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sábado, 15 de janeiro de 2011

Um dia trágico na história de Nova Friburgo




Na manhã desta quarta-feira (12/01/2011), acordei com um helicóptero sobrevoando os céus de minha cidade (coisa rara de se ver num lugar do interior).

Choveu forte a madrugada toda. Eu mal tinha dormido por causa do barulho dos trovões e, por vezes, levantei para ir ao banheiro e beber água. Verifiquei numa das ocasiões que o meu apartamento estava sem luz. Senti fome e lembrei de comer a gelatina na geladeira antes que o doce derretesse. Voltava para a cama mas não conseguia entrar em acordo com a coberta para ajustar-me à temperatura do ambiente.

Logo que levantei, ouvi o barulho do tal helicóptero. Olhei pela janela e fiquei perplexo ao reparar que uma parte dos morros que circundam o centro da cidade tinha desabado. Uma tragédia havia acontecido poucos metros de minha residência.

Dentro de alguns instantes, eu teria um compromisso marcado com o meu cliente, agendado para às 8:40. Tratava-se de uma perícia judicial na área de engenharia, referente a um caso de deslizamento de terra ocorrido em janeiro de 2007 aqui na cidade. Juntos, eu e ele iríamos acompanhar o trabalho do perito engenheiro no local do acidente.

Contrariando meus hábitos de higiene, saí para trabalhar sem banho tomado porque não tinha luz para esquentar a água. Comi um pão de forma com mel e fui.

Ao colocar os pés no lado de fora da rua foi chocante. A portaria do meu prédio e as calçadas encontravam-se cobertas de lama. Vários paralelepípedos e tampas dos bueiros tinham sido deslocados. Porém, o pior eu ainda haveria de testemunhar.

Segui pela Praça Getúlio Vargas que mais parecia devastada por uma guerra. Era lama e água empoçada por todos os lados. Na medida em que eu caminhava em direção ao rio Bengalas, os estragos ficavam cada vez piores. Circulavam poucos carros, mas a todo instante ouvia-se o barulho das sirenes de uma viatura do Corpo de Bombeiros, da Polícia ou da Defesa Civil. As lojas ficaram inundadas de água e em alguns estabelecimentos o nível subiu bem mais do que um metro.

Pela visão parcial do deslizamento de terra que havia observado da janela de casa e com tanta movimentação das equipes de salvamento, não podia nutrir expectativas muito positivas do que pudesse ter ocorrido durante a madrugada e nas primeiras horas da manhã. Não podia imaginar que o barulho que tanto despertava meu sono talvez não fossem apenas os trovões, mas sim terríveis desabamentos de grandes proporções, destruindo casas, prédios, igrejas, ruas e hospitais, atingindo tanto favelas como áreas nobres da cidade. Algo incomparável com as enchentes de 2007, 2005 e de anos anteriores.

Aquelas cenas de destruição que logo de manhã eu estava presenciando ensinavam para mim que, quando chegam as tragédias, elas não avisam o dia e a hora, de modo que apenas podemos prever a época em que eventos deste tipo podem vir a suceder. Contudo, nesta quarta-feira cinzenta, eu estava vivendo um pouco daquilo que podemos imaginar ser um cenário apocalíptico. Era como se eu estivesse no terremoto do Haiti, nos bombardeios da segunda guerra mundial ou fosse vizinho das torres gêmeas do WTC no dia 11 de setembro de 2001.

Às vezes parece que vivemos mesmo num mundo de Alice. Temos nossos sentimentos e consciências anestesiados por um contato artificial com as coisas, sem darmos conta da realidade em que nos encontramos. Não só as programações da TV e a internet distraem nossas mentes, como as comodidades proporcionadas pela tecnologia e a prestação contínua de serviços essenciais fazem-nos esquecer facilmente do ambiente instável onde edificamos as cidades.

Nesta quarta-feira 12, experimentei por longas horas o que é ficar sem luz, sem telefone, sem serviços de transporte e sem condições para trabalhar, o que é de menos em face de tantas tragédias. Vi minha cidade parar e, por um fato da natureza, precisei abandonar um compromisso sem a possibilidade de estabelecer a comunicação através do celular. Também não pude transmitir nenhuma notícia aos meus parentes no Rio de Janeiro, os quais já estavam preocupados desde o dia anterior quando os telejornais tinham informado o desabamento de um prédio no bairro Olaria.

Tristes dias têm sido estes que já começamos a presenciar nas primeiras décadas do século XXI, mostrando-nos um cenário desolador que, pelas previsões dos cientistas ambientalistas, aponta para um período repleto de tragédias climáticas, capazes de por em dúvida a continuidade da espécie humana no planeta. Ou seja, cuida-se de um novo tempo que não só vem confirmar o cumprimento de antigas profecias, mas também denunciar o principal responsável pelas infelizes catástrofes – o homem (nós).

Nestas horas há quem culpe Deus e até blasfeme contra o Nome do Santo. Eu, porém, só posso ser grato ao meu Criador pela sua bondade para comigo, sabendo que Ele entregou uma terra perfeita à humanidade e que s temos destruído com nossa ambição desmedida. Isto porque, ao violarmos as leis da natureza, atraímos um retorno contra nós mesmos, sem que a tempestade faça acepção de pessoas. Pois, quando uma tromba d'água desce, morre o rico assim como morre o pobre e a enxurrada pode levar tanto o poluidor quanto o ambientalista, o justo junto com o pecador, bastando que se esteja em condições de vulnerabilidade.

Após ter aguardado infrutiferamente o meu cliente no local marcado, decidi voltar para casa. Permanecer na rua, junto com uma multidão de curiosos só contribuiria para atrapalhar ainda mais o trabalho dos agentes da Defesa Civil. Aquele tratava-se de um dia mal e ninguém poderia prosseguir nas suas atividades normais. Nada que estivesse ao meu alcance poderia ser feito pelas vítimas e seus familiares, a não ser calar-me, respeitar o sofrimento de meu próximo e ser grato a Deus pela oportunidade de continuar vivo.


OBS 1: O fornecimento de energia só foi retornando a partir da noite de 12/01 (na minha rua a luz chegou na tarde 13/01). O comércio ficou praticamente fechado por todo o dia 12. No dia 13, algumas portas se abriram e ontem (14) já tinha mais estabelecimentos funcionando com longas filas para as pessoas entrarem em mercados, padarias e farmácias. Até hoje não se aceitava pagamento pelo cartão de crédito e não tinha como tirar dinheiro no caixa eletrônico dos bancos que ainda estão fechados. Os serviços de transporte, telefonia, abastecimento de água e internet pararam. Até o momento já foram contabilizados mais de 200 mortos, sendo grande a quantidade de gente desabrigada e desalojada. Só hoje (15) é que consegui acessar a internet. Felizmente eu e minha esposa Núbia estamos todos bem!


OBS 2: As pessoas em minha cidade estão precisando de várias coisas, dentre as quais água mineral, alimentos não perecíveis e de pronto consumo (massas e sopas desidratadas, biscoitos, cereais), leite em pó, cesta básica, colchonetes, cobertores, kits de higiene pessoal e fraldas descartáveis, etc. Minha igreja está buscando uma ação coordenada e os contatos podem ser feitos com o Pr. Robson Rodrigues pelo telefone (22) 9213-3016 e um fixo no Rio de Janeiro (21)3079-0626.


OBS 3: Contamos com as orações de todos!

9 comentários:

  1. Caro Rodrigo, como já te disse por e-mail passei por situação semelhante em Petrópolis, em 1987. A conclusão que cheguei é de que cidades serranas não devem crescer. A especulação imobiliária e a vista grossa das prefeituras respondem por isso junto com as dificuldades as quais você se referiu. Só nos resta torcer por dias melhores para os que sofrem tanto nessa hora. estou certo que as doações chegarão, como sempre, mais do que o necessário. Espero também que uma boa logística possa amenizar um pouco da dor de tantos.
    Grande abraço,
    Ivani Medina.

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  2. Obrigado pela mensagem, Ivani!

    O maior problema agora será mesmo administrar esta questão logística.

    Hoje o HEMORIO trouxe um ônibus móvel para a cidade. Doadores de sangue não faltaram e a maioria acabou sendo recusada (notícia que não saiu no JN). O Estado simplesmente não mandou material suficiente e os funcionários estavam trabalhando em péssimas condições. Aí, no começo da tarde, voltou a chover forte, a rua inundou e acabei sento o último a doar sangue (meu número de senha era o 55). Depois não sei no que deu.

    Concordo que a região serrana não tem condições geográficas para crescer. Na Suíça, a cidade de Fribourg, que originou o nosso povoamento, tem uma população be menor do que a nossa e, pelo que sei, há uma limitação populacional em que o excedentte é orientado a migrar para outros vales.

    Verdade é que os nossos políticos não estão nem aí para esta situação. Agora todos fingem se comover, mas na maior parte do ano falta política habitacional e o dinheiro da ajuda das tragédias acaba sendo muito mal aplicado.

    Acho que as chuvas de 1987 em Petrópolis não superaram as tragédias deste começo de ano.

    Abraços e participe sempre que desejar.

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  3. Amigo RODRIGO,

    É lamentável que tenhamos que testemunhar uma tragédia desta, onde muitos irmãos estão falecendo ..e muitos outros terão que suportar a dor da perda de entes queridos.

    Creio que nenhuma palavra que eu disser, poderá amenizar esta dor, esta aflição...mas estou orando pelas famílias desabrigadas, pelas que se foram, e pelas que choram pela dor de uma profunda tristeza ..

    Agradeço a Deus por não ter acontecido nada de grave com você e sua esposa, a quem confesso um imenso carinho. Espero que esta fase difícil passe..mesmo que não seja possível esquecer, mas creio que Deus irá nos confortar e aliviar a dor da alma de cada um que testemunhou e vivenciou este momento tão difícil.

    Beijos..muita paz.

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  4. É triste está situação, pessoas e mais pessoas morrendo por uma coisa que poderia ser evitado.

    Graças a Deus que as ajudas estão chegando para amenizar as dores das vítimas.

    Imagino aqueles que estão nos sítios, no meio do mato... sem contato... e pelas fotos que eu vi, percebi que lugares de preservação nativa teve a mesma consequência de deslizamento.

    Isso significa que não é culpa da urbanização no local e sim a culpa e de uma má administração (administração essa que você cita no seu texto).

    Cidades que tem terremotos tem planos de prevenção, cidades de furacões tem planos de prevenções, até cidades que estão sendo engolidas pelo mar tem planos de prevenções. Por que aqui não tem planos de prevenções a enchentes??? são tantos porques que nem vale apena citar todos.

    Gostei do seu relato, talvez no futuro próximo ele esteja inserido em algum livro para que as pessoas lembrem dessas catrastofes.

    Oremos, Abraços e a Paz

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  5. olá rodrigo, bom saber que apesar de tudo você e sua família estão bem. a situação aí comoveu-nos a todos, parecia mesmo cenas de filmes catástrofes!! o salvamento daquele senhora puxada por uma corda em meio a correnteza foi de arrepiar.

    mas sabemos que a ocupação desordenada das encostas quase que prenunciam o que pode acontecer, e um dia, acontece. e os governos também não fazem a sua parte impedindo essas construções em lugares de risco.

    a natureza está sendo apenas natureza com toda a sua colossal energia e força; somos nós que temos que aprender a conviver com ela e fazer a nossa parte.

    abraços

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Rodrigo

    Só quem está vivendo a situação pode dimencionar a dor. Eu mesmo já tentei me colocar mas não consegui.

    As tragédias que destroem bens materiais não precisam matar tantas pessoas, assim como aconteceu na Austrália que avisaram um dia antes das chuvas.

    É uma vergonha!!

    Muito bonita a tua atitude de se envolver diretamente na ajuda dessas pessoas.

    Um abraço e muita força pra todos aí

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  8. Caro Rodrigo

    Peço-lhe desculpas por não ter mencionado o nome da cidade Nova Friburgo, numa crônica que fiz sobre essa recente tragédia, em cujo topo resolvi postar a foto de um cão ao pé da cova de sua dona.

    O seu texto me despertou para fazer a justa correção: o seu torrão como um dos mais atingidos pela hecatombe será colocado no corpo do texto por mim redigido.

    Abraços,

    Levi B. Santos

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  9. Queridos amigos, PAULINHA, HUBNER BRAZ, EDUARDO MEDEIROS, WAGNER e LEVI BRONZEADO,

    Muito obrigado pelo carinho de vocês nesta hora tão difícil.

    Hoje passei algumas horas no prédio da nossa Sec. Municipal de Ação Social e muita gente nos procurou pedindo alimentos, água, produtos de higiene, roupas e colchão. Chegaram várias ajudas e agora à tarde descarregaram um caminhão cheio de galões de água em que foi preciso organizar o local para acomodar tanta coisa.

    Ao que parece, nem todas as igrejas tiveram culto e encontrei alguns irmãos indo lá pedir ajuda. E a grande maioria parece ser gente dos bairros aqui perto, pois muitos residem em localidades mais distantes (em termos de território Nova Friburgo é bem extensa), as quais só serão atendidas com os agentes das Forças Armadas. E muitos homens do Exército estão aqui no município prestando serviço. Escolas, igrejas, casas de alguns cidadãos e outros locais estão servindo de abrigo para os desalojados ou para a distribuição de alimentos.

    Cada mantimento e donativo tem sido muito bem valorizado por aqui. E, nestas horas, sinto cada vez mais repugnância dos políticos que se aproveitam para roubar os cofres públicos. Também num momento como este consigo reconhecer o quanto são importantes as ações preventivas. Seja a questão da moradia como a própria logística mesmo, a exemplo de se manter um estoque satisfatório de sangue nos hemocentros (cada pessoa pode doar de 3 a 4 vezes ao ano). Por outro lado, vejo o quanto é nobre a solidariedade do nosso povo os trabalhos daqueles que arriscam suas vidas nos salvamentos como os bombeiros e agentes da Defesa Civil.

    Agradeço mais uma vez as orações e o carinho de todos.

    Um abraço.

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