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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A correta medida de justiça



"Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas louco; por que morrerias fora do teu tempo?" (Ec 7:16-17; versão ARA)

O livro de Eclesiastes desafia as concepções dos seus leitores quando diz para não sermos justos em excesso. Porém, é preciso compreender com clareza o que o autor sagrado pretendeu comunicar com tais palavras.

Penso que, além da importância de usarmos de moderação diante de todas as coisas na vida, pode-se também afirmar que a prática da justiça tem uma medida certa. Ou seja, o excesso descaracteriza o justo.

Considero que nem sempre tudo aquilo que é legal seria também justo sendo que o mesmo raciocínio aplica-se à moral, inclusive àquela de base religiosa. Pois muitas das vezes um justo em demasia não passa de alguém legalista e que apenas quer cumprir a letra de um texto normativo. Não que ele use as leis como um pretexto para praticar o mal, mas sim porque a sua mente encontra-se paralisada e presa no nível da literalidade.

É possível que o justo em excesso tenha a ilusão de que alcançará a mais completa perfeição. Só que, embora o desenvolvimento ético deva ser o alvo de todos, eis que o perfeccionismo acaba se tornando um tipo de cegueira espiritual. Seria uma espécie de auto-engano porque não há quem faça o bem o tempo inteiro deixando de pecar (Ec 7:20).

Se procurarmos exemplos concretos na vida cotidiana, o homem justo em excesso corresponderia a um pai que exige em demasia de seus filhos a ponto de não tolerar os pequenos erros dos jovens e até mesmo das crianças. Também seria o caso da pessoa que reclama dos pequenos erros ou falhas cometidos em sua comunidade, criticando qualquer palavra, brincadeira de mal gosto ou atitude que foge ao seu padrão comportamental.

De acordo com o texto bíblico em estudo, o justo em excesso pode se auto-destruir assim como o exageradamente perverso morrer precocemente. Pois, além de provocar problemas de relacionamento com outras pessoas, por causa de sua intransigência e intolerância, esse sujeito radical chega a tomar atitudes inconvenientes diante de determinadas situações.

Durante o período inter-testamentário, em que houve a dominação helenista sobre a Palestina, um grupo de famílias de judeus decidiu fundar uma comunidade tradicionalista no deserto afim de evitarem a assimilação cultural imposta pelo governo grego. No entanto, ao serem atacados pelo exército real, recusaram a se defender lutando contra o adversário porque era dia de sábado, de modo que todos foram terrivelmente massacrados. Então, ao saber disso, o líder do movimento de resistência judaica, o grande sacerdote Matatias ben Johanan, criticou a atitude radical daqueles seus compatriotas, conforme pode ser lido nos versos de 39 a 41 do capítulo 2 do livro de 1 Macabeus, sendo meu o destaque:

"Quando souberam o que acontecera, Matatias e seus amigos os choraram amargamente e disseram uns aos outros: 'Se todos fizermos como fizeram nossos irmãos, se não lutarmos contra as nações por nossa vida e nossas observâncias, não tardarão a nos exterminar da face da terra'. Tomaram nesse mesmo dia esta decisão: 'Todo homem que vier atacar no dia de sábado, combatamo-lo e assim não morreremos todos como morreram nossos irmãos em seus esconderijos'." (versão TEB) 

Tal como é condenável ser justo em excesso, lembro mais uma vez que Eclesiastes também alerta quanto aos males do desregramento capaz de ultrapassar os padrões de vida diários. Pois o homem perverso também cava a própria sepultura quando passa a prejudicar as pessoas em sua volta tornando-se um ser ameaçador. Cedo ou tarde, todas as más ações cometidas vão se voltar contra ele, de maneira que o seu caminho de impiedade não prosperará eternamente.

Conclui-se, assim, que a vitória pertence aos justos e sábios capazes de viver com a devida moderação. Quem busca alcançar a correta medida de justiça saberá como ordenar as suas ações e valorar por meio de princípios a aplicação de cada norma. Para ele o direito à vida sempre terá precedência sobre os demais preceitos éticos.

Tenham todos uma feliz terça-feira!


OBS: A ilustração acima refere-se a uma foto da estátua da Justiça em Berna. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia, sendo os créditos autorais atribuídos a Roland Zumbühl, conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Picswiss_BE-98-17_Biel-_Gerechtigkeitsbrunnen_(Burgplatz).jpg

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