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domingo, 27 de março de 2011

“Está nascendo um novo líder no morro do pau da bandeira”

Ao assistir “Tropa de Elite 2”, observei que um trecho da música “Zé do Caroço” de Leci Brandão aparece brevemente no filme. Sua inserção dá a entender que o “novo líder” seriam os milicianos que estão ocupando o lugar dos traficantes nas comunidades carentes do Rio de Janeiro.

Sem dúvida, o filme foi um recorde de bilheteria em 2010 e na história do cinema nacional, visto que, desde “Dona Flor e seus dois maridos”, jamais outra produção brasileira havia motivado tanto o público. E há quem diga que, se Tropa 2 houvesse passado antes das eleições, o desempenho de Sérgio Cabral teria sido influenciado em sua re-eleição ao governo do Rio de Janeiro. Pelo menos em relação aos números da sua votação, o que provocaria talvez um segundo turno e daria ao Gabeira uma melhor expectativa para as eleições municipais de 2012.

Há tempos que deixei de morar no Rio de Janeiro embora seja nascido lá. E, mesmo quando vivia na Cidade Maravilhosa, não cheguei a conhecer suficientemente a realidade de uma favela. Fui criado no Grajaú, bairro da Zona Norte carioca, sendo que apenas estive de passagem em alguns locais considerados como sendo de risco, tendo conhecido mais sobre as comunidades carentes pelas empregadas domésticas moradoras destas áreas, as quais trabalharam para minha família. Minha criação numa localidade de classe média do Rio de Janeiro e na mineira cidade de Juiz de Fora não me permitiram conhecer algo além daquilo que a mídia costumava mostrar nos telejornais. Então, quando assistia as notícias, eu me revoltava pela falta de ação do Poder Público, desejando que as forças policiais um dia invadissem todos os morros cariocas.

Contudo, ao conhecer minha esposa Núbia, passei a ter contatos com algumas comunidades carentes da região do Fonseca, bairro de Niterói, no lado oposto ao Rio de Janeiro na baía de Guanabara. Quando começamos a namorar, em 1999, ela e sua família moravam numa das várias comunidades dominadas pelo tráfico de drogas. Na época, os comandos disputavam entre si aquelas áreas pois se tratam de importantes pontos para o negócio ilícito próximos à movimentada Alameda São Boaventura, uma das principais vias de acesso no município de Niterói.

Lembro que, atrás de uma das casas onde a família de minha esposa chegou a morar, há vários anos atrás, instalou-se uma contabilidade clandestina do tráfico e que estava situada no mesmo terreno de um mesmo proprietário. Não se vendia drogas no local, mas os membros da organização criminosa guardavam o dinheiro daquele comércio, sendo que a existência de uma família de pessoas trabalhadoras na residência da frente acabava servindo para encobrir as atividades. E, quem morava na área jamais iria ousar fazer uma denúncia, sabendo que seria uma fria colaborar com a polícia. Ainda mais quando não se tem outra opção melhor para morar e nenhuma proteção do Estado. Então, certo dia, um dos meliantes subordinados ao tráfico ficou “devendo” dinheiro aos PMs por algum motivo ilícito e os agentes resolveram cobrar a quantia indo até onde o meu falecido sogro morava. Sem portarem qualquer mandado judicial, abordaram com armas uma residência de pessoas trabalhadoras no horário noturno e perturbando a paz de uma família que nada tinha a ver com o movimento de drogas na localidade.

Atualmente, o governo do Rio de Janeiro tenta mostrar ao mundo uma realidade diferente, como se a Cidade Maravilhosa tivesse voltado a ter paz. No final de 2010, quando foram feitas operações militares no Complexo do Alemão, o Brasil inteiro parou diante das imagens de TV como se a situação estivesse mesmo mudando com a expulsão dos bandidos de uma das principais áreas de venda de drogas do país que antes já era comandada de dentro dos próprios presídios. Mas será que o governo alcançou a tão desejada pacificação? Ou tudo não se trata de uma grande farsa para o Obama ver e o mundo acreditar que poderá comprar os pacotes para assistir aos jogos olímpicos de 2016?

Tenho pra mim que, a exemplo do que mostra o filme Tropa de Elite 2, estamos assistindo a substituição de um líder por outro (ou de um sistema por outro). Sai o traficante e entra um novo ditador nas comunidades – o miliciano. Os bandidos perdem seu principal “emprego”, mas mudam de atividade (vão investir em assaltos, por exemplo) ou procuram outra cidade, sendo que uma parte do negócio ilícito de drogas e de armas parece continuar sendo movimentado por gente de confiança e dentro de um volume controlado, mas sob uma tolerância do Estado. O interior fluminense corre o risco de tornar-se mais violento e as demais metrópoles do país, como as capitais do Nordeste, parecem que estão virando o novo “mercado” dos traficantes cariocas.

Apesar de tudo, creio que há uma interação dialética no desenrolar dos fatos, permitindo que a crise de transição dessas comunidades abra caminho para a construção de uma nova realidade socialmente mais inclusiva. Não acho que o Rio de Janeiro mudará por causa da presença policial nas favelas ou porque os governos apresentam projetos eleitoreiros de re-urbanização, os quais tornam-se paliativos. Acredito, porém, que a presença de pessoas da sociedade civil fiscalizando o Estado pode fazer alguma diferença e influenciar na organização dos moradores dessas áreas sofridas afim de que defendam seus direitos e não se tornem vítimas da opressão dos políticos que hoje governam este estado. E aí a classe média intelectualizada tem diante de si o desafio de sair de seus bares e cafés elitizados afim de contribuir decisivamente para transformar a realidade social.

OBS: A foto acima foi extraída do site de notícias do Estado do Rio de Janeiro - o Portal do Governo: http://www.rj.gov.br/web/guest

2 comentários:

  1. rodrigo, comigo aconteceu exatamente a mesma coisa. eu nunca tinha pisado numa favela até o ano de 2002 quando comecei namorar minha esposa que morava numa delas. e olha, o impacto é grande. não só pelo movimento do tráfico mas também pela clima que a favela tem que é algo extraordinário.

    um povo feliz, apesar de tudo. o que eu via lá era crianças e adolescentes brincando nas ruas, o povo sentado nas calçadas, bebendo suas cervejas e conversando como se ao lado não houvesse gente comprando drogas e soldados do tráfico fazendo a segurança.

    a favela tem um potencial extraordinário. eu quero ser otimista e pensar que as upps são prá valer e que vão permitir que a favela aparece por outros motivos que não a guerra entre traficantes e entre traficantes e policiais.

    a concepção das upps não é só levar a polícia à favela em caráter definitivo, mas sim, levar o estado de direito e melhorias socias.

    na teoria é um belo plano. mostrou que o poder do tráfico era ridículo, aliás, coisas que o estado sempre soube mas muitos usaram o tráfico como tema para receber votos.

    é claro que uma coisa assim sempre pode degenerar em autoritarismo da parte dos policiais que podem de fato, virar os novos "donos" da favela.

    torço muito para que isso aconteça(por que vai acontecer) somente em casos isolados e que no geral, a face do rio mude, como tem mudado até agora.

    ah, deixei uma resposta prá você lá no blog. depois confere.

    abraços

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  2. Olá Eduardo,

    Muito interessante também o seu relato e as observações que fez a respeito da favela.

    Realmente são comunidades onde a integração social é maior do que nos bairros da classe média ou até nos próprios condomínios edilícios.

    Embora muitas crítias e preocupações possam ser levantadas em relação às UPPs, como no filme, acho que a situação atual não deixa de ser uma oportunidade de pacificação e crescimento comunitário. E aí vejo que a Igreja tem o seu papel fundamental em influenciar tais comunidades.

    Se no passado a voz da Igreja foi na maioria das vezes omissa, como se tivesse que preocupar-se apenas com o "espiritual", conforme o regime militar desejava, hoje, com a democracia e uma consciência mais livre do medo, temops a oportunidade de transformar a realidade dessas áreas e formar comunidades cidadãs.

    Assim como você, sou otimista. Apenas evito agir com ingenuidade diante do que os governos fazem.

    Abraços e volte sempre!

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