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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Reflexões sobre o amor cristão

Um dos mais festejados textos da Bíblia é o capítulo 13 da primeira epístola à Igreja em Corinto, cuja autoria atribui-se expressamente ao apóstolo Paulo. Trata-se de uma passagem que ressalta a excelência do amor descrevendo-o de uma maneira muito profunda e também desafiadora.

Primeiramente Paulo nos diz que, se falta o amor, de nada adianta “falar a língua dos homens e dos anjos”, nem exercer os dons ministeriais, ter conhecimento, manifestar fé, desfazer-se de todos os bens em favor dos pobres e praticar um auto-sacrifício. Palavras pronunciadas sem um direcionamento amoroso (até mesmo uma pregação falando sobre o amor) não passam de mero barulho. E, igualmente, qualquer obra social feita assim perde o seu significado essencial de caridade.

De fato, as reflexões paulinas podem ser constatadas em nosso cotidiano. Um forte exemplo de doações sem amor seria o que inúmeros políticos brasileiros andam fazendo nesta época de eleições, distribuindo favores na expectativa de obterem votos dos pobres. E fazem isto não porque estejam querendo o bem do cidadão, mas sim alcançarem o poder para se beneficiarem pessoalmente.

No mesmo sentido, outras motivações falsas de ajuda ao outro seriam as hipóteses de alguém praticar algo pensando em ser reconhecido e admirado na sociedade, pagar uma dívida moral, receber um apoio futuramente quando vier a precisar, ou que terá em troca bênçãos dos céus como se fosse possível barganhar com Deus. Pois, em todos estes casos, a pessoa estaria buscando o próprio interesse e não projetando a sua satisfação no bem proporcionado ao outro.

E seria possível alguém dar a própria vida por uma causa sem que haja amor?

Pois bem. Com esta forte menção que lembra a morte substitutiva de Cristo na cruz, Paulo expõe que nem todos os acontecimentos com a aparência de martírio têm conteúdo amoroso. Meditando a respeito, podemos considerar que uma pessoa pode muito bem arriscar-se perigosamente em prol de outro(s) porque, por exemplo, não gosta de sua própria existência. Assim, tal ato de fuga não seria muito diferente de um suicídio e nada tem a ver com o sacrifício expiatório de Jesus. Aliás, o Senhor sempre demonstrou intenso amor pela vida, por seus discípulos e pelas pessoas de seu povo, sendo retratado pelos evangelistas como um homem mentalmente saudável e que andava freqüentando festas comunitárias, casamentos, refeições nas casas, etc.

Certamente que, em via de regra, poucos vivem perto do amor sacrificial messiânico e a grande maioria (inclusive eu) não se encontra ainda apta para seguir o Senhor em sua pesada cruz. Entretanto, somos provados com outras situações menos severas mas que exigem a capacitação para amar. Principalmente nos nossos relacionamentos com o outro que nem sempre serão tão crueis como na zombaria covarde daqueles soldados romanos praticada no Gólgota.


Sobre as características do amor

Como é difícil ser paciente com a pessoa amada!

Assim como o lavrador cultiva o solo aguardando a chegada do tempo apropriado para colher o fruto, quem ama o próximo precisa aprender a esperar a estação que Deus tem para cada alma amadurecer. Uns verão algum gesto amoroso da Igreja e se converterão logo enquanto que outros poderão demorar anos sendo que ainda existem aqueles que passam todos os seus dias na mais completa alienação espiritual sem nem ao menos agradecerem pelo bem recebido.

Outra característica que Paulo fala sobre o comportamento amoroso é que ele não se ufana e nem se envaidece. E, se refletirmos bem, eis que, na maioria das vezes quando ajudamos as pessoas, ainda temos a velha mania de fazer daquela obra um troféu. Algo que insistimos em exibir diante de terceiros e, principalmente, na frente daquele que foi o destinatário do apoio como se houvesse uma dívida a ser lembrada.

E o que dizermos das terríveis irritações? Quantas vezes nós nos exasperamos só porque a pessoa amada fez certas exigências, reclama e ainda nos machuca com suas palavras? Pois vejo situações assim aos montes entre os pacientes com problemas de saúde e os seus cuidadores em que não é nada fácil lidar com os maus tratos de um enfermo tomado pela auto-comiseração, pelo que necessitamos a todo momento avaliar o estado do nosso íntimo afim de que não venhamos a ficar ressentidos do mal. Do contrário, acabamos querendo que o outro se dane e aí aquilo que antes poderia se tornar amor manifesta-se como ódio.

Vale a pena lembrar novamente que o amor verdadeiro não busca o próprio interesse (versículo 5). Esta reflexão é fundamental para distinguirmos a maturidade cristã da infância espiritual do crente quando este ainda está apenas recebendo o amor de Deus e dos irmãos. Porém, num determinado momento, compreendemos que fomos chamados para caminhar nos passos de Jesus e aprendemos o significado de amar incondicionalmente. A partir daí, o relacionamento com o próximo já não pode mais ser baseado numa troca. Chega o momento de deixarmos a espera de reações recíprocas e experimentarmos um pouco daquela coroa de espinhos usada pelo Senhor diante dos soldados escarnecedores. Uma coroa que lhe causou dores para que a árdua missão de implantar o Reino celestial nos corações dos homens fosse então desempenhada.

Verdade é que a prática do amor está intimamente ligada com a transformação da realidade segundo os propósitos divinos. Porque foi por esta tão incomparável causa que Jesus tudo sofreu, tudo creu, tudo esperou e tudo suportou. E, assim como ele, precisamos agir nos nossos relacionamentos cotidianos, o que pode incluir o passar por privações, incompreensões, depararmos com atitudes de indiferença de muitos e até com a oposição de quem não quer permitir a prática da caridade em benefício de alguém.

Mesmo não sendo um advogado especializado em Direito criminal, sei como é o drama daqueles que têm um parente na cadeia e decidem amar verdadeiramente quem se encontra preso. A luta é grande e envolve inúmeros dissabores. Primeiro é preciso dispor de tempo para ir até à penitenciária nos dias e horários de visita previamente determinados pela direção do estabelecimento penal. Depois vem os constrangimentos da revista juntamente com toda a frieza do sistema carcerário. E, finalmente, como se já não bastasse suportar tanta dor, ainda surge aquele familiar cheio de ressentimentos que passa a perseguir até quem decidiu amar a ovelha desgarrada. Pois, não raramente, pode-se ouvir protestos assim:

“Para que ficar ajudando o fulaninho que roubou, fez, aconteceu e está preso? Já não é suficiente a mancha sobre o nome da nossa família!? Você deveria era estar me ajudando porque eu mereço ao invés de ficar levando cigarros toda semana para aquele delinqüente vagabundo. Não falo mais contigo e nem me procure mais...”

Como se vê, amigos, amar como Cristo amou, bem como tentar viver no padrão elevado proposto pela Bíblia, não é tarefa fácil. Para sermos semelhantes a Jesus tem muitos sacos de sal para comermos, o que significa colocar a carne debaixo de uma disciplina espiritual afim de suportarmos as mais humilhantes situações que Deus usará para moldar o nosso caráter. E, nestas horas, deve-se permitir o Espírito Santo fazer uma cirurgia em nosso interior afim de que sejamos realmente aperfeiçoados em amor.

Que o incomparável amor do Santíssimo nos envolva transformando todo o nosso ser!


OBS: A ilustração acima refere-se a um exemplo da arte paleocristã encontrada nas catacumbas de Roma e foi extraída da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Agape_feast_03.jpg

3 comentários:

  1. Belíssimo texto Rodrigo!
    O amor é a magia que todos tem o poder de realizar!
    Um abração.
    E sua esposa está melhor?
    Um abração.

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    1. Olá, Gabriel.

      Obrigado pelos comentários.

      Eu diria que cada vez mais o amor tem se configurado como uma necessidade para a sobrevivência da nossa espécie.

      Felizmente Núbia está melhor, embora sem ter ainda previsão de alta.

      Abraços.

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    2. "Pagai o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invunerável na defesa" (Lao-Tsé)

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