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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A medida com que medimos os outros


Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.” (Evangelho segundo Mateus 7.1-2; Nova Versão Internacional – NVI)

Esta citação bíblica acima que aparece no tão festejado “Sermão da Montanha” e também em outras passagens dos três primeiros Evangelhos, os sinóticos, mostra a aplicação por Jesus de um antigo ditado judeu cujo significado é “medida por medida” (hebraico middah keneged middah).

A primeira impressão que temos é que Jesus esteja falando de um juízo escatológico no qual o homem será “medido” por Deus na mesma proporção em que ele tratou os seus semelhantes quanto aos julgamentos.

De fato, não se pode negar que há uma vinculação da citação de Mateus com o conceito de julgamento. Ainda mais se fizermos um estudo comparativo com o Evangelho de Lucas (ver Lc 6.37-38 e 8.18), o que, por sua vez, não se distancia da ideia de um julgamento conforme a consciência de cada um.

No entanto, prefiro utilizar a aplicação da medida por medida mais no âmbito da convivência humana do que em relação a julgamentos futuros e acho que Jesus também teve este objetivo quando usou por pelo menos umas três vezes aquele ditado popular. Isto porque este basilar princípio tem por finalidade a tolerância incondicional do outro com seus erros e falhas afim de todos sermos igualmente aceitos aqui na comunidade dos vivos com os incorrigíveis defeitos que temos. É o que Tiago nos ensina indagando em sua epístola:

Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para julgar o seu próximo?” (Tg 4.12; NVI)

De acordo com este mesmo ensino de Tiago, quem julga o outro usurpa o lugar de Deus, o que significa também uma quebra da lei régia do amor.

O certo é que deixamos de compreender mais do Reino de Deus quando nos colocamos na posição de juiz das pessoas, pois ficamos sem contemplar o reto juízo do Onipotente para tentar impor nossa própria (in)justiça, excluindo homens e mulheres do convívio comunitário.

Ora, se eu me mostro compassivo, paciente e perdoador dos meus irmãos, posso contribuir para que haja no meio social dívidas de bondade e atos de misericórdia que se multiplicam, o que serve de ajuda para os incrédulos entenderem o amor divino. Pois, assim como Deus me perdoa sempre, lançando meus pecados no mar do esquecimento, sinto-me constrangido a perdoar também o meu próximo cujas faltas em seu relacionamento para comigo jamais vão superar aquelas que já cometi (e ainda faço) no tocante à Vida e seu Autor.

Minha conclusão é que o santo ensinamento de Jesus estudado neste despretencioso artigo destina-se mais para o aperfeiçoamento das relações entre os homens do que para nos apavorar com um rigoroso julgamento futuro (quem é que nunca julgou injustamente o seu próximo?).

Acredito que todos os que se colocam debaixo da graça de Deus estão salvos e o resultado deste perdão imerecido é o reconhecimento de que não temos moral alguma para condenar as outras pessoas pelos decepcionantes erros cometidos por elas por mais que sejam atitudes reiteradas.

Portanto, se queremos promover uma convivência harmoniosa, capaz de trazer para a Terra uma experimentação do Reino de Deus, devemos nos abster de julgar, praticando o auto-conhecimento que nada mais é do que o exame pessoal de nós mesmos. Aliás, este ensino encontra-se também no Sermão da Montanha como continuação da primeira passagem bíblica citada neste texto:


Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão.” (Mt 7.3-5; NVI) - conferir com o Evangelho de Lucas 6.41-42 e o Evangelho apócrifo de Tomé 26

4 comentários:

  1. Olá RODRIGO!!

    Que belíssimo texto!

    Concordo com o teu pensamento, que quando Jesus nos salientou sobre a questão de não julgarmos para que não fôssemos julgados também, Ele se referiu ao fato de que não somos dignos para julgar ninguém, pois da mesma forma que podemos julgar, estamos sujeitos ao julgamento ( não por Ele, mas por aquele que um dia julgamos).

    Outro destaque:
    Se Deus nos julgasse seria digno, mas nós jugarmos Deus...é fora de contexto.

    O que mostra, que não estamos aptos à julgar ninguém..nem Deus, nem o próximo...nem ninguém.

    Esta mensagem, como você mesmo destacou...é para percebermos que da mesma medida que usamos para medir, nós seremos medidos...e então não há nada mais justo, que cuidarmos da nossa própria vida, e deixar a vida do irmão em paz...

    Mas há tantos que se precocupam em julgar, e não se prendem à principal questão de que o mundo é mais que rótulos...e que o mundo exige mais de nós, mais da nossa bondade... que nós mesmos nem podemos imaginar.

    Vamos deixar as medidas apenas para a matemática né?! Rsss....

    Eu só meço na matemática, caso contrário...não sou fã de medidas...haaa..

    Beijos querido.

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  2. Olá, Paula!

    Obrigado pela sua participação e por seus edificantes comentários.

    Dentro deste assunto em debate, eu diria que a maneira como medimos os outros permite que não só aquele que medimos, como a própria sociedade, venha nos medir com o mesmo padrão de injustiça.

    É certo que, independente de eu optar em agir com justiça, estou sujeito às injustiças dos homens. Faz parte da vida. Só que, se eu busco uma atitude amorosa e tolerante, é bem mais provável que eu receba de volta aquilo que plantei e contribua para gerar um comportamento em cadeia.

    Todavia, até Jesus voltar para restabelecer o Reino de Israel, o mal e o bem vão conflitar neste planeta de modo que até lá iremos estar semeando o amor no meio do ódio. Mas vale a pena plantar o amor.

    Beijos e volte sempre!

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  3. Em tempo!

    Não cheguei a citar a passagem de Marcos 4.24-25, que assim diz: "'Considerem atentamente o que vocês estão ouvindo', continuou ele. 'Com a medida com que medirem, vocês serão medidos; e ainda mais lhe acrescentarão. A quem tiver, mais lhe será dado; de quem não tiver, até o que tem lhe será tirado'" (NVI).

    Ou: "E dizia-lhes: 'Cuidado com o que ouvis! Com a medida com que medis será medido para vós, e vos será acrescentado ainda mais. Pois ao que tem, será dado e ao que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado" (BJ).

    Aqui Jesus aplica o princípio num outro contexto e usa um paradoxo que choca um pouco nosso pensamento moral quando diz que até o pouco que tem será tirado. Segundo o exegeta Geza Vermes, aquilo que será tirado seria uma técnica do pensamento semita para realçar a afirmação anterior, afim de concentrar-se no acréscimo.

    Em outras palavras, Jesus está nos dizendo que a nossa medida em ouvir a Palavra de Deus, gera um acréscimo ainda maior no conhecimento do Reino de Deus, proporcionando uma compreensão mais profunda.

    Observe o quanto este princípio da medida por medida é bem amplo.

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  4. Olá querido RODRIGO!

    Antes de mais nada, mil perdões pela ausência no teu espaço..

    Nossa, depois desta postagem não mais encontrei tempo suficiente de ler e comentar os teus textos, assim como tenho estado muito ausente em outras salas, de outros amigos...estes útimos dias estava enrolada com médicos, dentista e tudo mais..

    À medida que vou conseguindo aparecer, aqui estou!

    Realmente, mesmo que tentamos sempre agir com justiça, ainda assim estamos sujeitos à injustiça dos homens..

    Jesus não escapou às medidas..aos rótulos...imagine nós?! Estamos sujeitos a coisas piores nesta humanidade desumana...

    Deus tem tido misericórdia de todos nós, o mundo poderia ser ainda pior!

    Vamos fazer a nossa parte, como ensina a palavra...e orar para um mundo sem medidas e com mais amor!

    Beijos...a paz.

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