Páginas

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Coexistência dentro da família




Na vida estabelecemos relacionamentos voluntários e outros que não partem da nossa vontade. Enquanto o cônjuge/companheiro e os amigos seriam exemplos de relações escolhidas (pelo menos na nossa cultura atual os casamentos não são mais impostos pelos pais), eis que os parentes, afins, colegas de trabalho e vizinhos surgem em nossa caminhada independentes de os querermos conosco. Você simplesmente nasce numa família, quer goste dela ou não.

Pelo que observo, é nessa área de relacionamentos involuntários que surgem os maiores conflitos da humanidade. Desde que o mundo é mundo, irmãos já brigavam entre si como nos mostra a narrativa bíblica de Gênesis 4 sobre Caim e Abel (se bem que este foi apenas vítima da maldade do primogênito). Também as lendas gregas estão repletas de tragédias envolvendo pais e filhos assim como a historia de vários povos, inclusive na luta pelo poder político dentro das monarquias.

Talvez um dos motivos de haver tantos problemas relacionais num ambiente familiar seria o fato de um exigir do outro algo mais do que a responsabilidade e o respeito. Surge entre parentes uma situação de afetos não correspondidos e de obrigações que passam a ser desproporcionalmente cobradas. O ciúme arde entre irmãos e pais projetam nos filhos os próprios sentimentos. Um ente começa a assediar o outro querendo receber excessiva atenção e influenciar nas escolhas existenciais que cabe somente ao próprio sujeito decidir, a ponto de sufocarem a liberdade individual.

A listagem de conflitos é enorme. Não tenho tempo e nem conhecimento para falar a respeito de todos os itens. Acho que nem um psicólogo com especialização e curso de doutorado saberia explicar tudo na vastidão do universo do comportamento humano. Porém, com base na experiência ensinada pela vida, chego à conclusão de que basta às pessoas se respeitarem e cumprirem com seus papéis. Parentes não precisam se tornar amigos íntimos, mas eles podem se amar. E pra amar não é necessário você simpatizar, identificar-se ou até mesmo gostar do outro com grande admiração.

Analisando as Escrituras, vejo que a Bíblia ordena aos filhos obedecer e honrar aos pais. Contudo, se interpretarmos o mandamento do Decálogo como via de mão dupla, concordaremos que o dever é recíproco. Ou seja, devem os pais respeitarem os filhos, o que significa reconhecerem os limites da intimidade e da vida privada do descendente, não tomando atitudes assediadoras tipo se intrometerem nos relacionamentos afetivos, na educação dos netos, nas escolhas profissionais, na fé religiosa ou no estilo de vida que o outro quer definir para si. Daí o apóstolo Paulo recomendar aos pais que "não provoqueis vossos filhos à ira" (Efésios 6:4) e também que "não os irriteis, para que não fiquem desanimados" (Cl 3:21).

Já encontrei muitos pais nas igrejas chorando pela partida do "filho pródigo" que teria se afastado "dos caminhos do Senhor". Entretanto, em muitos desses casos foi a própria família quem expulsou o rapaz ou a moça da esfera relacional, empurrando-o(a) para os abismos desse mundo hostil em que o amigo do bar acaba se tornando mais compreensível do que um parente religioso, moralista e julgador. Entre os homossexuais, por exemplo, muitas são as queixas dos filhos acerca do comportamento nada amoroso de seus respectivos pais cristãos e dos irmãos da igreja, os quais, nessas horas, parecem ignorar a maneira inclusiva como Jesus lidou com a humanidade 100% pecadora.

Acho que nem preciso entrar no mérito se homossexualidade seria opção ou condição do indivíduo bem como a respeito de ser conduta reprovável, segundo a Bíblia. Tal debate não seria aplicável a esse artigo pois, independentemente dos nossos valores éticos e culturais, precisamos aprender a considerar o outro como um ser humano digno. O pai pode não concordar com as escolhas do filho, mas não deve romper o relacionamento com ele ou estabelecer condicionantes absurdas, aquelas do tipo "só falo com você se fizer isso ou deixar aquilo", visto que não compete ao genitor causar tais intromissões, sob pena de estar violando o livre arbítrio de alguém.

Termino esse texto deixando que cada qual reflita por si sobre até que ponto tem sido intolerante ou radical nos seus relacionamentos. Há casos em que as pessoas precisarão até de uma terapia e aí devemos ser corajosos para buscar ajuda. Afinal, trata-se de aprender os limites da coexistência, quer seja na teoria como na prática, o que, na certa, impõe a todos o dever de conduzir convenientemente as atitudes individuais tomadas.

Uma ótima semana aos meus leitores!

Nenhum comentário:

Postar um comentário