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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Como assegurar a observância de prazos pelos provedores de internet para cumprimento de suas obrigações?

A criação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei Federal n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), trouxe significativas mudanças para o mercado brasileiro. Devido às normas inovadoras desse diploma legal, houve uma considerável melhoria nos produtos oferecidos pelo comércio em geral, sobretudo no que diz respeito à segurança, ao reparo e à informação acerca dos mesmos.

No entanto, mesmo duas décadas depois, nem todos os dispositivos do código têm sido devidamente observados pelas empresas que atuam no mercado nacional. Principalmente pelas que prestam serviços de informática. Foi o que pude constatar recentemente neste mês quando acionei o suporte técnico do meu provedor de acesso à internet que, simplesmente, havia ignorado o inciso XII do artigo 39 da referida lei.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.


No começo da tarde do 08/11/2010 (salvo engano), quando solicitei um apoio ao suporte do meu provedor, não foi possível solucionar o problema pelo telefone. A pessoa que me atendeu no outro lado da linha disse que já estaria enviando um técnico da empresa para a minha residência.

Fiquei então em casa aguardando, deixando de fazer outras coisas na rua que tanto adiantariam minha vida. Porém, passaram-se algumas horas e já que não apareceu nenhum representante da empresa, liguei novamente para o suporte do provedor afim de reclamar. Aí me orientaram que continuasse esperando porque, segundo a informação do funcionário, a equipe técnica estava cuidando de outros atendimentos de acordo com a ordem dos chamados.

Lá pelo final da tarde, precisei ir às ruas para fazer compras e aproveitei para reclamar pessoalmente no estabelecimento do provedor, explicando que não poderia permanecer em função da disponibilidade de tempo da área técnica e que necessitava daquele atendimento. Então o funcionário da recepção da empresa reiterou o absurdo posicionamento dado anteriormente por eles no telefone, querendo que eu aceitasse passivamente a ausência de previsão exata para atender a minha solicitação e continuasse esperando.

Naquele dia, ninguém do provedor de internet apareceu em minha residência para verificar o problema. E eu, com tantas outras questões importantes para resolver, logicamente não poderia ficar a semana inteira aguardando indefinidamente pela visita do técnico da empresa. Coloquei o computador na manutenção e fui cuidar de meus afazeres cotidianos.

Uns quatro dias depois, numa sexta-feira, quando eu estava trabalhando na rua e minha esposa fazendo sua fisioterapia na clínica, fui surpreendido com com uma ligação no meu celular do técnico da empresa dizendo que ele estava em frente à portaria de meu prédio para atender ao chamado de reparo. Por óbvio, não foi aquela vez que a internet pôde ser restabelecida pois o computador nem estava em casa e eu numa distância de aproximadamente um quilômetro a pé. Respondi que, por causa daquele abuso sofrido, iria procurá-los para cancelar o serviço.

Após de ter pesquisado um pouco sobre a qualidade das demais empresas de internet a cabo em minha cidade, voltei pessoalmente ao meu provedor em 18/11 afim de formalizar o término do contrato. Foi aí que me colocaram em contato com alguém da área administrativa que desejou saber qual seria o motivo daquele cancelamento e, obviamente, tentou me persuadir a permanecer como cliente.

Aproveitei a ocasião para desabafar e mostrei ao funcionário através de um exemplar do Código de Defesa do Consumidor exposto no balcão o quanto a conduta praticada praticada pela área técnica da empresa se mostrava abusiva, contrariando o inciso XII do artigo 39 da lei. Com alguns minutos de conversa, resolvi entrar em acordo com o provedor que acabou concordando em agendar previamente uma visita da área técnica para o dia seguinte entre das 15 até às 16 horas de 30 minutos, bem como ponderar acerca da norma legal por mim citada.

Dentro da data e do horário acertado, o técnico veio até minha residência e configurou a internet no meu computador de modo que voltei a acessar normalmente a rede. E preferi não mudar de provedor porque já tinha verificado que os serviços prestados pela concorrência em minha cidade não são muito diferentes da empresa da qual sou cliente.

Apesar de ter conseguido que o representante da área administrativa se comprometesse verbalmente a rever os procedimentos da equipe técnica do meu provedor em conformidade com as normas do Código de Defesa do Consumidor, não fiquei satisfeito com a situação. Isto porque o usuário das empresas que prestam serviços de internet têm sido expostos a situações que nos colocam em inegável desvantagem jurídica em face da ausência de normas que fixam prazos razoáveis para o cumprimento de determinadas obrigações específicas, bem como pela inexistência de um órgão regulador capaz de monitorar a qualidade da atuação desses provedores.

Em seus comentários ao item XII do artigo 39 da lei, o jurista paraibano Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor e que foi indicado pelo Lula para ser ministro do STJ em 2006) considera que o prazo para cumprimento das obrigações pelo fornecedor é cláusula que deve constar no contrato de prestação de serviço:

“Não é raro encontrar-se no mercado contratos em que o consumidor tem prazo certo para cumprir a sua prestação (o pagamento do preço normalmente), enquanto o fornecedor possui ampla margem de manobra em relação à sua contraprestação. Basta que se lembrem os casos dos contratos imobiliários em que se fixa uma prazo certo para a conclusão das obras a partir do início ou término das fundações. Só que para estes não há qualquer prazo. O dispositivo é claro: todo contrato de consumo deve trazer, necessária e claramente, o prazo de cumprimento das obrigações do fornecedor.” (Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pág. 382)

É claro que os contratos podem ser questionados pelos consumidores e pelas suas associações através da via judicial. E, dependendo da situação, desde que haja uma lesão ou ameaça a direitos coletivos, até o Ministério Público pode intervir por intermédio de suas promotorias de tutela coletiva, com grandes chances de propor um termo de ajustamento de conduta capaz de suprir eventuais omissões contratuais.

Por outro lado, é pertinente a reflexão de que avaliar diversos contratos nas relações de consumo não se torna algo prático para os dias atuais, pois isto contribuiria para sobrecarregar mais ainda os promotores de justiça e a briga acabaria sendo um poço sem fundo porque a cada dia iriam surgir novos contratos de provedores de internet ignorando o dispositivo do código, ou tentando burlar a norma a exemplo das empresas de construção civil como bem colocou o respeitável jurista Antônio Herman quando mencionou em seu texto as situações que ocorrem com frequência no mercado imobiliário.

Ora, se a revisão dos contratos dos provedores de internet é tarefa exaustiva para os consumidores, então o que fazer para que tais prestadores de serviços observem prazos razoáveis para o cumprimento de suas obrigações?

A meu ver, tais problemas poderão ser melhor combatidos através da elaboração de normas específicas para cada segmento das elações de consumo conforme já existe no setor de telefonia em que a criteriosa legislação de telecomunicações prevê prazos para situações que envolvem reparo na linha do assinante, a instalação do serviço pela concessionária, sobre o tempo de espera no call center, bem como a obrigatoriedade no fornecimento de um protocolo para as solicitações dos consumidores.

Nos dias de hoje em que a internet tornou-se algo essencial para as comunicações e para o desenvolvimento de inúmeras atividades profissionais, acadêmicas, comerciais e institucionais, já deveria existir não apenas leis regrando o funcionamento dos serviços de acesso à rede prestados aos consumidores como também a criação de uma agência reguladora semelhante à ANATEL (ou um alargamento da competência desta). Sendo assim, não pode o governo federal tratar os provedores apenas como empresas que prestam um serviço adicionado, deixando uma importante atividade aos cuidados de um mero comitê gestor(*) que não possui nenhum poder de fiscalização.

Verdade seja dita que, atualmente, a internet deixou de ser há tempos um luxo de classes privilegiadas como ainda era na primeira metade dos anos 90. E também não são apenas empresas de grande porte que necessitam da rede para suas atividades. Não só pequenos profissionais liberais como eu precisam navegar nas páginas da web (desde meados de 2007 que os processos da Justiça Federal começaram a ser digitalizados) como também até crianças de escola pública precisam pesquisar trabalhos de casa e renovarem suas matrículas anualmente pelo meio virtual.

Portanto, fica aí o compartilhar de minha proposta para que os serviços prestados pelo provedores de internet tornem-se objeto de uma proteção estatal mais satisfatória, incluindo normas de qualidade e atividades eficientes de regulação.


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(*) O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) foi criado pela Portaria Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003, para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. Composto por membros do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica, o CGI.br representa um modelo de governança na Internet pioneiro no que diz respeito à efetivação da participação da sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da rede. Com base nos princípios de multilateralidade, transparência e democracia, desde julho de 2004 o CGI.br elege democraticamente seus representantes da sociedade civil para participar das deliberações e debater prioridades para a internet, junto com o governo. (Fonte: http://www.cgi.br/sobre-cg/definicao.htm)

2 comentários:

  1. Caraca! Nem sabia que tinha lei a respeito do prazo de cumprimento de obrigações do prestador de serviços.

    Ainda tenho algumas dúvidas em relação à isso, se você puder gostaria que me esclarecesse algumas coisas.

    Achei seu blog bem interessante! Gostei muito da iniciativa! Posts assim são importantes, assim como um outro que li sobre casamento, uma história de divórcio muito triste.

    E é claro não pude deixar de ver algo que eu melhoraria: SE você quiser (isso é apenas uma sugestão como um leitor crítico e instruído) eu não colocaria posts referentes à sua religião. Não nesse blog. Entendo que é pra registrar seus pensamentos e isso faz parte de você e etc. MAS acredito que deixando tudo aquilo que é apenas do seu "em si" (ou melhor: da sua pessoa) sobra um conhecimento e uma habilidade ótima para escrever textos muito instrutivos e curiosos para qualquer mente afiada, tornando um campo mais aberto e sem qualquer forma de "propaganda" de uma religião (ou tendência política). Me entende?

    Deixo uma grande saudação e te desejo uma ótima semana! Continue com o bom trabalho!

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  2. Prezado Thiago,

    Ainda não existe uma lei ESPECÍFICA sobre os prazos das obrigações dos provedores de internet. Pelo menos não que eu saiba. Mas o meu posicionamento jurídico exposto no texto baseou-se na observação de uma lei GERAL - o Código de Defesa do Consumidor, em que o artigo 39, inciso XII, é aplicável a todas as relações de consumo. Mas seria bom se existisse e fosse aplicada uma lei específica igual o PGMQ e o PGMU das telefonias móvel e fixa, os quais são normas da ANATEL, mas que só alcançam as companhias de telefone.

    Agradeço pelas sugestões quanto ao meu blogue, mas quando resolvi criar esta página aqui na internet foi com o intuito de compartilhar tudo o que penso. Não propus escrever apenas sobre assuntos jurídicos, mas também sobre tudo o que faz parte da minha vida, inclusive minhas posições políticas e religiosas. Até porque não separo uma coisa da outra porque vejo a vida como uma coisa só. O homem é ao mesmo tempo um ser que interage com a religião, a política, com a sociedade, com a família, com as emoções, com a cultura, com os sentimentos. Logo, não vejo motivos para segmentar a vida e criar compartimentos em nós mesmos. Assim, os princípios aos quais sigo, também quero experimentá-los em todos os outros meus momentos de vida e onde estiver atuando continuarei sendo sempre o Rodrigo discípulo de Jesus.

    Mas obrigado por participar e fique a vontade para comentar este e outros textos que publico aqui sem qualquer censura.

    Um ótimo final de semana pra você!

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