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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um gesto de fé e de amor



"E eis que certo homem, chamado José, membro do Sinédrio, homem bom e justo (que não tinha concordado com o desígnio e ação dos ouros), natural de Arimateia, cidade dos judeus, e que esperava o reino de Deus, tendo procurado a Pilatos, pediu-lhe o corpo de Jesus, e, tirando-o do madeiro, envolveu-o num lençol de linho, e o depositou num túmulo aberto em rocha, onde ainda ninguém havia sido sepultado. Era o dia da preparação, e começava o sábado." (Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículos de 50 a 54; versão e tradução ARA)

Conforme tratamos no estudo anterior, Jesus havia morrido na "hora nova" da sexta-feira que correspondia às três da tarde. E, de acordo com a lei mosaica, o cadáver de um condenado à morte não poderia permanecer exposto no madeiro (Dt 21:22-23). O corpo do Mestre precisava ser enterrado antes do anoitecer e havia pouco tempo para isso. Até mesmo porque, com o por do sol, começaria o Shabat e ninguém mais poderia executar qualquer tipo de trabalho em cumprimento ao 4º mandamento.

Foi então que José de Arimateia, conselheiro do Sinédrio, teve a ousadia de ir até Pilatos pedir que lhe concedesse o corpo de Jesus. De acordo com o texto de Lucas, esse personagem, que só aparece no episódio do sepultamento (mas é citado nos quatro evangelhos), teria sido um "homem bom e justo". Informa ainda a narrativa que ele "esperava o reino de Deus", dando a entender o autor que se tratava de um discípulo do Senhor confirmando o relato de Mateus 27:57. Mesmo que o seguisse anonimamente de acordo com João 19:38.

Contudo, o 3º Evangelho parece reforçar a atitude de fé daquele homem quando diz não ter ele "concordado com o desígnio e ação dos outros". Assim, independe de ter estado ou não presente na reunião do Sinédrio que havia condenado Jesus (Lc 22:66-71), José veio a tomar uma posição bem clara e impossível de ser escondida. Ele proporcionou ao Mestre um sepultamento digno, não permitindo que fosse enterrado numa cova qualquer. Tendo envolvido o corpo num lençol de linho, depositou-o num túmulo novo "aberto em rocha". Fez ele uma doação exclusiva que, indubitavelmente, só estaria ao alcance de pessoas ricas.

Embora hoje os funerais estejam perdendo a importância em nossa cultural ocidental, não era assim entre os judeus e ainda presenciamos honrarias semelhantes entre diversos outros povos (vejamos, pois, como foi demorada a despedida de Nelson Mandela neste mês de dezembro em África do Sul). A Bíblia diz que o patriarca Jacó, depois de embalsamado, foi chorado por setenta dias no Egito (Gn 50:3). Contudo, as circunstâncias não permitiram que Jesus viesse a ter um funeral por causa da chegada do sábado e da maneira fundamentalista como era observado o 4º mandamento pelos judeus do primeiro século.

De qualquer maneira, mesmo que aquele local tenha tornado a ficar vazio, a conduta de José não foi esquecida por nenhum dos quatro evangelistas. Quer fosse por sua fé corajosa, demonstrada mais por atitudes do que por palavras, e também pelo amor que devemos entender em conformidade com os valores culturais da época, sabendo ele dar as devidas honras a Jesus na medida de suas posses.

Igualmente vejo que também os nossos pequenos gestos de fé e de amor não ficam esquecidos diante do Pai Celestial. Deus conhece o coração de cada ser humano e se alegra quando seus filhos fazem a sua vontade cuidando fraternalmente uns dos outros das mais diversas maneiras. Mesmo quando estamos protegendo a honra de uma pessoa justa que já partiu, dando a ela o devido respeito e consideração. Independentemente da valorização da sociedade, seremos sempre reconhecidos diante do Pai pelo bem que praticamos.

Tenham todos uma excelente semana cheia das mais ricas bençãos dos céus!


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A deposição da cruz do artista gótico flamengo Rogier van der Weyden, também conhecido como Rogier de Bruxelles, cujo nome verdadeiro era Rogier de la Pasture (1399/1400 - 1464). A obra encontra-se atualmente no Museu do Prado, Madri. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:El_Descendimiento,_by_Rogier_van_der_Weyden,_from_Prado_in_Google_Earth.jpg

2 comentários:

  1. José de Arimateia, pelos visto alguns dos exemplares apócrifos apresenta José de Arimateia como tio de Jesus. embora as escrituras padronizadas só ofereceram uma pequena parte que fala deste homem, os livros achados intocados, que estavam guardado no Mar Morto, apresentam uma visão de outra grande participação dele na vida de Jesus após a sua partida. Trata-se de Maria Madalena. Contanos a História de manuscritos antigos , que Arimateia ajudou Madalena a fugir da Judeia, por certo ela estava sofrendo perseguição assim como os demais membros da família de Jesus. Parece que uma fuga para o Egito foi providenciada por Arimateia. Uma outra vela história francesa da foz do rio Ródano, conta-nos que José de Arimateia foi o guardião do Sangraal, na forma de uma criança descrita como egípcia, o que se entende como "nascido no Egito". A probabilidade é de que, na época da fuga para o Egito, Maria Madalena haja demorado lá o tempo suficiente para ter o filho real, ou seja de Jesus. Isso abre um grande espaço para futuras investigações sobre a família que ele formou lá na Judeia. Porém não existem provas de nada disso, nem nas escrituras canônicas e nem nas apócrifas, pois o tempo destes eventos estão distantes. Só coloquei isso aqui para que tivéssemos a oportunidade de ver mais sobre o que se escreveu no passado sobre Arimateia. Obrigado

    Francisco Ribeiro.

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  2. Caro Francisco. Embora meu foco nesses estudos seja compreender o Evangelho de Lucas e extrair ensinamentos das suas narrativas, os escritos não canônicos sempre podem interessar para fins de investigar um pouco mais sobre os personagens bíblicos e como eles eram vistos pelos cristãos primitivos. As observações que fez reforçam o papel de José de Arimateia como sendo um seguidor oculto de Jesus. Alguém que, sem abandonar a sua posição de conselheiro do Sinédrio, ou quem sabe até ais do que isto, colabora com sua influência e recursos financeiros pelo bem dos demais irmãos, bem como da obra do Senhor. Falo isso sem precisar entrar no mérito da questão do suposto relacionamento entre Jesus e Maria Madalena o que, no meu ponto de vista, em nada altera a fé que Cristo Jesus me proporciona através do que ele fez por mim, na hipótese de ter tido esposa e filho. Valorizo muito a humanidade do Mestre que a si mesmo se referia como o "Filho do Homem". Ou melhor, como um ser humano igual a nós todos. Este também seria o ponto de vista dos judeus mais receptivos ao cristianismo. Abraços e tudo de bom.

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