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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A fé para lidar com o ateu que existe em cada um de nós


Nós, os que confessamos ser crentes em Deus, muitas das vezes cometemos o engano de achar que somos mais dignos do que os ateus ou seguidores de outras religiões diferentes do cristianismo (ou de alguma de suas variantes). Confundimos erroneamente a fé com o verbo acreditar como se crer em Deus dependesse de uma inabalável convicção literal em todos os acontecimentos bíblicos ou nos pontos principais de uma doutrina eclesiástica.

Por sua vez, muitas das pessoas que estão dentro das igrejas e que passam por algum tipo de dúvida ficam sofrendo os mais infernais conflitos quando não se consideram convictas a respeito de um ponto relevante da “fé cristã”. Uns acham que podem não estar salvos, no sentido de jamais terem se convertido, ou que seus nomes acabaram de ser riscados do Livro da Vida. E muitos preferem permanecer fechados dentro de si mesmos deixando de compartilhar suas dívidas com algum irmão capaz de ajudá-lo e acabam agindo como se estivessem escondendo do próprio Deus onisciente a incredulidade.

Eu considero que a fé está relacionada a algo muito mais profundo do que meramente acreditar. É um estado de confiança e que inclui entrega, dependência e obediência, manifestando-se nas posições tomadas pelo crente em relação aos fatos da vida, os quais podem exigir escolhas radicais. Ou do contrário, como ensinou Tiago, a fé “é morta” (em outras palavras talvez uma fé inexistente).

Não há como negar que todo crente tem em si um pouco de ateu. É um ateísmo presente em nossa velha natureza e que ainda opera em nossa mente mortal, a qual precisa ser renovada a cada dia pela obediência à Palavra.

No entanto, este ateísmo trata-se de uma descrença que nem sempre irá se manifestar pela negação confessional da fé, ou no sentido de questionar a existência de Deus, mas principalmente nas horas de decidir cumprir aquilo que deve ser feito nas mais conflituantes situações.

Eu diria que é devido á incredulidade que muitos homens permanecem trabalhando desonestamente porque não confiam suficientemente em Deus a ponto de deixarem um negócio que lhes rouba a espiritualidade. Por causa dessa falta de fé, muitas pessoas preferem contar uma mentirinha para evitar situações de desconforto. E o mesmo ocorre no momento de ofertar, pois o incrédulo teme que amanhã passará necessidades se der aquela contribuição de modo que o ateu enrustido vive mais por medo do que por fé.

Ora, mesmo as lideranças dentro da Igreja podem ter a fé abalada e isto não as torna piores do que ninguém, mas tão somente humanas. Aliás, por várias vezes Jesus repreendeu didática e amorosamente os seus discípulos chamando-os de “homens de pequena fé”. E ainda assim o Mestre não perdeu a fé no que aqueles rudes pescadores da Galileia poderia se tornar de modo que a história mostrou o quanto tais homens simples e falhos foram capazes de crer em Deus.

A melhor maneira de lutarmos contra a nossa incredulidade não será encobrindo-a, fingindo que a dúvida não existe e que somos os super crentes. Pois o que deve ser feito é o homem assumir diante de Deus a sua necessidade de fé e descansar na graça.

Os três primeiros evangelhos um interessante caso em que os discípulos de Jesus, na ausência deste, não tinham conseguido expulsar o demônio de uma criança. Então, quando o Senhor conversou com o pai do menino, ele respondeu que seu filho, desde pequenino, quando ficava possesso, era atirado no chão, passando a ranger os dentes e espumando. Com isto, o espírito imundo tentava jogá-lo no fogo, ou na água, afim de matar a criança.

Entretanto, a narrativa de Marcos (9.14-29) mostra uma particularidade deste episódio sobre a fé que não encontramos em Mateus e Lucas. Durante o diálogo, o pai da criança pediu a Jesus, se “caso ele pudesse”, que os ajudasse. Admirado com a resposta daquele homem dúbio, Jesus afirma=lhe que “tudo é possível ao que crê”. Então, em sua réplica, o pai do garoto manifestou fé reconhecendo a própria incredulidade e reiterando com isto o seu pedido de socorro:

Imediatamente o pai do menino exclamou: 'Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!'” (Marcos 9.24; Nova Versão Internacional - NVI)

O final daquela história pode ser lido na Bíblia onde os escritores dos três primeiros evangelhos contam que o menino ficou liberto. E depois Jesus responde aos discípulos porque eles não puderam expulsar Satanás ao dizer-lhes que aquela casta de demônios só sai com oração (e jejum segundo alguns manuscritos).

Tal explicação de Jesus infelizmente é mal interpretada como se tratasse de uma fórmula para exorcismos e curas, sendo que, na verdade, o Senhor nunca orava para expelir um demônio. Quando aparecia um endemoniado, Jesus simplesmente ordenava com autoridade para que o espírito imundo saísse da pessoa da mesma maneira como determinava que uma tempestade se acalmasse, ou que os ouvidos do surdo se abrisse, ou que o morto se levantasse. Logo, quem precisava orar (e talvez jejuar) eram os discípulos, provavelmente para que tivessem mais relacionamento com Deus, o que é importantíssimo para o exercício da fé de qualquer pessoa (as orações dos salmos são puras expressões de fé).

Ainda assim, não é pela oração e nem pelo jejum que o homem adquire fé. Esta é frutificada pelo Espírito Santo nos nossos corações. É um dom gracioso de Deus de modo que nenhum homem é salvo por fé e sim pela graça. Ou seja, porque Deus é misericordioso a sua palavra torna-se revelação para nós e aí decidimos seguir a Jesus.

Ora, se somos salvos por graça e não por fé, nada temos a temer se, por algum motivo, a nossa fé vier a vacilar. Nestas horas devemos agir como o pai do menino endemoniado que clamou pela ajuda de Jesus quando reconheceu a própria incredulidade ao invés de se achar um super crente.

Nos momentos de falta de fé devemos nos lembrar de Pedro ao duvidar quando estava andando sobre as águas para encontrar-se com Jesus e acabou afundando. Aí, o apóstolo reagiu com fé gritando “Senhor, salva-me” (Mt 14.30) e Jesus tirou-o das águas colocando-o de volta ao barco.

Precisamos admitir que ninguém na Igreja é um super crente achando que a fé seja resultante de um esforço pessoal, erro que, no fim das contas, acaba sendo uma negação da graça. E, infelizmente, dentro de várias congregações evangélicas há pessoas com terríveis traumas de fé que se sentem bloqueadas para se abrir na comunidade porque temem serem rotuladas como mundanas, incrédulas, desviadas ou fracas.

Quando Paulo falou que nada de bom habitava nele (Rm 7.18), obviamente que isto inclui também a incredulidade de modo que todo crente é também um ateu em potencial

Que tenhamos fé! Nem que seja do tamanho do átomo de um grão de mostarda para pedirmos socorro a Deus nas horas mais difíceis. Aliás, a verdadeira força do homem está em admitir sua própria fraqueza.


Oração pela Fé

Senhor, dá-me fé!
Mesmo quando as circunstâncias em minha volta fizerem-me desacreditar na tua permanente companhia.
Mesmo se os recursos faltarem, a fome bater e as preocupações com o meu sustento surgirem, dá-me fé.

Nas enfermidades e na hora da dor, dá-me fé.
Na escolha pelo caminho estreito e apertado, quando na minha frente há uma estrada larga e pavimentada para trafegar, dá-me fé para te obedecer.
Se a perseguição, a dúvida ou a incerteza vierem me cercar, sustenta a minha fé. E venha depressa me socorrer.

Que eu tenha fé para não pecar.
Fé para ao mundo renunciar sem me ensoberbecer.
Fé para servir e amar.
Fé para me arrepender se errar e, com graça, continuar.

Com fé não vou me desesperar diante da morte porque sei que, quando tua voz me chamar, eu vou ressuscitar.
Tu estarás para sempre comigo. Não importa o que acontecerá.
Então, quando o coração parar de bater, um novo fôlego de vida em mim vai entrar e a ti eu vou para sempre louvar.

Sim, Senhor. Dá-me fé!

Muito obrigado pela tua graça.
Amém.

5 comentários:

  1. oi rodrigo, tudo bem?

    duvidar é tão importante quanto crêr. é na dúvida que muitos problemas são solucionados; a certeza petrifica, não dá margem a novas possibilidades e nem à crítica de que a (nossa) certeza pode estar baseada em solo arenoso.

    rodrigo, gostaria muito que você fizesse parte do nosso blog coletivo, "Confraria dos pensadores fora da gaiola", do qual o gresder é filho pródigo. pensa aí e depois me dá uma resposta.

    abraços

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  2. Olá, Eduardo!

    Seja bem vindo ao meu blogue!

    Considero a dúvida algo super produtivo e os Evangelhos transmitem a ideia de que Jesus talvez trabalhasse com a arte da dúvida levando os seus ouvintes a se auto-questionarem por diversas vezes e suponho até que ele estivesse querendo tirar o chão arenoso dos caras religiosos de seu tempo.

    A Igreja deve aprender a conviver melhor com a dúvida e, inclusive, fazer um uso amoroso desta ferramenta para o crescimento do corpo (obviamente que com a devida cautela com a imaturidade dos fracos e neófitos). Entretanto, o meio cristão ainda se mostra muito intolerante a métodos como a provocação de dúvidas e acho que, se Jesus viesse nos dias de hoje, talvez o papa e o Edir Macedo resolvessem crucificá-lo novamente.

    Saudações e obrigado pelo convite para conhecer seu blogue.

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  3. rodrigo, na verdade te convidei para você ser um dos escritores do blog da confraria.

    não é à toa que todos tem tomé como um vacilante, alguém que não deve ser admirado. pois eu gosto muito de tomé...

    abraços

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  4. Ok! Eu aceito colaborar com o site. Atualmente, além deste blogue, eu contribuo também para o Café com Gente e me sentirei honrado em poder publicar alguns artigos na sua página. Estou à disposição e, se desejar, pode publicar este meu texto na "confraria".

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  5. Amigo RODRIGO,

    Já estou vendo as marquinhos do sapato do EDU aqui! Rss..

    DUDU me ensine esta receita de como ser assíduo nos blogs dos amigos, porque estou quase me infartando pela falta de tempo. kkk

    Belíssimo texto Rodrigo!! Parabéns.

    Antes mesmo de terminar de ler, já pensei: Este é um ótimo artigo para o blog CPFG!

    Creio que dentro de cada um de nós existe um ateu.

    Quando numa mera reflexão, cogitamos a hipótese de não ter sentido em crer em algo que não vemos, então percebemos que não há sentido em crer em um deus que não vemos (pensamento racional).

    É pela razão, que encontramos o "eu ateu" dentro de nós.

    A fé é sentimento, e pela fé encontramos a "razão" para amar este deus que não vemos...mas a razão não pode explicar a fé...elas entram em oposição.

    Gostaria que fizesse parte do nosso blog da CPFG.

    O Edu já lhe convidou, e eu saliento o convite meu amigo...admiro a tua escrita.

    Se decidir fazer parte da CPFG, me deixe um recado em meu blog, que comunicarei o grupo e lhe enviarei o convite para ser autor do blog e postar textos lá, na sua vez de postagem.

    Um beijo.

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