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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Perdoar sempre



Pode-se dizer que uma das características principais do ensino de Jesus está relacionada ao perdão. Para o Mestre, isto era mais do que uma faculdade. Seria um dever ético-existencial. Algo que precisa, inclusive, integrar a nossa vida espiritual diária nos momentos de oração como se vê no Pai Nosso.

No capítulo 17 do Evangelho de Lucas, após ter advertido sobre os "escândalos" (tropeços), conforme anteriormente estudado, nosso Senhor toca agora no assunto do perdão. Devemos perdoar a todos! Até quem armou uma cilada para nos derrubar. Inclusive aquelas pessoas que nos perseguem e pecam reiteradamente. Não importa por quantas vezes venham a errar:

"Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe." (Lc 17:3-4; ARA)

Podemos entender que tanto o perdão quanto a hostilidade seriam processos que desenvolvemos nas nossas vidas. Tudo começa a partir da nossa própria disposição em perdoar e se manifesta através das atitudes positivas que tomamos. Perdoar, sob certo aspecto, poderia ser não procurar o mal daquela pessoa que nos prejudicou, mesmo que os nossos sentimentos continuem por um tempo ainda feridos.

Tenho verificado que muitos cristãos culpam demasiadamente a si próprios pelo fato de não conseguirem apagar ressentimentos e mágoas passadas de suas memórias, ou porque continuam tendo problemas de convivência com determinadas pessoas de comportamento difícil. Assim, entendo que ninguém deve se condenar por não conseguir gostar vibrantemente do outro. Basta que se tome a atitude condizente com a escolha do perdão: não se vingar, não ficar cultivando o ódio dentro de si, não fechar as portas do diálogo construtivo, não humilhar o outro, não tratar mal, etc.

Entretanto, restringir o convívio pode ser uma atitude sábia para evitarmos novos atritos e situações que sejam fontes de aborrecimentos. Um indivíduo problemático provavelmente irá repetir os mesmos erros e aí temos que ser bem cautelosos e prudentes no trato com essa pessoa. E, se uma parceria não tem dado certo no momento, corremos o risco de que certas coisas desagradáveis venham a reincidir ou aconteçam outras piores.

Lembremos da história bíblica de Jacó e Esaú, dois irmãos que já lutavam entre si desde o ventre de Rebeca (Gn 25:22-23). Segundo a narrativa de Gênesis, Jacó teria recebido a bênção da primogenitura no lugar de Esaú fazendo-se passar por este e se aproveitando do estado de enfermidade do pai. Por isso, o irmão mais velho tentou matá-lo e Rebeca mandou então o filho fugir para as terras do tio Labão (irmão da mãe), no norte da Mesopotâmia. Lá Jacó ficou trabalhando para o homem que seria o seu futuro sogro durante umas duas décadas e, só depois disto, quando já tinha família constituída e um numeroso rebanho de animais, foi que precisou regressar à Terra Prometida. Neste retorno, o grande patriarca da nação israelita reencontra Esaú em seu caminho e ambos se reconciliam (Gn 33:4). Contudo, Jacó optou sabiamente por não conviver outra vez com o seu irmão, contentando-se apenas com o perdão recebido. Cada qual foi para o seu lado e continuaram coexistindo através de um distanciamento físico (Gn 33:16-17).

Igualmente percebo que o perdão é algo capaz de se harmonizar com posicionamentos adequados para cada situação fática. Mas, ainda assim, não temos como impedir a ocorrência de novos conflitos por conta de uma convivência que se torne inevitável no nosso cotidiano. Principalmente nos meios familiar, comunitário e até eclesiástico. Tanto é que Jesus falou no pecado do irmão. Não do estranho. E aí, em se tratando de alguém que busca a conversão e procura viver conforme a verdade, sendo transparente nas suas posições, não podemos recusar reaproximações com essa pessoa.

Alguém pecar contra nós por sete vezes num mesmo dia parece muita coisa, não?! Pelo menos seis arrependimentos mostraram-se talvez insuficientes/imperfeitos para mudar a conduta da pessoa. Significa um novo conflito a cada umas duas ou três horas! Porém, vejo neste exagero proposital do nosso Senhor um princípio de vida em que não importa por quantas vezes o outro falhou conosco, devemos estar sempre dispostos a perdoar. E, quando o arrependimento torna-se finalmente perfeito, é um sinal verde para se construir um bom relacionamento com excelente proveito para a nossa caminhada evolutiva.

Duas questões podem ser levantadas: seria o perdão condicionado ao arrependimento do irmão ou a uma quantidade de sete vezes num dia? Certamente que não! Mas eu diria que a comunhão entre irmãos depende de uma reconciliação acompanhada do arrependimento de quem cometeu o erro, ou quem sabe até de ambos.

Outrossim, creio ser necessário concedermos sempre uma nova chance. O que é o nascimento de uma criança senão a oportunidade de vivermos? Assim também penso que nada justifica riscarmos o outro das nossas vidas pois isto seria o mesmo que sentenciá-lo à morte em relação a nós. Dentro do nosso convívio pessoal, familiar ou comunitário precisamos ter sempre o foco na reintegração do indivíduo, o que deve ser o fim de toda medida de caráter disciplinar. Esta terá sempre uma duração temporária. Havendo o arrependimento, a disciplina termina.

Finalmente, a comentada mensagem de Jesus aponta para a maneira como Deus nos trata. Se pensarmos no "dia" como a duração de nossa existência terrestre e na quantidade de sete perdões como uma conta perfeita/completa, entenderemos que o Pai Celestial é capaz de nos reabilitar todas as vezes quantas forem necessárias. Pecamos muito, pedimos perdão, tornamos a errar (inclusive nas mesmas coisas) e, novamente, voltamos arrependidos para os seus braços. Em nenhum momento somos rejeitados! A graça vai sempre superar tudo. Jamais deixamos de ser amados e o fato de vivermos é uma prova incontestável  de que continuamos recebendo uma nova chance de acertar, de compreender, de melhorar e de crescer.

Assim também precisamos agir com os nossos irmãos. No Pai Nosso aprendemos sobre liberar os ofensores quando estamos em oração pedindo perdão pelos nossos pecados. E, sendo assim, se recebemos do Criador bendito a sua inesgotável graça, por que haveremos de ser incoerentes no trato com o outro? Por que agirmos com egoísmo em relação à generosidade da vida?

É preciso perdoar. Sempre!


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A reconciliação de Jacó e Esaú pintado em 1624 pelo artista barroco flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640). A obra encontra-se atualmente na Galeria Nacional da Escócia e a imagem foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Rubens_Reconciliation_of_Jacob_and_Esau.jpg

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