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domingo, 16 de abril de 2017

Um domingo triste que se tornou alegre




Quando criança, não costumava me animar com as tardes de domingo. Aliás, era o dia no qual menos me alegrava porque tinha a consciência de que o prazeroso lazer do final de semana estava se acabando e que, na manhã seguinte, teria escola e uma rotina totalmente diferente, De todos os momentos, o mais angustiante eram as tardes dominicais, quando terminava o almoço, alguns adultos iam descansar na cama e eu, ainda muito agitado (até hoje sou), percebia as últimas horas do dia passar antes do sol se por. Sentia então um certo vazio ainda mais se estivesse passando um entediante jogo de futebol, coisa que só fui apreciar posteriormente na pré-adolescência.

Todavia, eu me animava um pouco à noite quando assistia o show dos Trapalhões na televisão, um programa de humor que se iniciava sempre às 19hs para terminar pontualmente às 20hs, horário do Fantástico. As palhaçadas do Didi, personagem de Renato Aragão, me faziam rir e distrair a mente de modo que, aos poucos, ia aceitando melhor a ideia de que a manhã seguinte seria segunda-feira.

Hoje tenho a consciência de que meus sentimentos nostálgicos de domingo possa estar ligado às despedidas. Pois sendo um filho único de pais divorciados (dos três aos sete anos de idade), precisei me habituar com as dolorosas separações que se repetiram até que me tornei órfão do lado paterno em setembro de 1983. E, quando recebi a terrível notícia, uns três dias depois do óbito, o enterro já havia acontecido e não foi fácil aceitar a ideia de que nunca mais veria meu pai.

Acredito que por esse motivo eu tenha uma certa identificação com o texto de Lucas 24, versos 13 a 33, que conta a experiência dos discípulos de Emaús no dia em que Jesus havia ressuscitado. Os dois homens, ao buscarem uma psico-adaptação quanto à perda do Mestre, resolveram partir de Jerusalém para a aldeia onde viviam numa caminhada de aproximadamente duas horas. Conta-nos o evangelista que:

"Naquele mesmo dia, dois deles estavam indo para um povoado chamado Emaús, a onze quilômetros de Jerusalém. No caminho, conversavam a respeito de tudo o que havia acontecido. Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles; mas os olhos deles foram impedidos de reconhecê-lo. Ele lhes perguntou: "Sobre o que vocês estão discutindo enquanto caminham? " Eles pararam, com os rostos entristecidos. Um deles, chamado Cleopas, perguntou-lhe: "Você é o único visitante em Jerusalém que não sabe das coisas que ali aconteceram nestes dias?" "Que coisas? ", perguntou ele. "O que aconteceu com Jesus de Nazaré", responderam eles. "Ele era um profeta, poderoso em palavras e em obras diante de Deus e de todo o povo. Os chefes dos sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram; e nós esperávamos que era ele que ia trazer a redenção a Israel. E hoje é o terceiro dia desde que tudo isso aconteceu. Algumas das mulheres entre nós nos deram um susto hoje. Foram de manhã bem cedo ao sepulcro e não acharam o corpo dele. Voltaram e nos contaram que tinham tido uma visão de anjos, que disseram que ele está vivo. Alguns dos nossos companheiros foram ao sepulcro e encontraram tudo exatamente como as mulheres tinham dito, mas não o viram". Ele lhes disse: "Como vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o que os profetas falaram! Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória? " E começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras. Ao se aproximarem do povoado para o qual estavam indo, Jesus fez como quem ia mais adiante. Mas eles insistiram muito com ele: "Fique conosco, pois a noite já vem; o dia já está quase findando". Então, ele entrou para ficar com eles. Quando estava à mesa com eles, tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu a eles. Então os olhos deles foram abertos e o reconheceram, e ele desapareceu da vista deles. Perguntaram-se um ao outro: "Não estavam ardendo os nossos corações dentro de nós, enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?" Levantaram-se e voltaram imediatamente para Jerusalém. Ali encontraram os Onze e os que estavam com eles reunidos" (Lucas 24:13-33; NVI) 

O que muito me impressiona nessa passagem da literatura bíblica, amigos, é como aquele domingo até então triste para os dois homens tornou-se um dia feliz. Enquanto eles andavam pela estrada e o sol se punha naquela tarde primaveril do Hemisfério Norte (obviamente numa cena menos bucólica que a do quadro europeirizado de Jan Wildens), o que era melancolia foi se tornando alegria. Talvez eles ainda não estivessem conscientes, mas algo já acontecia no íntimo daqueles dois seguidores de Cristo.

Que alegria deve ter sido para Cleopas e seu companheiro de viagem saber de que a morte não tivera poder sobre Jesus! O sabor do lanche ao cair daquela tarde foi a reveladora presença de quem eles tanto amavam, o que tornou o começo de noite como se fosse um belo amanhecer de modo que resolveram por novamente os pés na estradas a fim de procurar pela Igreja em Jerusalém, isto é, pelos onze apóstolos.




Não pode passar sem comentários o fato de Jesus ter desaparecido diante dos dois discípulos tornando a ser reencontrado por eles no lugar onde os demais irmãos se achavam reunidos na Cidade Santa. Por isso, jamais devemos descartar o ensinamento dessa passagem, quanto à percepção da presença do Cristo pela nossa comunhão com a Igreja.

É certo que não acharemos nenhum poder mágico nos nossos irmãos espirituais, mas tão somente a companhia de pessoas igualmente limitadas como também somos e que poderão agregar valor à caminhada que fazemos na vida. Mas é nessa sagrada reunião, na qual se vê ao mesmo tempo orações, ensino, adoração, cânticos de louvores e convivência humana amorosa que descobrimos Cristo juntamente com o significado da Vida. 

Naquele domingo de cerca de dois mil anos atrás, a mais triste Páscoa dos dois discípulos no caminho de Emaús acabou se tornando a mais feliz quando seus olhos se abriram tendo eles retornaram depressa para Jerusalém. E acredito que o mesmo ocorre conosco não necessariamente quando somos membros de uma instituição religiosa, mas quando os nossos corações também se abrem para aceitar a realidade espiritual eterna transcendendo aquilo que os sentidos racionalmente percebem.

Desejo a todos uma feliz Páscoa e um excelente começo de semana com Cristo.


OBS: A primeira imagem acima refere-se à obra do pintor e desenhista flamengo Jan Wildens (1586  – 1653) enquanto a segunda ilustração corresponde a um quadro feito por Rembrandt (1606 — 1669), sendo ambos pertinentes ao relato bíblico conforme extraído do acervo virtual da Wikipédia.

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