"O justo atenta para a vida dos seus animais,
mas o coração dos perversos é cruel."
(Provérbios 12:10; ARA)
Quem diria que, há quase três mil anos atrás, o escritor bíblico poderia expressar uma preocupação tão admirável para a sua violenta época de guerras, escravidão e matanças praticadas contra a própria espécie?! Sem dúvida o autor sagrado manifestou um pensamento que continua sendo elevado até para a ética dos nossos dias e que faz lembrar aquela célebre frase do Mahatma Gandhi em que a grande alma da Índia afirmou ser o grau de civilização de uma sociedade medido pela maneira como ela trata os seus animais.
É possível que o rei Salomão tenha sido o mais ecologista de todos os homens da Bíblia. Seja pelo dito de sabedoria acima citado, pelo que teria escrito em Eclesiastes 3:19-21 e também pelo estudo que teria empreendido acerca das plantas e dos animais (conf. 1Rs 4:33). Acho provável que o seu interesse pela natureza tenha servido de inspiração para ele ordenar as relações sociais e os elementos de seu governo em Israel.
Acredito que o respeito pela vida tende a ser desenvolvido quando aprendemos a admirar/reverenciar todas as suas formas. Uma criança que, desde cedo, é ensinada a cuidar carinhosamente dos bichos, reconhecendo o direito de viver e de ser livre dos animais, terá boas chances de se tornar um adulto tolerante em relação às demais pessoas em sua volta, aceitando melhor as diferenças, as escolhas alheias e o jeito de ser de cada um. Inclusive o próprio ideal de justiça no indivíduo pode ser despertado a partir daí, cabendo aos educadores aplicarem a Declaração Universal de Defesa dos Animais, da qual o nosso país é signatário (ler a reprodução de seu texto integral no final da postagem).
Apesar de ter já definido os meus candidatos no segundo turno destas eleições para governador e presidente, lamento não ter ouvido ainda de nenhum deles algum discurso satisfatório em defesa dos animais. E, por via de regra, os posicionamentos dos políticos sobre meio ambiente ainda vão de encontro a uma visão de mundo utilitarista bem distante de um biocentrismo que, por necessidade e evolução da humanidade, deverá marcar a ética do terceiro milênio. E isto poderá acontecer depois de passarmos pelo atual processo de sobrevivência planetária, o qual promete ser caótico para as gerações do presente e do futuro.
Outra lamentação que faço diz respeito ao direito civil brasileiro que ainda trata os animais como coisas (bens semoventes) ao invés de serem reconhecidos como sujeitos pelo legislador. Isto é, o nosso código de 2002, na equivocada conceituação de seu artigo 82 sobre os bens móveis, permite que os seres sencientes tornem-se objetos passíveis de ser propriedade, o que, conforme a posição de alguns juristas animalistas, constitui uma violação de princípios da Carta Magna. Trata-se, pois, de um tremendo atraso mental como bem ensina Haydeé Fernanda Cardoso ao falar acerca do assunto:
"Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sencientes, capazes de sentir, cada um a seu modo" (Os animais e o Direito: novos paradigmas. Revista Animal Brasileira de Direito, ano 2 - 2007, pág.132. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm)
Felizmente o artigo 225, §1º, inciso VII, da nossa Constituição cita a proteção dos animais pelo Poder Público contra atos de crueldade, o que nos dá alguma esperança quanto ao futuro quando os representantes das três funções estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) passarem a respeitar melhor as outras formas de vida além da nossa espécie. Porém, isso só irá de fato acontecer quando começarmos a desenvolver uma nova visão a respeito da vida que enxergue todos os seres sencientes como sujeitos de direitos visando o bem estar desses nossos irmãos já que tanto a elaboração de normas como a interpretação destas depende da valoração coletiva da sociedade. Enfim, pode-se dizer que estamos diante de uma questão de justiça como bem reconheceu a Bíblia há muito tempo atrás ao tratar da conduta do homem justo...
OBS: A ilustração acima refere-se a uma manifestação de ativistas vestidos com máscaras de animais e fantasias quando se reuniram em frente ao Ministério de Ciência e Tecnologia para protestarem contra os testes realizados nos animais. Os créditos da imagem são atribuídos a Marcelo Camargo/Agência Brasil, conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_dos_animais#mediaviewer/File:Protestoanimais.jpg
A N E X O :
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS PROCLAMADA PELA UNESCO EM SESSÃO REALIZADA EM BRUXELAS, EM 27 DE JANEIRO DE 1978
Preâmbulo:
Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais,
Proclama-se o seguinte
Artigo 1º
Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Artigo 2º
1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais
3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo 3º
1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.
Artigo 4º
1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.
2. Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.
Artigo 5º
1. Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.
2. Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.
Artigo 6º
1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.
2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Artigo 7º
Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.
Artigo 8º
1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.
2. As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.
Artigo 9º
Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.
Artigo 10º
1. Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.
2. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.
Artigo 11º
Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.
Artigo 12º
1. Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie.
2. A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.
Artigo 13º
1. O animal morto deve de ser tratado com respeito.
2. As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.
Artigo 14º
1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental.
2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.
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