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quinta-feira, 23 de março de 2017

A perda do tempo útil nas relações de consumo quanto à solução de problemas




Em meus quase doze anos de advocacia (e mais de quinze militando na área de defesa do consumidor como cidadão), tenho observado algumas concepções evoluírem apesar das constantes críticas à Justiça brasileira. Uma delas diz respeito à reparabilidade da perda do tempo útil no que se refere à solução de problemas pelos fornecedores de produtores e/ou de serviços. Algo que antes era considerado como um "mero aborrecimento" pelos tribunais, eis que, de uns tempos para cá, tornou-se dano moral.

Não raras vezes, a longa demora de uma empresa em resolver um problema por ela causado, mesmo por omissão, provoca reflexos fora da normalidade na vida do consumidor. Isto porque, no contexto atual, o homem moderno precisa que as coisas fluam com certa rapidez em seu cotidiano, quer seja em suas comunicações telefônicas e de internet, no uso de serviços essenciais de água e luz, no recebimento de determinados domésticos, na prestação de serviços médicos, etc.

Ora, a longa demora em solucionar problemas causa aos consumidores perda de tempo e, consequentemente, o dano moral, sem desconsiderar a indignação do indivíduo por pagar por um produto ou serviço que não está sendo aproveitado satisfatoriamente. Logo, tal abalo na vida do homem comum não pode mais ser ignorado pela Justiça como um mero aborrecimento, como se fosse um super dimensionamento fora da realidade por motivo de um simples descumprimento contratual...

Vale ressaltar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) já reconhece a perda de tempo como um dano moral indenizável, conforme pode ser conferido nas ementas de três decisões bem recentes a seguir transcritas, sendo meus os destaques em negrito:

“Apelação. Ação de Cancelamento de débito c/c Obrigação de fazer c/c Indenização por danos materiais e morais. Telefonia móvel. Autor alega não funcionamento do aplicativo "Meu Tim", o que elevou consideravelmente sua fatura posto não ter controle dos gastos, e cancelamento unilateral do serviço "Liberty Radios". Sentença de Improcedência. Recurso do autor requerendo a procedência dos pedidos. Sentença que merece reforma. Falha de serviço demonstrada. A ré sequer contesta os inúmeros protocolos do autor. Impossibilidade de compelir o autor a manter-se contratado, mormente em razão do precário serviço. A empresa que oferta serviço de informação através de aplicativo deve velar pelo seu funcionamento. Dano moral presente, diante da perda do tempo útil do consumidor, que tentou exaustivamente solver a questão na esfera administrativa, sem êxito. Verba indenizatória que se fixa em R$ 3.000,00. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (Proc. 0006859-69.2015.8.19.0206 – APELAÇÃO - 1ª Ementa – Relator(a) Des(a). NATACHA NASCIMENTO GOMES TOSTES GONÇALVES DE OLIVEIRA - Julgamento: 16/03/2017 - VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR)

“APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA (INDEX 181) QUE DETERMINOU INSTALAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA NA RESIDÊNCIA DA DEMANDANTE, NÃO RECONHECENDO A OCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS COMPENSÁVEIS AO CASO VERTENTE. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA PARA CONDENAR A RÉ AO PAGAMENTO DE VERBA COMPENSATÓRIA POR DANOS MORAIS, NO VALOR DE 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). A Reclamante solicitou à Concessionária instalação de linha telefônica fixa com internet na residência de seu genitor. Em contestação, a Requerida negou os fatos narrados na inicial, (Index 34). Todavia, na mesma peça, contraditoriamente, afirma que os serviços não foram prestados em razão da inviabilidade técnica para instalação do serviço de telefonia. O r. decisum determinou a instalação da linha telefônica solicitada pela Consumidora, porém não reconheceu a ocorrência de danos morais. O apelo é exclusivo da Requerente, visando somente ao reconhecimento de danos imateriais. Não se vislumbra comprovação da alegada inviabilidade técnica, inexistindo qualquer elemento de convicção nesse sentido. Observa-se que a Reclamada não produziu prova sobre a existência de estudo que respalde a inviabilidade e justifique os entraves para prestação de serviço de natureza essencial. Pondera-se acerca do dever de informação, que restou violado, ante a ausência de quaisquer informações à Consumidora sobre os supostos impedimentos ao fornecimento dos serviços solicitados. Há de se considerar que o impasse para a prestação do serviço, solicitado em 1 de junho de 2015, com prazo para 8 de junho de 2015, até a prolação da sentença, em 29 de abril de 2016, persistiu. Ressalte-se os vários protocolos informados pela Suplicante, a sugerir perda de tempo útil em busca de solução da questão (Index 03 - fl. 04). Assim, considera-se que o serviço foi prestado de forma defeituosa, em especial por violação ao dever de informação e aos princípios da eficiência e da continuidade do serviço público, previstos no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, impondo-se o dever de compensar. Desta forma, levando em conta os critérios punitivo-pedagógicos que embasam a compensação por danos morais, e considerando os parâmetros desta Câmara, assim como a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça, entende-se que o quantum fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) se coaduna com a repercussão dos fatos narrados” (Proc. 0058895-61.2015.8.19.0021 – APELAÇÃO - 1ª Ementa – Relator(a) Des(a). ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO - Julgamento: 23/02/2017 - VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR)

“APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA COM FUNDAMENTO NO CPC/2015. RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL NA MODALIDADE PÓS-PAGA NÃO CONTRATADO. Cinge a controvérsia sobre a falha na prestação do serviço, consubstanciada na mudança de plano de telefonia móvel pré-pago para pós-pago, sem anuência do consumidor e o dano moral daí advindo. Considerando que o direito do Autor se baseia em fato negativo, caberia à parte Ré, portanto, o ônus de demonstrar que tal fato ou relação jurídica existe, baseado na premissa de que terá aptidão de prová-lo, o que não ocorreu, tendo a concessionária se limitado a trazer aos autos reprodução, no bojo da contestação, da suposta cópia do instrumento do contrato que alega ter celebrado com o Demandante, não demonstrando interesse na produção de perícia grafotécnica. Nesse ponto, conforme ressaltado pelo Juízo a quo, a assinatura constante no contrato apresentado pelo Réu difere da que foi lançada nos documentos de identificação do Autor, não servindo para demonstrar vínculo obrigacional válido. Ademais, não se desincumbiu a parte Ré em exibir as gravações dos atendimentos relativos aos contatos telefônicos mantidos entre as partes. Mantem-se a declaração de inexistência da relação jurídica, com respectivo cancelamento do Plano Controle e de qualquer débito a ele atrelado. Mantém-se a condenação na devolução em dobro do valor pago indevidamente, considerando a ausência de engano justificável por parte da Ré. No que diz respeito à indenização por danos morais, considerando a mudança de plano unilateralmente pela Ré, a ausência de providências para fazer cessar a cobrança indevida, a perda de tempo útil do consumidor, o caráter pedagógico/punitivo do instituto, reputa-se razoável e proporcional a indenização arbitrada no valor de R$ 3.000,00, que se mostra suficiente para suavizar as consequências do evento danoso, em consonância com os parâmetros deste Tribunal de Justiça para casos semelhantes. Incidência da Súmula nº 343 do TJ/RJ. Aplicação do art. 85, § 11 do CPC/15. RECURSO DESPROVIDO.” (Proc. 0026035-80.2014.8.19.0202 – APELAÇÃO -1ª Ementa -  Relator(a) Des(a). DENISE NICOLL SIMÕES - Julgamento: 02/02/2017 - VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR)

Dentro desses parâmetros utilizados hoje pela Justiça fluminense em decisões atuais (todas as apelações citadas foram julgadas em 2017), podemos considerar que a perda de tempo causada pela demora na solução de um problema tem sido avaliada em torno de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), cifras estas que podem variar conforme a gravidade de cada caso e a interpretação do julgador. Ou seja, estamos tratando de indenizações que representam hoje algo de até 05 (cinco) salários mínimos nacionais.

Concluo que a nossa Justiça até que vem avaliando um pouco melhor a perda de tempo das pessoas quando se trata de uma relação de consumo. Porém, não ando nada satisfeito com o fato da reparação de outras lesões ainda bem mais graves estarem relativamente próximas desses importes. Isto é, diante de danos como a negativação indevida do nome de alguém, de um acidente capaz de causar a morte ou a integridade física das pessoas, dos erros médicos, ou de uma agressão à honra da vítima, tais situações deveriam ser compensadas em, no mínimo, uns R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Afinal, aqui estamos tratando da basilar dignidade da pessoa humana, considerada por muitos como o valor supremo de nossa Carta Magna a ser alcançado pelas normas legais e constitucionais.

Lutemos pela valorização do nosso tempo e, principalmente, do instituto do dano moral!


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