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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Até quando assistiremos a massacres em presídios brasileiros?!




O ano mal começou e o país já produziu uma triste notícia, a qual muito nos envergonha pelo flagrante desrespeito aos direitos humanos. Trata-se do massacre ocorrido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), localizado em Manaus, capital do Amazonas, e que resultou na morte de 60 presos durante uma rebelião fazendo-nos relembrar do episódio do Carandiru, em 1992, com 111 assassinados.

Conforme noticiado, o levante na unidade prisional começou na tarde de domingo (01º/01), justo num feriado dedicado à paz universal. Entretanto, a situação foi controlada apenas durante a manhã de segunda-feira (02/01). Segundo fontes do governo amazonense, os mortos seriam integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e presos por estupro, sendo que, na ocasião, também houve fugas de detentos.

O complexo penitenciário abriga 1.224 indivíduos e está localizado no km 8 da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista (RR). A unidade, com capacidade para abrigar 454 presos, encontrava-se superlotada (praticamente o triplo do que poderia ter) e sem que houvesse um controle estatal sobre a conduta dos detentos. Estes receberam a ajuda dos condenados do regime semiaberto e fizeram um buraco na muralha, por onde teriam entrado as armas no local antes que os grupos rivais iniciassem o conflito.

Dois dias após cessar essa rebelião no COMPAJ, considerado agora o terceiro pior massacre nas nossas penitenciárias desde o Presídio da Ilha de Anchieta (1952), a "Alcatraz brasileira", eis que a sociedade já discute as causas do problema e busca uma solução uma vez que não estamos diante de algo isolado. Pois, somente neste século, tivemos 27 mortos no Presídio de Urso Branco/RO (2002), 30 óbitos na Casa de Custódia de Benfica/RJ (2004) e 18 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas/MA (2010); 

Assim sendo, eis que para os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, membros do Supremo Tribunal Federal, além de vários juízes e advogados, essas mortes teriam como causa, em última instância, o punitivismo do Estado. De acordo com a Associação Juízes para a Democracia, essa tragédia "somente ocorreu em razão de uma histórica política de Estado brasileira, consistente no tratamento dos problemas sociais de um dos países mais desiguais do mundo como caso de polícia".
Para Mendes, que comandou um eficiente conjunto de ações no campo carcerário quando presidiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os órgãos de controle da magistratura e do Ministério Público teriam responsabilidade no caos instaurado. Segundo comentou o ministro, 

"O CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público passaram por um processo de desmobilização planejada. É uma ironia: Estado desorganizado, crime organizado. Talvez seja chegada a hora de se pensar em organização de forças-tarefas e buscar a federalização desses casos. É preciso encerrar a lenga lenga de que a questão é de competência estadual. É hora de atuação coordenada dos diversos organismos incumbidos de alguma forma do combate à criminalidade"

O fato é que temos a quarta maior população carcerária do mundo! São mais de 620 mil presos, dos quais 40% deles são provisórios. Isto é, tratam-se de pessoas que sequer foram julgadas pelos crimes dos quais são acusadas. Por isto, na visão do min. Marco Aurélio, o Estado precisa observar a Constituição Federal no que se refere ao princípio da não culpabilidade e à ordem natural do processo: "apurar, para, selada a culpa, prender, executando a pena".

A meu ver, o maior problema é de gestão dessas unidades prisionais, o que também se torna prejudicado quando há falta de recursos financeiros e de condições para melhor administrar o serviço. Pois, independentemente do debate interminável sobre o punitivismo estatal e da polêmica questão da "guerra às drogas", o Brasil precisará de penitenciárias bem como de casas de custódia adequadas. E, apesar do presidente Michel Temer ter liberado R$ 1,2 bilhão na semana passada para os estados erguerem novas penitenciárias e modernizarem as atuais com equipamentos de segurança, certamente que o dinheiro ainda não é suficiente para acabar com a superlotação das prisões. Estas, no país inteiro, têm capacidade somente para abrigar cerca de 360 mil pessoas, o que não corresponde à totalidade da nossa população carcerária.

De qualquer modo, não nego que muitos problemas do sistema prisional brasileiro seriam amenizados caso ocorressem mudanças profundas nas nossas leis penais e nas políticas públicas capazes de levar à diminuição do encarceramento. Claro que a lógica não pode ser aquela de que, se as cadeias estão super lotadas, vamos simplesmente soltar os bandidos ou parar de prender pessoas perigosas para a sociedade. Porém, se realmente estamos punindo em excesso, eis mais um motivo para que entre na pauta do Congresso uma reforma do direito criminal.

Antes disso, creio que algumas medidas imediatas podem ser tomadas como uma redistribuição dos condenados para unidades penitenciárias mais seguras e com menor super lotação, assim como a realização de um mutirão para se verificar a situação processual dos presos e presas, considerando que muitos deles já poderiam estar em liberdade ou progredir de regime. E, tão logo sejam retomados os trabalhos parlamentares na Câmara Federal, a Comissão de Direitos Humanos pode convocar uma audiência pública em Brasília para discutir esse massacre de janeiro, estudando alternativas para o sistema penitenciário nacional.

Que essa tragédia não caia no esquecimento!


OBS: Ilustração acima divulgação/Governo do Amazonas, conforme extraído de uma notícia do portal da Câmara dos Deputados.

11 comentários:

  1. O teu texto nem esquentou, Rodrigo, e já temos notícias de outro "ACIDENTE PAVOROSO"(como disse Temer há 24 horas). Desta feita em Roraima. O que mais se TEME(r), agora, é um efeito cascata.

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    1. Bem, ele se já esclareceu ter se referido a uma "tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade".

      Sobre o massacre de hoje em Roraima, eis mais um caso que suspeito ter conexão com o de Manaus. Enfim, as autoridades precisam entrar em alerta em todas as unidades prisionais onde há elementos dessa nociva organização criminosa antes que incendeiem todas as cadeias.

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  2. Realmente, meus amigos, é uma situação bem preocupante o que vem acontecendo nas penitenciárias brasileiras. Porém, o que mais me surpreende é ver nas redes sociais pessoas festejando a morte dos presos.

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  3. Mas sobre as declarações do presidente Temer, o qual se referiu à rebelião como um "acidente pavoroso", S. Exa. esclareceu tratar-se de uma "tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade". Ou seja, de modo algum ele tentou reduzir a dimensão desse fato lamentável.

    Não podemos ignorar que o governo, através de seu atuante ministro da Justiça, tem se posicionado muito bem quanto a essa questão.

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    1. Tudo bem, Rodrigo. Não sei
      se vou ferir a lingua portuguesa: Um "acidente" que vinha sendo anunciado desde o ano passado.

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    2. Ferir o idioma numa circunstância dessas seria o menor de todos os males quando a as pessoas e até mesmo o controle do Estado nessas penitenciárias encontra-se sob ameaça dos bandidos.

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  4. Para que vocês tenham ideia do que parte da sociedade brasileira anda pensando, vejam só umas das postagens que colhi no sítio de relacionamentos Facebook:

    "REVOLTANTE: Um dos mortos na briga de facções em Manaus é Errailson Ramos de Miranda, preso em 2009 acusado de ESTUPRAR e MATAR a menina Maria Eduarda Feitosa dos Santos, de APENAS 4 ANOS de idade. Ele a matou a facadas, de foma cruel, bárbara, fria e dolorosa, sem direito algum a defesa. Errailson respondia também por três assassinatos e tráfico de drogas. Errailson custava R$5.000,00 ao mês aos cofres públicos e agora sua família irá receber R$150.000,00 de indenização, a família da garotinha de 4 anos e as outras vítimas de Errailson não receberam nem os pêsames do estado. Brasil é o país do politicamente correto e inversão de valores, meu sonho é que aqui um dia os direitos humanos pense também nos humanos direitos e não apenas em VAGABUNDOS, esse e alguns em Manaus foram mais que tarde!!"

    Lamentável que muitos olhem assim. Pois nada justifica o fato de alguém estando sobre a guarda do Estado ser assassinado pela falta de segurança num estabelecimento prisional independentemente do que tal pessoa fez.

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    1. Eu encontrei teu blog, durante uma pesquisa para apurar se este rapaz tinha começado o crime, ou se houve algum tipo de comprovação. Pois em todo lugar se destaca a palavra "acusado". Ser acusado é uma coisa, ter cometido o crime é outra. Não que algo justifique sua morte, nem nada, muito menos uma defesa de um criminoso, mas todos sabemos o quão falha é a justiça brasileira.

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    2. Olá, amigo.

      Concordo plenamente com o que colocou.

      Como se observa na mensagem que transcrevi de um usuário do Facebook, nossa sociedade anda já prejulgando as pessoas e faz isto de maneira muitas das vezes injusta.

      Ora, se falta ainda uma condenação, como dizer que alguém estuprou e matou?

      Mas como bem colocou, eis que a nossa Justiça é muito falha, sendo que, devido à injustiça reinante em muitos lugares e situações, pessoas da sociedade consideram justificável retribuir o mal com as próprias mãos. Realmente muito preocupante.

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    3. Fato é que muitos andam comemorando (mesmo que seja só intimamente) a morte desses presos do Amazonas e Roraima. Neste sentido, as palavras ditas pelo ex-secretário nacional da Juventude, Bruno Júlio, o qual já pediu pediu demissão do cargo que ocupava, reflete o que boa parte das pessoas pensam.

      Conforme a imprensa amplamente noticiou, Bruno havia dito ontem à coluna do jornalista Ilimar Franco, do jornal O Globo, na internet, que: "Eu sou meio coxinha sobre isso. Sou filho de polícia, né? Sou meio coxinha. Tinha é que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana."

      Não tenho dúvida de que, caso houvesse uma consulta popular no Brasil quanto a pena de morte (e para isso seria necessário uma nova Constituição), a maioria seria a favor tal como na questão do porte de armas. Muito triste isso...

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