Será que a poluição sonora no Brasil não tem raízes históricas profundas?!
Por esses dias eu comecei a ler o interessante livro de Laurentino Gomes, 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil, em que, na página 72, o autor nos trás um curioso relato vindo do jornalista teuto-brasileiro Carlos von Koseritz (1830 — 1890) acerca do agitado cotidiano do Rio de Janeiro no final do século XIX: "Tudo roda e trepida pelas ruas, fazendo sobre o calçamento de paralelepípedos um barulho infernal". E prosseguiu mencionando a contribuição dada pela conduta perturbadora dos "vendedores de frutas, de jornais, de bilhetes, engraxates", os quais não deveriam economizar palavras e sons afim de tentar chamar a atenção do público para seus produtos.
Já outra testemunha da época, a escritora e educadora alemã Ina von Binzer (1856 — 1929), numa carta de 1881 enviada a uma amiga, classificou o Rio como a cidade mais barulhenta que ela havia conhecido e assim teria reclamado, segundo uma citada descrição de Evaristo de Moraes que Laurentino extraiu de "A Conspiração", em Hildon Rocha, Utopias e realidades da República, pág. 109 e seguintes desta obra:
"Vendedores de água, vendedores de jornal (...), vendedores de balas, de cigarros, de sorvetes; italianos apregoando peixes; realejos e outros instrumentos, não se levando em conta os inúmeros pianos soando janelas afora, tudo isso atroa pelas ruas estreitas, onde os sons estridentes se prolongam indefinidamente. (...) Complete essa festa dos ouvidos com o crepitar dos foguetes queimados dia e noite. (...) Além do barulho ensurdecedor, (...) a sujeira e a desordem. As calçadas, principalmente nos bairros comerciais, são tão sujas como o leito das ruas."
Em que pese essa herança cultural e histórica de nossos ancestrais, o certo é que a poluição sonora não proporciona benefício algum para o bem estar e para a saúde das pessoas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde — OMS, o limite tolerável de ruídos ao ouvido humano é de 65 decibéis, pois, acima disso, o nosso organismo sofre de estresse, o qual aumenta o risco do surgimento de diversas doenças.
Como consequência da produção excessiva de ruídos podemos citar a perda da audição, a interferência com a comunicação, o sentimento de dor, prejuízos quanto ao sono, dificuldades de concentração no desempenho das mais diversas tarefas e vários incômodos. Entre os efeitos sobre a saúde humana em geral, tem-se registrado sintomas de grande fadiga, lassidão, fraqueza, aceleração do ritmo cardíaco, aumento da pressão arterial, impressão de asfixia, alteração do estado de humor, redução na capacidade de comunicação e interferências no aparelho digestivo. Acima de 85 decibéis, aumenta-se o risco de comprometimento auditivo, sendo que, quanto maior o tempo de exposição ao barulho, diretamente proporcional será o risco da pessoa sofrer danos em sua saúde.
Estabelece a NBR 10.151 da ABNT que o critério básico de ruído para áreas residenciais deve ser de no máximo 45 decibéis! E a Resolução n.° 001, de 08 de março de 1990 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), bem como a Lei do Estado do Rio de Janeiro n.° 4.324, de 12 de maio de 2004, adotam os critérios da mencionada NBR da ABNT para efeito de controle de emissão de ruídos. No seu artigo 225 caput, diz a nossa Constituição da República de 1988 ser direito de cada um usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, estabelecendo ainda que é da competência de todos os entes políticos, inclusive do Município, "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" (art. 23, VI).
É certo que o ruído possui natureza jurídica de agente poluente capaz de afetar o bem estar do ser humano (e dos animais), ainda que se diferencie em alguns pontos de outros agentes poluentes, como os da água, do ar, do solo, especialmente no que diz respeito ao objeto da contaminação. Assim, torna-se indispensável o Poder Público identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados pela produção de ruídos a fim de evitar a poluição sonora das áreas habitadas. E uma das maneiras de se promover isso se faz pelo planejamento do desenvolvimento que é um dos mais importantes instrumentos de proteção popular diante das vibrações sonoras.
Mas quando é que a redução do ruído nas áreas residenciais e de recreação se tornará o fim prioritário dos planos ambientais e de desenvolvimento aqui no nosso país?! Sinceramente, acho muito difícil algo desse nível acontecer até que o brasileiro tome consciência da importância de zelar por sua saúde e pelo seu bem estar, bem como reconhecer o direito de seu vizinho não se sentir incomodado pela barulheira produzida.
Na localidade de Muriqui na qual moro, um baleário do litoral sul-fluminense, sofremos anualmente com terríveis problemas de poluição sonora na época da alta temporada turística. Principalmente os moradores que vivem perto da orla marítima onde é muito comum uns mal educados pararem seus carros de som impondo a todos que ouçam esses funks horrorosos num ensurdecedor volume. Assim como o Rio de Janeiro nos tempos de D. Pedro II, fogos de artifício podem ser disparados a qualquer hora do dia nas cidades brasileiras sem que se trate de uma ocasião festiva. E o que dizer daquelas igrejas neo-pentecostais (não vou generalizar todas as instituições desse ramo do protestantismo) que celebram seus "cultos de adoração" ao som de gritarias e sem a devida proteção acústica em que seus líderes chegam a alegar "perseguição religiosa" quando simplesmente são notificados a cumprir aquilo que manda a lei?!
Percebendo essa necessidade de termos normas jurídicas ainda mais eficazes para combater a poluição sonora e considerando que é da competência do Município legislar sobre assuntos de interesse local, cheguei a redigir um anteprojeto de lei acerca do assunto. E, como não sou de me conformar com uma situação errada, resolvei compartilhar com a sociedade daqui postando um artigo dia 02/06/2013 no blogue Propostas para uma Mangaratiba melhor onde apresentei a minha ideia. Em novembro daquele ano, recebi um comentário da ilustre secretária municipal de meio ambiente Natacha Kede informando ter encaminhado a sugestão para análise da Procuradoria da Prefeitura.
Embora até hoje eu desconheça sobre a apresentação de algum projeto de lei do Poder Executivo Municipal tratando de maneira satisfatória sobre o combate à poluição sonora (e menos ainda visto uma ação fiscalizatória das autoridades locais capaz de por fim a essa bagunça que se repete todos os verões aqui no município de Mangaratiba), acho que vale a pena lutar pelos nossos direitos. Quem sabe um dia as futuras gerações percebam a importância de usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado em todos os seus aspectos, não é mesmo?! E que ninguém venha me dizer aquela autoritária frase "os incomodados é que se mudem" porque não desistirei fácil dessa briga que os brasileiros dos séculos futuros talvez venham a reconhecer como justa quando, finalmente, nossos netos, bisnetos ou tataranetos passarem a habitar cidades mais tranquilas.
Desejando a todos um excelente dia e parafraseando os dizeres em latim da bandeira de Minas Gerais, escrevo estas frases finais do texto de hoje:
Sossego Quae Sera Tamen!
OBS: Imagem acima oriunda do site http://maispinhais.com.br/2012/05/poluicao-sonora/
Ao ler o teu texto, Rodrigão, na parte que você fala do barulho infernal que fazem os neo-pentecostais em seus cultos de adoração, veio à lembrança o meu tempo de menino.
ResponderExcluirNaquela época, os que residiam perto dos templos pentecostais já reclamavam às autoridades para tomarem providências sérias contra o que denominavam "berreiros" , que se prolongavam até altas horas da noite.
Mas os destemidos pentecas dos anos 50 e 60, em tom de desafio aos incomodados reagiam de uma forma bem comum, ainda hoje. Retrucavam com um hino avulso muito aplaudido naquela época (acho que a nossa confrade Guiomar deve saber de cor e salteado): “Esse Povo Barulhento”.
Você pode conferir o ameaçador hino, copiando o link abaixo (rsrsrs):
http://letras.mus.br/cecilia-de-souza/532727/
Boa tarde, Levi!
ExcluirConfesso que não conhecia esse hino, mas, ao prestar a atenção na letra, através da página que indicou, notei ali um triunfalismo infantil e a implícita falta de percepção de que o barulho de um culto religioso pode estar invadindo as esferas íntima e privada de outras pessoas que desejam ter um mínimo de sossego nos seus lares. E pior do que isso é encontrar líderes dessas igrejas alegando perseguição religiosa acerca de algo que se cuida de mero cumprimento do dever legal... São simplesmente patéticos, com todo o respeito de crença e de valores de cada grupo religioso, quer seja um segmento do meu cristianismo ou de qualquer outra religião que venha agir de igual modo.
Entendo que uma igreja pode muito bem gritar, dançar, pular, sapatear e fazer suas "orações fortes" achando que a Divindade seja surda. Afinal, é direito deles agir assim, desde que não incomodem os outros.
Olhando para a sociedade de hoje, vejo-a dividida em suas diversas "tribos" em que muitos grupos, sejam religiosos ou não, simplesmente desrespeitam os demais. É o caso dos jovens que invadem a localidade onde vivo nos dias ensolarados do verão, mais precisamente entre o ano novo e os eventos carnavalescos. Ouço cada funk pesadão com palavrões e apologia ao crime, o que agride qualquer ambiente familiar. Essas pessoas que poderiam muito bem se reunir num lugar privado, preferem invadir a orla marítima e passam a madrugada toda até o dia amanhecer tirando o sossego da vizinhança.
Meu pensamento, amigo, é que um grupo evoluído não precisa fazer questão de se territorializar. Basta coexistir e buscar uma convivência pacífica com todos. Aliás, entendo que buscar uma identificação no diálogo seria a posição mais acertada de quem já alcançou um nível de maturidade. Não concorda?
Grande abraço!