenadas. Principalmente quando se tratar da prestação de um serviço público por empresas concessionárias, as quais habitualmente utilizam-se de práticas abusivas e de métodos coercitivos contra os seus usuários, além de cometerem inúmeras falhas quanto à qualidade da comodidade oferecida. Não basta que haja uma expressa proibição em lei ou ato regulamentar. O descumprimento, desde que culposo ou doloso, precisa ser punido eficazmente, sendo que o melhor “fiscal” sempre será o consumidor.

Diga-se de passagem que a aplicação de multas pelo Estado e a reversão dos respectivos valores para um fundo oficial nem sempre será um eficaz procedimento contra as práticas abusivas. Em se tratando de interesses indivisíveis não há o que se discutir, mas quando o ato atingir diretamente o consumidor, este poderá requerer o pagamento da multa cominada através das vias administrativas ou judiciais.

Por exemplo, se a infração for praticada contra o meio ambiente, tipo a poluição de um rio por uma indústria, não ficaria ao alcance do consumidor requerer a aplicação de uma pena privada contra o fornecedor porque tal situação se caracteriza pela predominância do interesse difuso. Contudo, se o consumidor for alvo da recusa na prestação de um serviço, após ter comprovadamente solicitado, poderá exigir que se aplique uma penalidade. Ou, se ele receber um produto que ponha em risco a sua segurança e integridade física, independentemente de uma eventual composição em perdas e danos, bem como da rescisão contratual, poderá pedir a aplicação da multa.

Não tenho a pretensão de discutir agora quais todas as hipóteses nas relações de consumo mas quais seria cabível a aplicação de uma multa civil aos fornecedores, mas apenas apresentar a idéia quanto a esta necessidade do direito brasileiro. Os fatos que merecem uma apenação precisam ser valorados caso a caso pelo normatizador. É cediço, porém, que as práticas comerciais na sociedade de consumo caracterizam-se por um extremo dinamismo e mutabilidade ditadas pela massificação das relações econômicas. A velocidade como esse processo evoluiu evidencia que a definição de um fato como prática comercial passa por constantes reavaliações e conceitos.

Quanto aos serviços públicos, o mesmo não poderia ser diferente. E, devido ao processo de desestatização pelo qual foi submetido o Estado, em que as antigas empresas estatais se transformaram em pessoas jurídicas do setor privado, através da descentralização por delegação, eis que alguns serviços passaram a ser prestados dentro do sistema de concessão.

No processo de modernização do Estado, uma das medidas preconizadas pelo Governo foi a criação de um grupo especial de autarquias a que se convencionou chamar de agências, cujo objetivo institucional consiste na função de controle de pessoas privadas incumbidas na prestação de serviços públicos, em regra sob a forma de concessão ou permissão, e também na de intervenção estatal no domínio econômico, quando necessário para evitar abusos nesse campo, perpetrados por pessoas da iniciativa privada.

As agências reguladoras têm como atribuição principal o controle em toda a sua extensão, dos serviços públicos prestados e o exercício de atividades econômicas, fiscalizando a atuação dos concessionários, com o objetivo de promoverem a devida adequação ao interesse público. Dentre as inúmeras finalidades dessas entidades encontra-se a satisfação do usuário quanto ao atendimento de suas necessidades.

Desde que haja expressa autorização legal, nada obsta que as agências reguladoras editem normas prevendo a punição dos concessionários através de multas civis que poderão ser requeridas pelo usuário que for vítima da infração. Seja por decreto, ou por resolução de um órgão colegiado dessas autarquias, é possível criar um regulamento capaz de abranger um grande número de práticas abusivas com suas respectivas multas. Inclusive, é recomendável até que qualquer proposta nesse sentido seja submetida previamente a consulta pública durante um período a fim de que a participação do cidadão interessado possa respaldar a legitimidade democrática do ato normativo que será aprovado.

Em que pesem as críticas de parte da doutrina sobre a constitucionalidade do regulamento autônomo, aos poucos as normas das agências reguladoras vão sendo aceitas pela sociedade, sendo aplicadas até mesmo em sentenças judiciais. É certo, porém, que deve ser respeitada a hierarquia normativa a fim de que uma resolução editada pelo Conselho Diretor de uma agência não se torne contra legem. Nesse sentido, assim se posiciona Egon Bockmann Moreira sobre o regulamento autônomo:

"Não é viável que a autoridade administrativa inaugure a ordem jurídica através da emanação de regras que restrinjam o universo de direitos constitucionais e (ou) legalmente assegurados aos administradores. Contudo, é possível aos regulamentos gerar deveres, direitos e obrigações, desde que, expressa e previamente autorizados em lei (ainda que de forma abstrata). Não somente na condição de atos executivos, mas criando prescrições legalmente autorizadas. A lei fixa o “estândar” genérico, outorgando com precisão para a autoridade administrativa específica, o título competencial básico, que a autoriza a criar" (“Agências Administrativas, Poder Regulamentar e o Sistema Financeiro Nacional”, in Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp. 102 e 103)

Num país sedento por justiça, é perfeitamente compreensível porque tantas pessoas têm ingressado com suas ações nos Juizados Especiais, fato que provavelmente ainda continuará a se repetir nos próximos anos porque apenas uma fração da sociedade descobriu a tutela jurisdicional e vislumbrou os seus próprios direitos. Aliás, é bastante comum que muitos estudantes das ciências jurídicas, depois de aprenderem que são titulares de inúmeros direitos e garantias, como foi meu caso, comecem então a ajuizar as suas ações individuais enquanto se encontram na própria faculdade. Seja com o intuito de experimentarem o sistema ou de resolverem grandes e pequenos problemas de suas vidas até então em aberto.

Sem dúvida que o direito à inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, item VIII da Lei n.º 8.078/90 e mais a isenção de custas e de honorários advocatícios nos Juizados Especiais, consoante a Lei n.º 9.099/95, colaboram para que essa energia há tantos anos contida na sociedade brasileira se canalize para as relações de consumo. Porém, espera-se que, com a criação de novos direitos que permitam consumidor punir o fornecedor em situações de descumprimento do dever jurídico, o dano moral tornar-se-á mais perceptível pela sociedade brasileira, passando a cumprir o seu verdadeiro papel de resguardar valores mais elevados como aqueles que estão exemplificativamente determinados no artigo 5º, inciso X da Carta Magna: a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Assim, seriam reduzidas consideravelmente o número de demandas judiciais fundadas em reparações por dano moral. As multas ou as “novas indenizações” ficariam padronizadas pela legislação, o que possibilitaria a composição do conflito entre as partes ou através dos órgãos de proteção ao consumidor em razão da maior certeza que haverá em relação ao resultado do conflito, evitando-se a indesejável banalização do instituto.

OBS: A ilustração acima foi retirada do site do Senado Federal em http://www.senado.gov.br/noticias/relacoespublicas/legislacao/legislacao.html
Elaborei inicialmente este texto quando ainda me encontrava na faculdade, em 2004. Estas são as fontes bibliográficas que auxiliaram na redação do artigo:

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1965.

BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930.

BIBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 4. ed. Rev. São Paulo: Vida, 1996.

CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. Ver., atual. E ampl. São Paulo: RT. 2000.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo. 10. ed. Rev. Ampl., e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

CEDAN, Paolo. Il dolo nella responsabilità extracontratual. Torino: Giappichelli, 1931.

CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. Vol. 3. São Paulo: RT, 1987.

ESPÍNOLA, Eduardo. Breves anotações ao Código Civil brasileiro. Bahia: 1918.

FISCHER, Hans Albrecht. Reparação dos danos no direito civil. Tradução de Antônio Arruda Férrer Correia. São Paulo: Saraiva, 1938.

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. 3. ed. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1876.

GABBA, C. F. Questioni di diritto civili. Tourino: Fratelli Bocca, 1911.

GOMES, Orlando. Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil. Volume 11. São Paulo: Saraiva, 2003.

GRINOVER, Ada Pelegrini; et. all. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

IHERING, Rudolf von. L’ espirit de droit romain. 2. ed. Paris: 1880.

LACERDA, Romão Côrtes de. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Jacyntho Ribeiro dos Santos, 1929.

LIMA, Souza. Tratado de medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1912.

MOREIRA, Egon Bockmann. “Agências Administrativas, Poder Regulamentar e o Sistema Financeiro Nacional”, in Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em história. 4. ed. Rev. Ampl., e atual. Nova Friburgo: Imagem Virtual, 2002.

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SILVA, Wilson Mello da. O dano e a sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983

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