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domingo, 28 de janeiro de 2018

Será que teremos um enxame de candidaturas avulsas no Brasil?!



Para as eleições de outubro, sinto que algo de novo poderá acontecer e causar um considerável impacto em nossa nossa democracia com efeitos ao mesmo tempo positivos e negativos. Trata-se da possibilidade de um cidadão apresentar uma candidatura avulsa.

Primeiramente, vamos entender o que vem a ser isso que é a possibilidade de pessoas sem filiação partidária concorrerem a cargos eleitorais. Pois, para nós brasileiros, embora nunca tenhamos assistido a algo assim, eis que, na maioria dos países democráticos, é muito comum. O exemplo mundial mais recente e expressivo seria a vitoriosa eleição do independente Emmanuel Macron na França. E, até março de 2017, uma outra potência européia que é a Alemanha era presidida por Joachim Gauck, também eleito sem pertencer a nenhuma agremiação partidária.

Pois bem. Embora a Minirreforma Eleitoral de 2017 (Lei nº 13.488/2017) tenha tentado barrar isso, ao acrescentar o parágrafo 14 ao artigo 11 da Lei Federal n.º 9.504/97, no sentido de vedar expressamente o registro de candidaturas avulsas, mesmo que o requerente seja filiado a algum partido, ainda assim temos uma controvérsia jurídica provocada desde as eleições municipais de 2016 no Rio de Janeiro. O motivo é que o artigo 14, parágrafo 3º, da nossa Constituição apenas determina que para concorrer às eleições o interessado deve estar filiado a algum partido. E, como o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, o qual não prevê a filiação partidária como requisito para ser votado, o tema passa a ter algum amparo jurídico. Senão vejamos o que dispõe o artigo 23 do Tratado que cuida dos direitos políticos das pessoas:

"1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a. de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
b. de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal." (destaquei)

Importante lembrar que, pouco depois do impeachment de Collor, o então presidente interino, Itamar Franco, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Na ocasião, ele determinou o seu cumprimento inteiro como se lê no artigo 1º do Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992.

Para acalorar mais ainda a polêmica, eis que já se criou um precedente em Goiás. Numa ação movida pelo advogado Dr. Mauro Junqueira, o autor requereu o reconhecimento do direito de disputar as eleições de 2018, mesmo sem ter vínculo partidário. E, recentemente, a decisão da Exma. Juíza Eleitoral Ana Cláudia Magalhães, da 132.ª Zona Eleitoral de Goiás, atendeu ao pleito do advogado Mauro Junqueira e também da União dos Juízes Federais (UNAJUFE), ordenando o seguinte:

"Forte no disposto no artigo 300 do Código de Processo Civil, concedo a medida cautelar, para determinar que o Tribunal Superior Eleitoral, órgão responsável pelos programas das urnas eletrônicas a serem utilizadas nas Eleições Gerais de 2018, através de sua unidade de Tecnologia da Informação, desenvolva naquelas seus softwares e códigos fontes para que estejam inscritos os códigos necessários para inscrição de candidato não vinculado a partidos políticos, com previsão de número próprio" 

Além da decisão da  magistrada de Goiás, uma forte apoiadora das candidaturas avulsas é a procuradora-geral da República, Dra. Raquel Dodge, que já enviou parecer ao STF no qual defende a possibilidade de que haja candidaturas avulsas em campanhas eleitorais no Brasil. A PGR sustentou que, com base no Pacto de San José da Costa Rica e por ausência de proibição constitucional, é possível haver candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro. 

Pelo que se espera, a nossa Corte máxima deve julgar ainda este ano um recurso extraordinário com repercussão geral (ARE n.º 1.054.490) da relatoria do min. Luís Roberto Barroso. O caso se refere a uma ação movida por um outro advogado fluminense, o Dr. Rodrigo Sobrosa Mezzomo, o qual tentou concorrer à Prefeitura do Rio de Janeiro durante o pleito de 2016, mas teve a sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral por não estar filiado a nenhum partido político. Porém, apesar das eleições municipais terem já passado, o que o Supremo vier a decidir acredita-se que pacificará de vez a questão no Brasil todo.

Em minha opinião, uma democracia forte se faz com partidos fortes de modo que, em tese, não concordaria com a apresentação de candidaturas avulsas. Porém, entendo que, ainda assim, os candidatos independentes devem ser permitidos para que que seja obedecido o Pacto de San José da Costa Rica uma vez que não há impedimentos expressos na Constituição contrários às candidaturas avulsas. Além de que uma democracia deve dar a mais ampla liberdade às pessoas quanto ao exercício dos seus direitos políticos.

Por mais que o fortalecimento dos partidos seja importante, não me surpreenderia se, numa eventual eleição, principalmente em âmbito municipal, um governante eleito juntamente com uma chapa de candidatos a vereador, não poderia fazer diferença dentro da política de sua cidade. Até porque muitos diretórios locais não têm a autonomia respeitada pelas executivas estaduais de seus partidos quando negociam entre os deputados as candidaturas nos municípios.

Entendendo que os partidos são instituições privadas regidas por um estatuto próprio, o qual pode ser até menos democrático do que a Constituição Federal, considero que deva ser respeitada a possibilidade de uma dissidência romper e lançar os seus candidatos de maneira avulsa. Pois, embora o ideal seria o grupo de descontentes pedir desfiliação para ingressar em outra legenda afim mais aberta (ou criar uma nova instituição), deve-se levar em conta o atual momento de crise política pelo qual o Brasil passa.

Para concluir, desejo que o STF venha a permitir as candidaturas avulsas no Brasil. Porém, torço para que a decisão sirva justamente para incentivar as nossas agremiações partidárias a se reciclarem, no sentido de se tornarem mais receptivas, abertas, democráticas e interativas. Pois, do contrário, a política nacional continuará sendo uma eterna bagunça e sem credibilidade popular.

Finalizando, por considerar essa generalizada falta de confiança do eleitor nos partidos e nas principais lideranças políticas, fico a indagar se, nas eleições deste ano, caso a Justiça Eleitoral assim autorize, teremos um enxame de candidaturas avulsas? Sinceramente, acredito que sim. E nada sendo decidido pelo STF no referido recurso com repercussão geral, possivelmente virão muitos interessados pretendendo concorrer aos pleitos até para fazerem um contraponto a uma insistência do PT quanto ao registro de uma candidatura de Lula já condenado em segunda instância judicial por conduta criminosa.

Vamos acompanhar!

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