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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Várias cidades aguardam o STF decidir sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa



Não muito diferente de outros municípios brasileiros, a disputa eleitoral do ano passado aqui em Mangaratiba (RJ) acabou parando na Justiça. O prefeito eleito, senhor Aarão de Moura Brito Neto, sofreu uma ação de impugnação ao registro de sua candidatura movida pelo Ministério Público Eleitoral e também por uma das coligações adversárias à sua chapa. O fundamento da demanda seria porque o político havia sido condenado por órgão colegiado em sede de ação de investigação eleitoral motivada por abuso de poder (econômico e político), tendo o seu mandato anterior de prefeito cassado e declarada a sua inelegibilidade, com trânsito em julgado em 16/12/2011, fato este que suscitou a controvérsia a respeito de sua inelegibilidade para o pleito de 2016 por força do disposto no artigo 1º, inciso I, alíneas "d" e "j" da Lei Complementar 64/90, com redação alterada pela Lei 135/2010, conhecida também como a "Lei da Ficha Limpa".

Assim, após o processo seguir os seus trâmites regulares, houve o julgamento em primeira e segunda instâncias, respectivamente deferindo e mantendo o registro de candidatura na qual o centro da questão foi justamente a aplicação da LC n.º 135/2010 a um fato anterior a ela. Isto porque o réu/recorrido havia sido condenado a três de anos de inelegibilidade a contar das eleições de 2008. E, de acordo com o julgador de 1ª instância, dr. Marcelo Borges Barbosa, a aplicação da LC 135/2010 a fatos anteriores à sua promulgação deve ser considerada análoga à irretroatividade de lei penal mais gravosa, na medida em que trata de agravar uma pena (ainda que de natureza eleitoral) já determinada e por fatos anteriores à lei mais gravosa, tendo o magistrado concluído que:

"Desse modo, a aplicação retroativa da Lei de Ficha Limpa viola os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei mais gravosa. Ademais, o entendimento pela retroatividade da Lei de Ficha Limpa viola a segurança jurídica. Ora, a pena já foi aplicada e cumprida. Não se pode retroagir para agravar uma pena já extinta. Portanto, a inelegibilidade do primeiro impugnado se encerrou no ano de 2011, não havendo que se falar que se encontra na presente data inelegível por fato ocorrido no pleito de 2008." (Processo nº 234-21.2016.6.19.0054)

Na ocasião, a sentença fez menção da controvérsia existente até hoje no Judiciário acerca do assunto. Pois, apesar do TSE já vir decidindo casos similares, entendendo que o prazo de inelegibilidade do artigo, 1º, I, alínea "d" da Lei Complementar 64/90, com a redação modificada pela Lei Complementar 135/2010, seria aplicável aos fatos referentes às eleições anteriores, eis que dois ministros do STF, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, posicionaram-se contrariamente em 2015 no Recurso Extraordinário n.º 929.670 (acompanhe AQUI o andamento). Aliás, o próprio juiz eleitoral de Mangaratiba lembrou na sua decisão singular que o min. Luis Roberto Barroso teria negado monocraticamente o pedido de liminar do Procurador Geral Eleitoral em sede da Reclamação de n.º 24.224/MS para determinar a não aplicação retroativa da Lei de Ficha Limpa enquanto estiver pendente de julgamento do outro processo em análise pelo Plenário:

"Nessa linha, o Plenário da Corte sinalizou revisitar o mérito da questão, quando reconheceu a sua repercussão geral (tema 860 - “Possibilidade de aplicação do prazo de 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder previsto na Lei Complementar 135/2010 às situações anteriores à referida lei em que, por força de decisão transitada em julgado, o prazo de inelegibilidade de 3 anos aplicado com base na redação original do art. 1º, I, d, da Lei Complementar 64/1990 houver sido integralmente cumprido”). O julgamento do paradigma (RE 929.670, Rel. Min. Ricardo Lewandowski – substitutivo do ARE 785.068) encontra-se suspenso em razão do pedido de vista do Min. Luiz Fux, já tendo proferidos dois votos favoráveis à irretroatividade, em caso de existência de coisa julgada (Informativo 807). Ademais, foi afetado ao Plenário o julgamento do ARE 790.774, que trata sobre questão análoga. É dizer: (i) não há uma certeza sobre o fato de a questão debatida nestes autos ter sido pontualmente enfrentada; (ii) existe um número expressivo de Ministros cuja posição conhecida é favorável à tese adotada no ato reclamado; e (iii) o Tribunal já sinalizou revisitar a matéria em breve. Nessas circunstâncias, não há fumus boni iuris.  Por fim, observo o perigo de irreversibilidade de eventual decisão  cautelar nestes autos (art. 300, § 3º, do CPC/2015). Isto porque, com o início do período eleitoral, avizinham-se as convenções partidárias e o registro de candidatura, de modo que o deferimento da liminar poderia implicar a perda dos respectivos prazos pelo beneficiário da decisão reclamada. Do exposto, indefiro a medida liminar." (Supremo Tribunal Federal, RCL 24224 MC/MS, citado pelo dr. Marcelo Borges em sua sentença de primeiro grau)

Assim sendo, na sessão de ontem do TSE, a qual assisti pela TV Justiça, tendo em vista que, em 26/04/2017 o ministro Luiz Fux já havia devolvido os autos do RExt n.º 929.670 para julgamento no STF, havido até pedido pauta, ele mesmo sugeriu aos seus Pares que o processo relativo a Mangaratiba fosse suspenso para aguardar o resultado da decisão a ser tomada pelo Supremo. Logo, a minha cidade, assim como várias outras do país vão precisar aguardar como os ministros de nossa mais alta Corte ainda vão se posicionar acerca do recurso paradigmático com repercussão geral para todos os outros casos idênticos.



Deste modo, conforme o STF vier a decidir, processos como o daqui de Mangaratiba seguirão o mesmo posicionamento. Ou seja, se prevalecer o entendimento de que a Lei da Ficha Limpa é aplicável a candidatos que praticaram fatos anteriores a ela, poderemos ter eleições suplementares para um mandato tampão no Executivo Municipal. Do contrário, caso entendam que a Lei n.º 135/2010 não retroage, tal como a lei mais gravosa no Direito Penal, o prefeito eleito, assim como o seu vice, serão mantidos nos seus respectivos cargos até o fim de 2020.

Seja como for, não podemos negar que o verdadeiro juiz das eleições continua sendo o próprio cidadão quando comparece às urnas para escolher os seus próximos governantes e parlamentares. Cabe ao eleitor não somente analisar as propostas de cada político como também a sua vida anterior, verificar se o mesmo não se encontra inelegível (ou com risco de inelegibilidade), observar aquilo que o cara já fez em gestões passadas, não barganhar o seu apoio em troca de favorecimentos pessoais, etc. Pois só assim é que vamos construir um país melhor para nós e nossos filhos.

Uma ótima quarta-feira para todos!


OBS: Créditos autorais da imagem acima atribuídos a Gil Ferreira/SCO/STF (15/12/2010), conforme consta em http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarImagem.asp?servico=bancoImagemBibliotecaPastaSTF

6 comentários:

  1. Olá, Rodrigo!

    Li seu post, duas vezes, mas os termos do Direito já me escaparam, afinal só frequentei a Faculdade de Direito por 2 anos e aí as "coisas" são diferentes daqui e tb já esqueci mto do k aprendi.

    Pelo que entendi, as cidades, as leis, daí estão retrocedendo. Então, já tinha sido aprovada uma lei, k depois foi retificada ou alterada em sua redação ficando a ser conhecida como a Lei da Ficha Limpa e agora tem de se ir saber quem é o individuo que não tem ficha limpa? Mas, será k existe político ou alguém ligado à política que esteja/seja completamente "puro"/limpo? Talvez esteja exagerando, mas os votantes não sabem dos meandros pouco limpos desses senhores e senhoras. Não lhe parece? Ou a fraude é mto elevada e todo o mundo sabe ou então se o cara desviar 1000 reais e corromper pessoas e situações, poucos ficam sabendo. Quem vota, tem de estar atento ao k vai acontecendo em seus municípios e saber se o Sr. "X" é limpo ou sujo (rs). Será k é isso?

    Abraços e tarde feliz.

    Novo post lá no blogue. Obrigada, desde já!

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    1. Olá, CÉU.

      Primeiramente agradeço por sua visita e comentários.

      Realmente o assunto pode ser um pouco difícil para quem seja leigo ou não esteja familiarizado com o nosso Direito Eleitoral.

      A nossa Lei Complementar Federal n.º 135/10 veio instituir outras hipóteses de inelegibilidade voltadas à proteção da probidade e moralidade administrativas no exercício do mandato, tornando mais restrita a possibilidade de alguém candidatar-se a cargos eletivos. Tal norma foi fruto de iniciativa popular e que contou com o apoio de entidades que classificou como da mais alta respeitabilidade, tendo elevado para 8 (oito) anos a inelegibilidade de políticos condenados por órgãos colegiados (Tribunais).

      No entanto, a aplicação desse prazo tornou-se controversa quanto aos políticos que tenham sido condenados antes da Lei da Ficha Limpa ou que o ilícito praticado tenha sido anteriormente à vigência da nova norma eleitoral. Pois no entender de muitos juristas importaria numa violação de princípios constitucionais.

      Acontece que o momento de aferir a elegibilidade de um candidato é quando ocorre o pedido de registro de candidatura. Aí o juiz eleitoral estabelece qual norma vai aplicar para fazer essa avaliação sendo que cada magistrado possui um entendimento próprio acerca de um assunto que até hoje a Suprema Corte do país não pacificou de maneira satisfatória deixando que as diferentes convicções dos magistrados causem uma instabilidade jurídica.

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    2. Não sei se expliquei bem, mas sobre o que expôs da forma de uma indagação, os políticos são inegavelmente pessoas sem confiança aqui na sociedade brasileira.

      E, por sua vez, os votantes acabam votando nesses senhores e senhoras porque o voto ainda é obrigatório no Brasil (gera pequenos aborrecimentos) e fica refém as opções que lhe são apresentadas. Principalmente nas eleições majoritárias.

      Por outro lado, muitas falcatruas só vêm á tona mais tarde passando desapercebidas na época das eleições. Só que não considero o eleitor totalmente ingênuo.

      Mas o que concluo é que as pessoas eleitoras também concorrem para a eleição dos políticos que temos. Seja pelo desinteresse em diagnosticar quem é candidato ou em algumas situações pela conivência. Pois, nas cidades pequenas, as prefeituras chegam a ser as maiores empregadoras e os cargos de livre nomeação/exoneração tornam-se significativos. Este votam não porque estão escolhendo o melhor mas em quem acreditam que lhes dará um emprego (só em Mangaratiba o número de cargos comissionados na Prefeitura ultrapassa a 5% dos eleitores).

      Enfim, é a falta de consciência (e até de caráter) do eleitor que decisivamente gera situações em que políticos cheios de condenações conseguem chegar ao poder. Nem sempre é a ingenuidade ou falta de conhecimento sobre os atos errados dos senhores candidatos.

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  2. Boa trde, Rodrigo!

    Tudo bem, por aí? Falo de saúde, trabalho e família. Aqui, tudo satisfatório.

    Sim, em sua resposta(s), percebi, na perfeição, o conteúdo de seu post.

    Por aqui, uma ou outra prefeitura, aqui se chama Junta de Freguesia/Câmara Municipal têm casos desses, ou seja, dão emprego para o tio, tia, irmão, irmã, gato, papagaio e etc. (rs), mas a vigilância e denúncia são mto apertadas.

    Abraço e bom fim de semana.

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    1. Olá, CEU.

      Vou bem, felizmente.

      Aqui o nepotismo é muito comum nos Municípios pequenos que podem ser comparados com as Freguesias portuguesas. Estas para nós seriam comparadas a uma entidade infra-municipal que deixou de existir com o laicismo trazido pela República porque, originalmente, as Freguesias brasileiras eram representadas por um líder eclesiástico do catolicismo (o pároco). isto porque, durante o Império, o catolicismo foi a nossa religião oficial tal como aí em Portugal.

      Atualmente o nepotismo é aceito quanto a certos cargos de confiança, os de primeiro escalão.Mas ainda assim há uma tendência de combate a essa conduta como ocorreu este ano com o filho do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.

      Abraço e ótimo domingo.

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