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sábado, 18 de agosto de 2012

Experiências aprendidas com os fracassos

Meu saudoso avô, cel. Sylvio Ancora da Luz (1917-2005), recomendava, desde a época de minha adolescência, que eu fizesse um curso profissionalizante. Quando terminei o então 2º grau comum, ele queria que eu estudasse logo para algum concurso público que não exigisse o diploma de faculdade, algo que possibilitaria um ganho financeiro enquanto ainda me graduasse.

No entanto, as sábias palavras do vovô sempre foram descartadas por mim e por outras pessoas da família que desejavam formar mais um “doutor” neste país. Afinal, meus patriarcas foram todos homens diplomados desde os tempos imperiais (geralmente engenheiros e/ou oficiais militares). Já do lado materno, seria uma grande conquista para o outro avô, seu Georges Phanardzis (ainda vivo com 79 anos), ver o deu primeiro descendente com um “canudo” nas mãos. Algo que para ele pouco fez falta em sua época de trabalho quando chegou a ocupar altos cargos na multinacional européia SGS, inclusive quando presidiu esta companhia no pobre solo haitiano.

Na cabecinha ambiciosa do Rodrigo de 19 anos, o seu desejo era tornar-se um rico empresário, dono de seu negócio, e se colocar numa posição acima de todos os ancestrais, conquistando um patrimônio milionário antes dos 40, mesmo que viesse a suportar diversas privações até lá. De acordo com a mentalidade daquele Rodrigo de luz encapsulada, nem mesmo o padrão tranqüilo da classe média interessava-lhe pois ser um funcionário de carreira estável como o falecido avô que o criara seria opção medíocre. “Segurança profissional era para os ‘fracos’ e não para os ‘fortes’”, pensava consigo aquele confuso rapaz com mais de cem quilos que facilmente se encantava com Nietzsche, sem entender ainda bem as difíceis letras do filósofo alemão.

O tempo passou e o jovem Rodrigo não foi capaz de ir muito além do que juntar R$ 12.000,00 em sua poupança no Banco do Brasil, os quais precisaram ser gastos com o pagamento de honorários advocatícios pelas muitas encrencas em que se meteu logo após ter alcançado a maioridade civil aos 21 (regra da legislação aplicada). Os seus ignorados problemas de personalidade e de desequilíbrio emocional quase o colocaram atrás das grades por causa de um delito cometido em junho de 97 na UFJF, instituição de ensino onde cursava Administração para gerenciar a poderosa empresa que ambicionava montar no intuito de ficar rico.

O sofrimento suportado por quase dois anos de investigação fez com que Rodrigo reconsiderasse os caminhos trilhados e começasse a dar mais valor à liberdade que é o segundo bem mais valioso do ser humano. O inquérito policial restou inconcluso e o próprio Ministério Público Federal pediu o arquivamento do polêmico caso rancora de crime virtual envolvendo racismo e homofobia. Porém, a nata da sociedade local não esqueceu facilmente dos fatos. Nem tão pouco todos os membros da tradicional soube perdoar a sua ovelha negra, a exceção do avô. Sem mais ambiente propício na mineira cidade de Juiz de Fora e dando as costas para quem provou ter sido realmente um pai duas vezes, o jovem fez a opção por cursar Direito em Nova Friburgo, onde também não havia parentes por perto e ficaria mais fácil conduzir a vida do seu jeito, acreditando que, desta maneira, seria então livre. Liberdade esta que, na verdade, continuou bancada pela boa mesada avoenga e que não mais se destinou para engordar contas bancárias ou pagar honorários de advogados criminalistas, mas sim proporcionar belos passeios ecológicos e agradáveis momentos com a namorada Núbia que conhecera durante o Carnaval de 99.

Antes o Rodrigo tivesse namorado bastante desde a adolescência do que ter se metido em confusões, não é mesmo? Antes tivesse torrado aqueles 12 contos aplicados no BB viajando por aí do que ter escrito bobagens pela internet! Pois coisa melhor não há para acalmar um rapaz cheio de energia do que exercitar-se com um esporte e se relacionar com uma mulher. Só que casar-se (ou “amigar” com compromisso) sem uma renda própria não é aconselhável para ninguém. Nem mesmo para uma moça já que a experiência tem mostrado ser péssimo para a dignidade feminina depender economicamente do marido.

Ah se o Rodrigo tivesse dado ouvidos ao seu velho e passado num concurso?! Em 95, o vovô Sylvio pagou até um cursinho preparatório para a carreira de TTN, quando ainda nem era exigido o nível universitário. Porém, o seu neto unigênito pouco se interessou pela prova fazendo pouco caso do considerável salário de R$ 1.000,00 do início do Plano Real, quantia que valia então um bom dinheiro (dez vezes o mínimo).

Hoje um técnico do tesouro nacional está ganhando muito mais do que R$ 1.000,00 e um candidato nomeado para tal cargo, na segunda metade dos anos 90, certamente já teria incorporado diversos acréscimos pelas promoções e tempo de quase 20 anos de serviço. Ou seja, este blogueiro já poderia estar a meio caminho da sua aposentadoria, trabalhando talvez numa chefia e passado até em outros concursos melhores, ao invés de ter somente três meses de contribuição à Previdência.

Como me disse um inteligente passageiro que conheci numa viagem de Belo Horizonte para Juiz de Fora, eis que, "nesta vida, se não conseguimos dinheiro, pelo menos ganhamos experiência". E hoje sei muito bem o que significa acumular somente vivência e colher aquilo que plantei numa mesma encarnação. Ou pior, não colher porque nada plantei tal como a conduta da cigarra que cantarolava no verão enquanto a formiga se matava de trabalhar.

Felizmente consegui sair da faculdade no final de 2004 e passar logo no primeiro exame na OAB no começo de 2005. Despertando as velhas ambições do jovem Rodrigo, pensei novamente em ficar rico. Imaginava que conseguiria isto dentro de frustrante mercado da advocacia contenciosa. Enquanto vários colegas meus preferiram preparar-se para concursos, fui catando tudo quanto era caso que aparecia e ainda ajuizava inúmeras ações em causa própria. Esperava que os tribunais arbitrariam gordas indenizações de dano moral por qualquer violação de direito que meus clientes e eu sofrêssemos, achando que iria contribuir heroicamente para compor futuras jurisprudências quando meus processos viessem a ser julgados pelos magistrados deste país. Hoje, entretanto, estou com uma dívida sucumbencial porque processei o Município de Nova Friburgo tentando responsabilizar a Prefeitura pelo atropelamento em via pública de minha gata Madonna.

Talvez num outro país, eu poderia ter ficado rico trabalhando com responsabilidade civil. Mas aqui, com o Judiciário brasileiro, nem as graves quedas de aviões, melhores avaliadas do que os acidentes rodoviários, conseguem atingir o alto padrão anglo-americano. Nem no avançado estado do Rio Grande do Sul! E aí a minha estupidez mental fez com que viesse a acumular uma fatigante quantidade de processos com pouca possibilidade de êxito até exaurir por quase completamente o meu ânimo causídico.

Assim já se passaram sete anos de profissão e seis de matrimônio formal com Núbia em que, neste três últimos, fui reduzindo consideravelmente a atividade laboral e procurando concluir os processos em andamento por motivo de responsabilidade perante os clientes. A maioria deles ficou na serrana cidade de Nova Friburgo onde morei até dezembro de 2011. E, nesse período em que tenho estado casado, vivi a maior parte com as finanças domésticas mal geridas, sempre com a despesa superando a receita, dependendo mais das ajudas familiares do que dos ganhos profissionais e sem controle sobre o apetite estomacal, embora já tivesse emagrecido bem desde 98. Após o meu avô Sylvio falecer, vendi o apartamento de Juiz de Fora que dele recebi com a renúncia dos demais herdeiros e gastei tudo em pouco mais de seis meses. Um erro que não quero mais repetir.

Quando chegou a vez de minha avó Darcília descansar, usei a totalidade do dinheiro deixado por ela no Bradesco Previdência ao invés de investir aquela quantia de quase R$ 50.000,00 no meu futuro. Boa parte serviu para pagar as dívidas bancárias acumuladas por causa dos contínuos déficits mensais. O restante foi evaporando pelo mesmo motivo em menos de um ano, ajudando nas mudanças de Nova Friburgo para o Rio de Janeiro e, enfim, para Mangaratiba. Sem ter o suficiente para reformar o apartamento do Rio deixado pela vovó e tentar alugá-lo por um preço satisfatório, precisei contrair um empréstimo consignado junto ao ITAÚ em nome de Núbia que já se encontra aposentada por invalidez há anos devido aos seus problemas de saúde.

Mais do que nunca reconheço o quanto meu avô estava com a razão, coisa que o delírio mental de uma juventude ansiosa não me permitia admitir de modo que tenho andado perdido pelo campo profissional há quase duas décadas. Hoje, por minha própria irresponsabilidade (não culpo terceiros, nem Deus, nem o diabo, nem vidas passadas ou traumas de infância), estou atravessando terríveis dificuldades financeiras. As emoções não se acham bem com a esposa internada num hospital há mais de um mês. Como uma metáfora do que realmente tenho sido, cheguei a me perder pelas matas do Parque Nacional da Tijuca em junho deste ano, erro que semelhantemente pratiquei diante de importantes decisões até recentemente, apesar de alguns acertos.

Vivendo agora uma realidade bem diferente da época em que era um estudante financiado pela família, estou tendo que aprender a ser pobre. No momento, já não posso mais me dar ao luxo de almoçar em qualquer restaurante ou de fazer compras num shopping. Até as passagens do transporte urbano e o dinheiro da alimentação estou precisando regrar. E, nesta hora, se eu soubesse fazer alguma coisa tipo trabalhar em obra, reparar aparelhos eletrônicos, dirigir veículos, cortar cabelo, fazer mudanças, cozinhar bem, limpar fossa ou cuidar de jardins, provavelmente estaria numa situação melhor.

Do que vale um diploma de “doutor” numa situação assim? Porque até os pobres defendem-se melhor na dificuldade do que pessoas oriundas da classe média com formação universitária, as quais geralmente precisam contratar alguém para as coisas mais básicas do cotidiano. Inclusive para o serviço da casa já que muitos burguesinhos como eu fui tiveram empregada doméstica na infância e uns até babá. Aliás, neste mês de agosto, tive que gastar cerca de R$ 2.000,00 só com mão-de-obra de um pintor e seu ajudante que reformaram o apartamento herdado pela vovó (a diária de um profissional desses na Cidade Maravilhosa está custando uns R$ 180,00).

Como eu gostaria que vovô estivesse hoje vivo e consciente para me orientar! Preferiria que meu velho tivesse enchido a mão naquela minha cara sem vergonha pelas besteiras aprontadas na juventude. Isto porque é melhor o jovem levar educativas pancadas dos pais e tutores do que se arrebentar fora de casa quando deixar definitivamente o ninho familiar.

Faltando menos de quatro anos para completar 40, estou bem distante de ter aquela sonhada conta bancária de sete dígitos que tanto ambicionava em 95. Ao invés de riquezas, ganhei experiência passando a dar mais valor à vida, à liberdade, às pessoas mais próximas e ao modesto patrimônio conquistado pelo trabalho duro dos avós paternos. Foi com o apoio do militar artilheiro Sylvio e da professora de Biologia Darcília que este blogueiro conseguiu sustentar-se num mundo cada vez mais difícil onde a exigente seleção do mercado não dá colher de sopa para ninguém.

Apesar dos pesares, ponho sempre um limite às lamentações que faço. A exemplo do que se lê em vários salmos da Bíblia, não deixo de alegrar-me com a Divina Presença e de confiar na misericórdia do Criador suficientemente manifestada em Cristo Jesus. Graças ao Pai Eterno, tenho forças para laborar e condições de recomeçar da maneira que for. Minha esposa encontra-se doente, mas eu não! Posso estar indo morar num quartinho na casa da sogra num município interiorano de pequeno porte onde sou pessoa desconhecida e com menos oportunidades de trabalho do que no Rio, mas não quero desistir jamais. Caso precise retomar a advocacia, intermediar a venda de imóveis ou fazer até audiências sobre Direito de Família, vou em frente. E, se tiver que mandar meus currículos para as empresas de Mangaratiba e da vizinha cidade de Itaguaí, por que não? Afinal, que vergonha há em tentar o primeiro emprego aos 36 anos? Pois, como ensina o ditado, “vergonha é roubar”.

Boa semana pra quem me leu até aqui, com muita paz e abundante graça da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.

OBS: A imagem acima refere-se ao jogador Neymar após perder o ouro olímpico para o México no gramado de Wembley. Foi extraída através da reportagem no Jornal Diário de Marília em http://www.diariodemarilia.com.br/Noticias/114018/Brasil-falha-e-perde-ouro-para-o-Mxico

4 comentários:

  1. Você escreve tão bem que a sua estória chega a ser linda apesar de todos os problemas! Rsrs
    Costumo dizer que nada acontece na nossa vida por acaso, houve um propósito para o seu amadurecimento, cada conquista sua a partir de agora será visto de uma forma diferente... não desista de lutar porque há algo muito bom a seu favor,lembre-se sempre " A BOLA GIRA", hj vc está nesta situação, mas com confiança, disciplina, fé e vontade vc pode reverter toda essa situação. Que Deus te abençoe !! Bjs!

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    1. Prezado amigo(a),

      Uma coisa posso lhe dizer. Nos dias em que fiquei perdido no Parque Nacional da Tijuca (23 a 25/06), contando com a possibilidade de que poderia morrer por ali, ganhei disposição suficiente para tornar a viver, mesmo que passasse por alguns tipos de dificuldades maiores. E creio que retornei daquela experiência com a bagagem mais leve, fortalecido interiormente para suportar privações financeiras, alimentícias e da vida mais confortável que levava. Depois de duas noites dormindo ao relento, deitar numa maca no corredor Hospital Municipal Lourenço Jorge, com aquela luz o tempo todo em cima da minha cara e pacientes alcoolizados pertubando, foi um paraíso.

      As experiências negativas que tive realmente contribuem para um crescimento pessoal e por isto só Deus pode mesmo decidir se passarei ou não por novas provações.

      Realmente tenho necessitado de muita vontade e disciplina nesta hora. E creio mesmo que mudanças positivas são possíveis de ocorrer. Observe que, após este texto, resolvi postar no blogue um louvor a Deus. E isto precisamos fazer em qualquer siyuação: nas lutas e vitórias.

      Abraços e obrigado pelas palavras de encorajamento.

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  2. Rodrigo, você está passando por uma fase complicada mais acredito que agora você tenha as coisas mais importantes saúde, experiencia e força de vontade. Agora você já está no caminho que não precisa de uma chegada, é só prosseguir pois o proposito Deus conhece.

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    1. Caro Gabriel,

      Mesmo que agente não alcance a desejada chegada (o único pedaço de terra adquirido por Abraão em Canaã foi a sepultura familiar), é neste propósito divino que nos realizamos.

      Como ensinou Jesus no Pai Nosso, que seja feita a vontade de Deus! É assim que somos realmente felizes.

      Obrigado pelo apoio e pela visita ao blogue. Ótima semana pra você com muita paz!

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