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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino"




"Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. Respondendo-lhe, porém, o outro, repreendeu-o, dizendo: Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso." (Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículos de 39 a 43; versão e tradução ARA)

O 3º Evangelho nos fala com exclusividade de um diálogo que teria ocorrido na cruz envolvendo Jesus e dois outros homens que também tinham sido igualmente executados naquele mesmo dia junto com o Mestre. Embora haja quem considere não se tratarem de "malfeitores" propriamente ditos, mas, sim, de prováveis revoltosos contra Roma, talvez até membros do partido dos zelotes, pretendo seguir aqui o texto bíblico acima citado tirando dele o melhor proveito para a nossa edificação sem me preocupar com a exatidão de fatos históricos. Aliás, vale lembrar que muitos cometem crimes motivados por seus ideais políticos chegando a roubar, matar e praticar outros atos de violência/vandalismo por pensarem que os fins justificam os meios. Isto quando não são bandidos usando a máscara de rebeldes idealistas.

Assim como fizeram os soldados e a autoridades presentes no Calvário, um dos crucificados também zombava do Senhor. É possível que para ele Jesus fosse uma decepção nacional e o homem demonstrou incompreender o pacífico papel messiânico do nosso Salvador. Em sua visão estreita do Cristo, este deveria ter os poderes de um super herói e ser capaz de não permitir o seu sofrimento nas mãos do dominador estrangeiro.

A atitude daquele condenado lembra-me as temerárias orações que alguns líderes religiosos da atualidade instigam os seus seguidores a fazer. Isto porque já escutei certos pregadores falando na mídia que seus ouvintes tinham que "brigar com Deus", exigindo dos céus uma bênção conforme a interpretação bíblica que eles próprios fazem. Chegam, inclusive, a ameaçar sair do ministério, ou ainda largarem a fé, caso as pessoas convidadas para participarem de suas programações e campanhas religiosas não sejam beneficiadas.

Podemos dizer que aquele primeiro malfeitor na cruz estava tentando a Jesus da mesma maneira como o diabo tinha feito no deserto após o batismo de João (Lc 4:1-13). Ele não só questionou a identidade do Mestre como também queria impor uma condição para ter fé. Creria no Senhor desde que ele se salvasse dos romanos bem como a ele e a seu companheiro.

Ora, como pode haver fé sem sujeição à vontade divina?! Pois aquele que confia obedece. Assim, a conduta desse malfeitor expõe toda a incoerência dos que exigem um benefício de Deus para crer. Trata-se de um comportamento espiritualmente imaturo de quem se recusa a crescer. Mesmo estando nos últimos momentos para partir deste mundo.

Já o outro crucificado teve a atitude correta e soube reconhecer a sua condição. Foi apenado merecidamente pelos atos criminosos que praticara. Quer tenha sido ele um revoltoso político ou não, Roma condenou-o à morte porque, na certa, ele deve ter violado as leis imperiais. E, neste sentido, a conduta de Barrabás, informada em Lc 23:19, seria a chave para formularmos as hipóteses mais prováveis que expliquem o motivo de ambos estarem ali.

Reconhecer o próprio erro é um passo de fundamental importância para mudarmos de vida. Sem admitirmos essa verdade existencial a nosso respeito, a conversão não se opera de modo que continuamos impenitentes e perdidos dentro de falsas presunções. Tanto é que, na 1ª epístola de João, consta claramente que, se dissermos não ter pecado nenhum, caímos numa espécie de auto-engano (1ªJo 1:8).

Uma vez reconhecendo a condição na qual se encontrava, esse segundo malfeitor conseguiu ver toda a injustiça cometida no julgamento de Jesus. Foi quando ele declarou não ter o Senhor feito mal algum para ser apenado com a morte. O Mestre era inocente sendo que o próprio Pilatos já tinha admitido isso por três vezes conforme já foi abordado no artigo "Então, Pilatos resolveu atender-lhes o pedido".

Tendo ali confessado a sua culpa, o segundo crucificado submeteu-se então à autoridade de Cristo. Independente daquele estado no qual Jesus se achava, sendo torturado e humilhado numa cruz, o homem sentenciado passou a crer na existência de um outro reino além de Roma. Apesar daquela aparente derrota diante do conquistador estrangeiro que pisava a sua nação, ele foi capaz de perceber um triunfo eterno da justiça fazendo menção daquilo que sempre caracterizou o centro das pregações de nosso Senhor - a vinda do Reino de Deus. Encontramos no seu pedido uma alta dose de confiança ao invés de pensar que tudo fosse aniquilado com a morte física.

Por outro lado, sua oração expressa tudo o que um cristão sente ao se aproximar de sua passagem para o outro plano de existência. Trata-se de um pedido sincero de misericórdia para não ser abandonado confiando exclusivamente na graça já que o tal homem sabia estar despossuído de qualquer valor meritório que o justificasse.

A resposta de Jesus mostra-nos a extensão infinita dessa maravilhosa graça e de nossa aceitação incondicional por Deus. O Mestre lhe disse que, naquele mesmo dia, o homem estaria com ele no "paraíso", uma palavra de origem persa (avéstica) que, literalmente, quer dizer "jardim". Significa pois, no contexto bíblico, o lugar para onde as almas dos mortos justos iriam após o falecimento.

Observem que a aceitação da consciência daquele criminoso arrependido foi imediata e, como havia dito, incondicional. Jesus não lhe disse que antes fosse batizado, passasse por qualquer ritual religioso, frequentasse aulas numa escola bíblica ou reencarnasse por outras vezes para poder ascender ao paraíso. Suas confortantes palavras, mesmo se utilizando de uma figura mítica dos orientais para descrever o outro lado da vida, ensinam quando alguém entra na dimensão do Reino de Deus. O "hoje" pode muito bem significar aqui e agora de maneira que o verdadeiro estado paradisíaco é vivido na dimensão da eternidade e não exclusivamente no tempo futuro, o que deve revolucionar o modo como encaramos os desafios do presente. Mesmo sofrendo as consequências pelos erros praticados, como o cumprimento de penas legais, passa a existir um "jardim" no nosso interior.

Sem dúvida que essa passagem bíblica em comento ilustra a caminho salvífico de todos nós. Também nos mostra a exemplar missão de Jesus de resgate das pessoas rejeitadas pela sociedade, "dos publicanos e pecadores" (Lc 7:34) aos quais o Reino é graciosamente estendido. Algo que deve fazer com que os nossos corações transbordem de gratidão e de júbilo por mais uma comemoração natalina que se aproxima.

Muito obrigado, Jesus! Aleluia!


OBS: A ilustração refere-se ao quadro Jesus na cruz entre os dois ladrões do artista flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640). A obra encontra-se atualmente no Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, Bélgica. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia cnforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Peter_Paul_Rubens_-_Christ_on_the_Cross_between_the_Two_Thieves_-_WGA20235.jpg

3 comentários:

  1. Boa Tarde amigo Ancora.

    Que bom ver o amigo citar os crucificados como membros do colégio interno dos essênios, o grupo dos zelotes eram opostos e militantes, a favor da libertação do julgo romano, tenho um pé dentro e outro fora, com referencia a este dialogo ter sido exatamente assim, pois até onde sei os zelotes respeitavam todos os Mestre essênios e Jesus era um rabino do grupo dos nazarenos, além do mais os zelotes não se consideravam culpados por tentarem sobreviver a roma, mal comparadamente seria como se um judeu confessasse culpa perante Hitler de ser uma sujeira para a raça Ariana. Como veis não tem lógica. Porém pode ser que um dos ladões não fosse um zelote, e que aquele que reprendeu, o ofensor fosse o único zelote ali, isso é tolerável Este dialogo pode até ter existido, mais por certo esta truncado no livro de Mateus. Dei uma volta no Livro de Mateus segundo os Hebreus, e só para constar vejam o resultado: MT 27:38 E FORAM CRUCIFICADOS COM ELE DOIS SALTEADORES, UM À DIREITA, E OUTRO À ESQUERDA.
    MT 27:39 E OS QUE PASSAVAM BLASFEMAVAM DELE, MENEANDO AS CABEÇAS,
    MT 27:40 E DIZENDO: TU, QUE DESTRÓIS O TEMPLO, E EM TRÊS DIAS O REEDIFICAS, SALVA-TE A TI MESMO. SE ÉS FILHO DE DEUS, DESCE DA CRUZ.
    MT 27:41 E DA MESMA MANEIRA TAMBÉM OS PRÍNCIPES DOS SACERDOTES, COM OS ESCRIBAS, E ANCIÃOS, E FARISEUS, ESCARNECENDO, DIZIAM:
    MT 27:42 SALVOU OS OUTROS, E A SI MESMO NÃO PODE SALVAR-SE. SE É O REI DE ISRAEL, DESÇA AGORA DA CRUZ, E CRÊ-LO-EMOS.
    MT 27:43 CONFIOU EM DEUS; LIVRE-O AGORA, SE O AMA; PORQUE DISSE: SOU FILHO DE DEUS.
    MT 27:44 E O MESMO LHE LANÇARAM TAMBÉM EM ROSTO OS SALTEADORES QUE COM ELE ESTAVAM CRUCIFICADOS.
    MT 27:45 E DESDE A HORA SEXTA HOUVE TREVAS SOBRE TODA A TERRA, ATÉ À HORA NONA.
    Pode ser? Ou será que nem um deles eram zelotes? Esta tradução do livro segundo o hebraico foi realizado por: RESTAURADO E TRADUZIDO DO HEBRAICO PARA O PORTUGUÊS POR JOÃO PAULO FERNANDES PONTES
    (nome hebraico: YOCHANAN BEN YOSSEF)
    (Versão com os nomes próprios transliterados)
    Talves aja erros? Pode até ser, mais ainda fica a duvida de Mateus Grego. Ancora eram ladrões ou eram Zelotes? Aqui tem material para duvidas kkkkk

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    1. Caro Francisco,

      Boa tarde!

      Talvez não caiba aqui a partícula excludente "ou". No Evangelho de Mateus, o texto sagrado diz que se tratavam de "ladrões" enquanto que em Lucas o tradutor bíblico escolheu o termo "malfeitor". Porém, como eu havia exposto no meu artigo, há militantes que praticam delitos em nome da causa que dizem defender como teria sido o Barrabás preferido pela multidão que havia comparecido perante Pilatos.

      Não nutro admiração alguma pelos zelotes, mas considerar os dois crucificados como tais em a ver com o discurso que adoto hoje em relação aos manifestantes mascarados que praticam vandalismo no nosso país. Os zelotes eram um tipo de black blocs do primeiro século. Mesmo que Jesus tivesse um discípulo zelote chamado Simão, penso que este teria deixado o seu grupo para seguir o Mestre.

      Abraços e obrigado por participar e acompanhar minhas postagens.

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    2. Em tempo!

      A razão pela qual não simpatizo com os zelotes seria a mesma porque não concordo com os baderneiros mascarados e os comunistas que optaram pela luta armada no passado. Sou contra o uso da violência e creio que Jesus fez a escolha certa em buscar promover uma revolução pacífica.

      Quando o homem passa a acreditar que os fins justificam os meios, estes o afastam de seu propósito inicial. Se, por exemplo, um partido quer combater e passa a participar do jogo político sujo, fazendo caixa dois pra campanha, será que ele não cometerá os mesmos erros dos oponentes quando chega ao poder. Assim também foram os zelotes no que diz respeito à violência. Quando se rebelaram contra Roma declarando guerra a César, foram violentos em relação ao próprio povo dentro de Jerusalém que viveu um clima bem tenso. É por aí que entendemos o Sermão Profético do Monte das Oliveiras.

      A paz!

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