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terça-feira, 6 de novembro de 2012

No fundo somos todos responsáveis






Conforme bem aprendi na faculdade de Direito, a responsabilidade civil tem três pressupostos indispensáveis para a sua configuração. Ou seja, para que uma pessoa seja condenada a indenizar alguém, é preciso que o juiz verifique a existência da conduta culposa do agente, o dano causado à vítima e a relação de causa e efeito entre a prática ilícita e o resultado.


Entretanto, nem sempre a relação é estabelecida de uma maneira simples podendo surgir inúmeras hipóteses de causalidade múltipla no nosso cotidiano com diversas circunstâncias concorrendo entre si para o evento danoso. Assim, surge o desafio para os magistrados e demais operadores do direito quando se torna necessário identificar qual fato foi determinante para gerar o resultado.

Afim de resolver esse problema, surgiram várias teorias no meio jurídico tentando estabelecer a causa dos eventos danosos. E, por uma questão prática, o Direito Civil brasileiro, tal como outros países de tradição romano-germânica, optou pela teoria da causalidade adequada em que, quando duas ou mais circunstâncias concorrem para a produção do resultado, deverá o julgador escolher por aquela que interferiu decisivamente. Em outras palavras, busca-se responder a indagação se a ação ou omissão do réu seria, por si só, suficientemente capaz de gerar o dano.

Tal teoria certamente atende bem aos critérios de praticidade dos nossos tribunais mas nem sempre promove a Justiça. Isto porque, ao desenvolver o seu raciocínio lógico, como bem reconheceu o jurista Caio Mário, o magistrado precisa "eliminar fatos menos relevantes que possam ter figurado entre os antecedentes do dano". Segundo comenta o saudoso mestre na 9ª edição de seu livro Responsabilidade Civil, editora Forense, pág. 09,

"o critério eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na sua ausência, o prejuízo ocorreria. Após esse processo de expurgo, resta algum que, no curso normal das coisas, provoca um dano dessa natureza. Em consequência, a doutrina que se constroi neste processo técnico se diz da causalidade adequada, porque faz salientar, na multiplicidade de fatores causais, aquele que normalmente pode ser o centro do nexo de causalidade."

Diversamente do Direito Civil, o nosso Código Penal adotou expressamente a denominada teoria da equivalência das condições para fins de verificação da responsabilidade criminal conforme dispõe o artigo 13 da lei. Dentro deste entendimento, todo fato será considerado causa se tiver concorrido para a ocorrência do resultado. Não há distinção entre a causa e a condição. Havendo várias circunstâncias concorrentes, não se procura definir qual delas teria sido a mais adequada ou eficaz para a produção do evento danoso.

A crítica feita a essa teoria seria que a sua aplicação acaba incluindo inúmeros atos e fatos no estabelecimento da relação de causalidade. Pois, se no Direito Penal a equivalência dos antecedentes facilita a absolvição, eis que, numa ação indenizatória, no Juízo Cível, haveria um número infinito de pessoas sendo responsabilizadas. Ou seja, adotando-se a equivalência das condições, deve reparar à vítima não apenas quem foi causa direta do resultado, mas todos os que de alguma maneira contribuíram para o evento prejudicial são condenados a pagar.

Mas deixando um pouco de lado as coisas que cotidinamente ocorrem na rotina forense, busquemos trabalhar esses conceitos jurídicos no campo da cosmoética acreditando ser possível construir uma nova sociedade com pessoas mais conscientes. Esqueçamos assim, por um pouco de tempo, da demagogia retributiva, da indústria do dano moral, da necessidade de ganho de causa dos advogados e do tráfico de influência das grandes empresas para, finalmente, tentarmos colocar as coisas em ordem. E aí pergunto:

Quem é que deve ser de fato responsabilizado diante da vida?

Tentando responder a essa relavante indagação, eu diria que todos precisam reparar os danos e que, ao mesmo tempo, ninguém deve receber severa condenação. Pois qualquer evento ruim recebeu inúmeras contribuições direta e indiretamente de cada um de nós, inclusive da própria vítima. Assim, um latrocínio numa cidade decorreu não apenas da delinquência do assassino como também da desigualdade sócio-econômica, do policiamento muitas das vezes ausente, da omissão familiar do agente criminoso, da deficiência na formação ética nos ambientes da escola, do mal exemplo e da corrupção das autoridades as quais permitem a entrada ilegal de armas no território nacional. E sem nos esquecermos também do eleitor que vota mal em troca de favores imediatos.

Assim, todos somos chamados à responsabilidade cosmoética e devemos nos empenhar em reparar os danos ainda que priorizando as situações nas quais participamos diretamente para a ocorrência do resultado. Por outro lado, devemos ser mais compreensivos e solidários com aqueles que a sociedade e a Justiça dos homens condenam porque passamos a nos ver também sentados no banco dos réus. E, se o outro recebe uma pena pela prática de um ato capaz de justificar a restrição da sua liberdade, temos o dever de auxiliá-lo a recompor o dano causado e reintegrá-lo à vida em sociedade.

Tenho pra mim que um dos maiores exemplos de ética a ser seguido seria aquele do episódio bíblico que fala da conversão de Zaqueu (ver o Evangelho de Lucas, capítulo 19, versos de 1 a 10). Na perícope, quando o rico chefe dos publicanos de Jericó encontra Jesus e ouve suas palavras, ele é profundamente tocado e resolve dar a metade de seus bens aos pobres e restituir em quádruplo as pessoas por ele prejudicadas. Ou seja, Zaqueu tomou a consciência de que os valores cobrados em excesso pelos impostos empobreceram também a sua cidade e a maneira de se resolver isso seria distribuir parte de sua riqueza aos mais necessitados. E, quanto aos que lesou diretamente, não bastaria apenas devolver o valor correspondente à quantia subtraída mesmo que com juros. Caberia-lhe indenizar com satisfatória suficiência para tentar anular ou desfazer todas as consequências decorrentes (patrimoniais ou imateriais).

Será que no caso de Zaqueu as duas teorias jurídicas não foram aplicadas por ele próprio?

Desejo que, como Zaqueu, busquemos assumir a nossa responsabilidade cosmoética em relação à vida e que façamos isso debaixo da restauradora graça divina. Pois, já que a Justiça estatal é falha (será sempre limitada porque os homens não são deuses), acredito ser possível à Igreja iniciar a tarefa de recomposição de danos. E isto pode ser promovido através da voluntariedade das pessoas.

Finalizo orando para que Deus ilumine a todos e também aos nossos operadores do Direito!


OBS: A imagem usada neste artigo refere-se ao quadro pintado por Lucas Cranach, o Velho (1472–1553) de 1537. Extraí a ilustração do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gerechtigkeit-1537.jpg

2 comentários:

  1. Olá Rodrigo, Da leitura deste texto o que me chama mais a atenção é que você é uma pessoa de grande sensibilidade não afirmo que seja o seu caso mas sempre tenho a preocupação que a sensibilidade exacerbada, que em si é ótima, não gere perplexidade que em si não é bom. meu dilema é sempre na no sentido que existe algo de pratico a ser realizado uma busca da pratica ideal não perfeita, mas ideal dentro da transformação que pretendemos propiciar. é claro que enquanto reflexão seu agir beira a perfeição, no meu entender. mas sempre me preocupa a ação. mesmo que adiado devemos ter sempre um plano de ação e sempre confiantes em Deus, como bem expôs no excelente post anterior.
    Um abração.

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    1. Caro Gabriel. Certamente que a justiça humana jamais sera perfeita e nem tem como promover um aperfeiçoamento ético e íntimo do ser humano. Ela tem servido para atender o fim de pacificar a sociedade nos seus conflitos e mesmo assim ainda falha, indo mais de encontro aos interesses dos que estão em cima e não em baixo. Todavia, penso que um novo mundo e possivel de ser construido pelo amadurecimento cosmoético do ser humano tratando cada qual melhor da propria consciência. Numa sociedade mais evoluida, talvez nem haveria litigios. Ou estes seriam bem mais reduzidos. Isto porque o ser humano aprenderia a se auto-avaliar.

      Sobre a sensibilidade maior , mesmo a exacerbada, ela sempre sera util à percepção humana, desde que nãocause impactos negativos nos campos da emoção e raciocínio inviabilizando a prática. Dai sei que, se fosse um juiz, não chegaria lá tão perto de um ideal perfeito. Mas acho que e sempre válido batalhar por um ideal, um melhoramento.

      Forte abraço, amigo!

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