A vida de Abraão pode ser caracterizada por duas coisas que o patriarca costumava fazer: (i) suas peregrinações em busca de uma terra para se fixar com os seus animais; e (ii) o erguimento de altares para ir renovando/aprofundando o relacionamento que teve com Deus. Cada lugar onde viveu tem uma significação espiritual demonstrando para nós uma progressiva caminhada de elevação até alcançar o nível mais alto em Gênesis 22, quando o Senhor resolve prová-lo pedindo que levasse o filho Isaque para ser sacrificado (claro que um anjo impediu-o de consumar a oferta).
Tão logo chegou a Canaã, Abraão levantou um altar a Deus em Siquém, junto ao carvalho (ou terebinto) de Moré. Naquele tempo, as grandes árvores eram usadas como locais de culto religioso pelos povos do antigo Oriente Próximo (e em outras culturas pelo mundo também). E, apesar desse costume ser considerado "pagão", Abraão não estava procurando por outras divindades, mas apenas pelo Senhor, tendo recebido ali a confirmação a respeito da futura posse da terra à sua descendência (Gn 12:6-7).
A respeito dos terebintos/carvalhos, vale transcrever aqui um interessante comentário feito pelo rabino Arieh Kaplan (1934-1983) traduzido por Adolpho Wasserman:
"(...) O terebinto da Torá é uma grande árvore (Pistácia atlântica) da família da sumac, também relacionada ao pistácio. Também, algumas vezes, é identificada com o carvalho. O terebinto podia viver por milhares de anos, chegando a alcançar, muitas vezes, o diâmetro de 6 m. O Terebinto de Moré poderia ter sido uma árvore particularmente grande e que serviria como marco na área (...)" - A Torá Viva - Os cinco livros de Moisés e as Haftarot. São Paulo: Maaynot, 2000, pág. 56.
Pouco nos é relatado na Bíblia sobre essa passagem de Abraão por Siquém e depois pelo local seguinte, entre as cidades de Betel e de Ai, onde outro altar foi edificado. Talvez o nome Betel (em hebraico Beth El), cujo significado em nossa língua seria "Casa de Deus", constitui a única pista que as Escrituras dão acerca dessa experiência sagrada. Ou seja, Abraão parece ter subido mais um degrau na sua intimidade relacional com o Senhor. Só que agora não mais debaixo de um carvalho, mas, sim, num monte (os povos antigos também faziam seus cultos religiosos nos altos das montanhas).
Vale ressaltar que, nas narrativas bíblicas sobre os velhos patriarcas hebreus anteriores a Moisés, inexiste a rígida observância de regras rituais na forma como ocorrerá nos livros seguintes da legislação mosaica. Abraão é mostrado como um homem comum que, ao escutar o chamado divino, deixa a casa paterna e sai a procura da Terra Prometida (Gn 12:1-6). Nesta busca é que ele vai aos poucos amadurecendo na fé e se santificando.
Entretanto, ocorreu que houve um período na vida de Abraão em que ele não ergueu altares ao Senhor. Ao deixar Betel e prosseguir até à região do deserto do Neguebe, no sul de Israel, o patriarca deparou-se com a triste realidade da fome. Deixando-se levar pela necessidade, ele atravessa então a fronteira de Canaã com o reino do Egito onde resolve se fixar.
Ora, o Egito, segundo podemos verificar pela sua geografia, tratava-se de um país próspero nos tempos bíblicos. O volumoso rio Nilo, tão extenso quanto o nosso Amazonas, era uma fonte permanente de água para a sua gente, proporcionando o abastecimento das casas, a irrigação das lavouras e a dessedentação dos animais, o que assegurava desenvolvimento econômico e atraía estrangeiros de inúmeros países. Ali, através da beleza de sua esposa Sara, a qual Abraão apresentou como sendo sua irmã, muitos benefícios foram concedidos pelo rei ao patriarca hebreu.
"Quando Abrão chegou ao Egito, viram os egípcios que Sarai era uma mulher muito bonita. Vendo-a, os homens da corte do faraó a elogiaram diante do faraó, e ela foi levada ao seu palácio." (Gn 12:14-15; NVI)
Só que não era esse o plano de Deus para a vida de Abraão! O Senhor havia lhe destinado uma terra cuja posse seria entregue à sua descendência. Esta deveria nascer de um casamento legítimo com Sara, a qual não poderia jamais pertencer a outro homem. E, mesmo que fosse o sujeito mais poderoso do mundo antigo, como eram os ricos faraós egípcios no segundo milênio antes de Cristo, a soberania divina encontra-se acima de todos os reis da Terra.
Ainda que nenhum altar tivesse sido erguido no Egito, Deus não esqueceu de seu servo. Por isso o Senhor castigou o governante egípcio que, ao saber por algum meio do matrimônio de Sara com Abraão, entendeu o motivo da repreensão divina e mandou que deportassem o casal com todos os bens adquiridos.
"Mas o Senhor puniu o faraó e sua corte com graves doenças, por causa de Sarai, mulher de Abrão. Por isso o faraó mandou chamar Abrão e disse: 'O que você fez comigo? Por que não me falou que ela era sua mulher? Por que disse que ela era sua irmã? Foi por isso que eu a tomei para ser minha mulher. Aí está a sua mulher. Tome-a e vá!'. A seguir o faraó deu ordens para que providenciassem o necessário para que Abrão partisse, com sua mulher e com tudo o que possuía." (Gn 12:17-20)
De volta à Terra Prometida, Abraão restabelece o altar que erguera no monte próximo a Betel. Ele retorna pelo mesmo caminho através do qual havia se afastado, atravessando novamente o deserto do Neguebe. Recorda-se do lugar onde, no princípio, havia armado a sua tenda e torna a invocar o nome do Senhor ali.
"Saiu, pois, Abrão do Egito e foi para o Neguebe, com sua mulher e com tudo o que possuía, e Ló foi com ele. Abrão tinha enriquecido muito, tanto em gado como em prata e ouro. Ele partiu do Neguebe em direção a Betel, indo de um lugar a outro, até que chegou ao lugar entre Betel e Ai onde já havia armado acampamento anteriormente e onde, pela primeira vez, tinha construído um altar. Ali Abrão invocou o nome do Senhor." (Gn 13:1-4)
Meus amados, todos nós nos desviamos de Deus nos nossos caminhos. Muitas vezes as diversas necessidades vêm nos tirar do propósito original de vida que o Senhor um dia preparou para que nos realizássemos dentro da sua vontade soberana. Aí fazemos escolhas erradas, aceitamos propostas sedutores que parecem ser financeiramente mais vantajosas, deixamos a família em segundo plano, arriscamos/relaxamos a aliança do casamento e nos esquecemos de cuidar do lado espiritual. Até na condução de um ministério eclesiástico também podemos nos afastar do Senhor procurando atalhos a fim de lotar templos, alcançar fama, prestígio, contribuições financeiras e poder político, mas que nem sempre promovem a edificação das pessoas como Jesus ensinou a seus discípulos.
Seja qual foi o rumo errado que tomamos, Deus nos quer de volta à sua Canaã espiritual. Ele deseja que restauremos o relacionamento, reiniciando do mesmo ponto onde nos desviamos. E, certamente, seremos novamente acolhidos com o seu terno amor e as muitas misericórdias.
De volta à Terra Prometida, Abraão ainda vai edificar novos altares ao Senhor e experimentar uma intimidade relacional cada vez maior, o que caracterizará a celebração de uma futura aliança e importará na mudança de nomes do casal (de Abrão para Abraão e de Sarai para Sara), como podemos ler no capítulo 17. No tempo devido, o milagre acontece na vida daquela família e a esposa, mesmo já idosa e até então considerada estéril, gesta um filho do seu marido colocando na criança o nome de Isaque.
Concluo esse texto, amados, lembrando da fidelidade do Senhor para conosco. Em Cristo, temos uma aliança eterna com Deus e jamais seremos abandonados. Por isso, devemos nos inspirar em Abraão, o "pai da fé", sendo certo que chegará a hora do cumprimento do propósito divino nas nossas vidas. Tudo conforme a vontade do nosso Pai Celestial e não a nossa! Pois, como a Bíblia e a experiência nos mostram, o Senhor tem sempre o melhor pro seu povo. Creia e não desista!
Tenham todos uma ótima quinta-feira com Jesus.
OBS: A ilustração acima refere-se a uma obra do artista húngaro József Molnár (1821 - 1899). Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia, conforme consta em https://pt.wikipedia.org/wiki/Abra%C3%A3o#/media/File:Moln%C3%A1r_%C3%81brah%C3%A1m_kik%C3%B6lt%C3%B6z%C3%A9se_1850.jpg
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