Páginas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ainda não desisti dos tribunais




 "Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias os acharás" (Eclesiastes 11.1; ARA)

Em 2008/2009, a rotina forense passou a me esgotar após ter exercido a advocacia em somente três anos. Comecei a evitar novos casos, buscando permanecer apenas com as ações em curso nas quais já atuava por motivo de compromisso profissional. Sempre que alguém me procurava, encaminhava logo a pessoa para a Defensoria Pública ou para o escritório de um outro colega. Se fosse coisa de Vara de Família, aí já recusava logo de cara e me limitava a prestar só uma orientação jurídica.

De fato, andei sonhando com oportunidades que fossem melhores. Pensei na possibilidade de fazer um concurso público ou numa pós-graduação para dar aulas. Em maio, uma professora da Universidade Cândido Mendes convidou-me para voltar a Nova Friburgo e proferir uma palestra, quando então o coordenador do curso de Direito daquele campus encorajou-me a tentar um mestrado. Agradeci-lhe a ideia, mas, infelizmente, ainda não fui capaz de colocar em prática esta e outras excelentes sugestões que frequentemente recebo.

Por esses dias, entretanto, aprendi que a advocacia no Brasil e no Rio de Janeiro pode estar pouco satisfatória, desprestigiada, muito difícil, mas não impossível. Neste mês de outubro, acabei ajuizando minha primeira ação aqui na comarca de Mangaratiba, municipio onde estou residindo desde agosto após uma breve e sofrida passagem pela cidade do Rio de Janeiro.

Atravessando um deserto no decorrer deste ano, senti-me na obrigação de tirar água da rocha quando me mudei para cá estando com a esposa internada numa clínica conveniada com a Unimed. Suportando problemas financeiros e não querendo faltar com os compromissos (as dívidas hoje correspondem à metade do orçamento familiar), comecei a fazer o que pudesse para diminuir despesas consumindo o necessário e sair para arrumar trabalho, conforme relatei na mensagem anteriormente postada aqui dia 21/09. E assim foi minha rotina no restante de setembro e agora em outubro.

Entretanto, num desses dias do mês, quase perdi a cabeça quando a Secretaria Municipal de Saúde recusou-se a fornecer um dos remédios que o médico de minha esposa receitou para ela. Tomando cinco comprimidos diários, Núbia consome em três dias uma caixa com 14 porções de 25 mg de um certo medicamento controlado que custa uns R$ 15,00 a R$ 20,00 nas farmácias. E aí confesso que pirei.

Onde eu iria tirar mais dinheiro para comprar 11 caixas mensais do remédio se, com dificuldades, apenas estou pagando dívidas, despesas da casa e comprando comida?!

Por aqueles dias de desespero, um funcionário da Prefeitura disse-me que a situação só se resolveria se procurássemos a Defensoria Pública. Segundo ele, o município tem até uma verba especificamente destinada para comprar medicamentos que não constam na lista do SUS, desde que cumprindo ordens da Justiça. Isto porque, graças aos nossos maravilhosos políticos, recentemente eleitos ou reeleitos pelo povo, obstáculos são propositalmente criados para a assistência farmacêutica prevista na lei ser mal prestada e o direito constitucional à saúde jamais ser algo de todos...

Pois bem. Naquela hora lembrei de que ainda sou um advogado!

Por qual razão eu iria mandar minha mulher procurar a Defensoria, ocupando mais um lugar na fila dentre outras pessoas igual ou mais necessitadas se eu mesmo poderia fazer a ação dela e ainda tentar ganhar algum dinheiro no final do processo a título de sucumbência na hipótese de êxito?

Por que continuar fugindo dos tribunais se, hoje em dia, até os pequenos trocados estão fazendo falta para a economia do lar?

Arregaçando as mangas, assim fiz nos dias 17 e 18/10. Passei a madrugada trabalhando numa petição que para a Defensoria é bastante comum mas que eu somente tinha feito quando ainda era estudante de faculdade. Pela manhã do dia 18, tirei do armário o terninho verde, o primeiro que comprei quando ainda era estagiário no ano de 2004, calcei o sapato marrom combinando com o cinto da mesma cor, apertei o pescoço com a tal da gravata e fui de ônibus para o Fórum de Mangaratiba junto com os demais trabalhadores.

Felizmente deu certo, embora eu temesse pelo fato da receita não ser do SUS e sim do médico da rede conveniada da Unimed. Como nos demais casos já apreciados pela magistrada do Juízo Único daqui, a decisão foi praticamente a mesma dos outros. E, no dia seguinte, Núbia já estava recebendo em casa a medicação. Este foi o brilhante posicionamento da juíza:

"Trata-se de ação através da qual a parte autora postula, em sede de tutela antecipada, a determinação para que o Município de Mangaratiba providencie com urgência a medicação (...) uma vez que não possui condições financeiras para arcar com seu custeio. Acompanharam a petição inicial os documentos de fls. 12/65, dentre os quais destacam-se aqueles atestando a necessidade de utilização da aludida medicação. É O BREVE RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR. Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade de justiça. O artigo 196 da Constituição da República, ao tratar da ordem social, consagrou o direito à saúde como autêntico direito fundamental de todos os indivíduos, o qual se caracteriza como direito constitucional de segunda geração, impondo ao Poder Público o dever de agir, fornecendo todos os meios necessários para que tal garantia seja efetiva, meios esses entre os quais assume especial relevância o tratamento médico, com todos os meios que se façam necessários à cessação à lesão à saúde do indivíduo. Por certo, a promoção, proteção e recuperação da saúde exigem em certos casos como o dos autos a disponibilização de internação em unidade de tratamento intensivo. A Constituição da República instituiu ainda, em seu art. 198, o Sistema Único de Saúde, regulamentado pela Lei nº 8.080, a qual, após tornar expresso que o sistema é composto por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais (art. 4º), explicita em seu art. 6º, I, alínea d, o dever de prestar assistência terapêutica e integral, inclusive farmacêutica. Frise-se que o conjunto probatório trazido aos autos, é mais que suficiente para ensejar o deferimento da medida requerida, destacando-se que o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro é pacífico no tocante ao deferimento de tutelas antecipadas para tratamento de saúde, quando juntado aos autos o laudo médico atestando tal necessidade. Por analogia, é válido ressaltar o enunciado resultante dos encontros dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, realizados nos anos de 2009, 2010 e 2011: ´Enunciado 23: Para o deferimento da antecipação de tutela contra seguro de saúde, com vistas a autorizar internação, procedimento cirúrgico ou tratamento, permitidos pelo contrato, basta indicação médica, por escrito, de sua necessidade´. Assevere-se que a documentação acostada aos autos, denota ser patente a necessidade de uso dos medicamentos em questão para a manutenção do estado de saúde da parte autora, salientando que a interrupção do tratamento, pode trazer a ela danos irreparáveis. Assevere-se que a autora possui o direito, constitucionalmente previsto, a que o Município lhe disponibilize o tratamento e medicação devidos, razão pela qual deve ser deferida a tutela ora requerida. Por fim, repise-se que os requisitos dispostos no artigo 273 do CPC restaram cabalmente comprovados, na medida em que vislumbrou-se nos autos a verossimilhança das alegações, consubstanciada através das provas inequívocas trazidas com a exordial (laudos médicos e exames), não obstante, ainda, o patente periculum in mora, haja vista o risco de dano irreparável para a saúde da autora. Em face do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA e determino que o Município de Mangaratiba providencie a medicação (...) ou genérico, na quantidade de 11 CAIXAS, de 14 comprimidos cada, MENSALMENTE, NO PRAZO DE 24 HORAS, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), em caso de descumprimento, sem prejuízo da majoração desta multa. Intime-se o Município de Mangaratiba, para que cumpra a presente decisão, na pessoa de seu procurador e Secretário de Saúde. Sem prejuízo, cite-se. P.I." (Decisão interlocutória decidida nos autos do processo n.º 0005500-35.2012.8.19.0030 pela MMª Juíza de Direito Drª BIANCA PAES NOTO da Vara Única da Comarca de Mangaratiba do Estado do Rio de Janeiro, em 18/10/2012)

Glória a Deus! Bendito seja o Senhor que nos proveu o sustento na hora certa! Aleluia!

Confesso que, depois deste episódio, tenho começado a ver as coisas ficando mais favoráveis. Com muito menos possibilidade de estudar agora para um concurso ou fazer uma pós, estou na expectativa de conseguir algo que ao menos sirva para ajudar nas necessidades mais imediatas. Semana passada atendi um casal interessado em resolver um problema de locação de imóvel e depois uma empresa de São Paulo telefonou-me pedindo uma certidão criminal nesta comarca. Depois foi a vez do Centro de Capacitação Profissional daqui de Muriqui chamar-me para uma conversa sobre o resultado de um teste realizado anteriormente e, na sexta-feira, fui encaminhado para uma primeira entrevista pelo balcão de empregos de Mangaratiba onde havia deixado o currículo desde setembro.

Como as coisas serão daqui para frente, está tudo nas mãos de Deus e a ansiedade é algo que preciso expulsar constantemente do campo de batalha da mente. A Bíblia ensina no citado livro de Eclesiastes que devemos lançar o nosso pão sobre as águas, o que significa investir, correr riscos, enfrentar o mar de incertezas, buscar sempre oportunidades ao invés de ficarmos parados, apostar no futuro e diversificar negócios.

Pois é, amigos. Hoje estou percebendo mais do que antes o valor da ferramenta que Deus me colocou nas mãos - a advocacia. Com a tal da carteirinha da OAB e conhecendo o Direito, tenho o grande potencial de ser vitorioso por mais que ainda existam cento e tantos mil causídicos em atuação aqui pelo estado do Rio de Janeiro. Basta esforçar, aperfeiçoar e, principalmente, jamais perder a fé. Pouco importa a secura do deserto pois o Pai Eterno, bendito seja, sempre nos sustentará.

Uma boa semana a todos e fiquem na paz do Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador.


OBS: Imagem extraída do acervo da Wikipédia em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:P%C3%A3o_de_centeio.jpg

2 comentários:

  1. Olá Rodrigo, bom ter noticias. Ainda não são as melhores que esperamos mais não deixam de ser vitorias. Rodrigo não sei sua idade mas tenho a impressão que sou alguns anos mais velho que você no pouco que te conheço noto que é uma pessoa do bem e com muito potencial. Por experiencia própria e baseado neste momento que você está passando realmente não deves abrir mão de sua formação. sabemos que as vezes precisamos mudar de rumo mais isso é relativo. Se me permite só gostaria de deixar o alerta para que não se deixe atrapalhar por dilemas o que sabemos no momento é que você precisa de trabalhar e que o oficio da advocacia e algo de essência muito nobre. Por coincidência ainda hoje em função deste período de eleições que atravessamos, vendo esse troca-troca de velhos e novos velhos políticos, me ocorreu que o que falta mesmo nesse pais para ser chamado de democracia é as pessoas ter acesso aos seus direitos. no atual estagio a verdade é que estamos nas mãos de boçais que nunca vão ser capazes de trabalhar pelas pessoas. eles não querem, não sabem e não podem fazer nada. o único recurso é o povo lutar por seus direitos, mas para fazer isso na legalidade é preciso ter acesso a justiça.
    Continuo na torcida por você e sua esposa!
    um abração.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado Gabriel,

      Sempre é bom poder ler palavras de encorajamento como as suas e achei bem interessante quando colocou "que o oficio da advocacia e algo de essência muito nobre". Isto, sinceramente, fez-me recordar de que, como diz a nossa Carta Magna, "o advogado é indispensável e essencial à administração da justiça" (art. 133, da CRFB/88).

      Concordo inteiramente sobre o acesso das pessoas aos seus direitos, algo que muitos advogados podem contribuir das mais diversas maneiras. Tanto através de ações voluntárias de ensino à população adulta (projetos oficiais, por meio de ONGs, sindicatos) como também nas próprias escolas. E, neste caso, trago à memória os velhos tempos em que o aluno recebia boas noções de civismo pelo intermédio der seu professor. Pois, mesmo sendo algo conservador, ajudava a formar uma base de cidadania no indivíduo.

      Agradecendo por mais última visita sua, desejo-lhe um forte abraço extensivo aos seus familiares. Volte sempre!

      Excluir