Nesta sexta-feira (19), o Congresso Nacional aprovou a Lei Orçamentária Anual de 2026 (LOA-2026), com despesas totais estimadas em R$ 6,5 trilhões e uma previsão de R$ 61 bilhões destinados a emendas parlamentares, muito acima dos valores originalmente propostos pelo Poder Executivo.
A votação, simbólica, não registrou individualmente como cada parlamentar se posicionou — mas o resultado, fruto de negociações intensas, foi cristalino: uma série de cortes em programas sociais estruturantes foram usados para “liberar espaço fiscal” justamente para majorar o montante destinado a emendas, em ano eleitoral.
Relatórios e análises de veículos nacionais apontam que, em comparação com o texto enviado pelo Executivo, o Auxílio Gás foi reduzido em cerca de R$ 300 milhões e o programa Pé-de-Meia sofreu corte de cerca de R$ 436 milhões. Despesas com benefícios previdenciários também foram reduzidas em torno de R$ 6,3 bilhões para abrir espaço às emendas parlamentares.
Parlamentares favoráveis à ampliação das emendas celebraram o “atendimento às bases”, mas vozes críticas — inclusive dentro da própria base do governo — já alertaram que a lógica de transformar o orçamento em moeda eleitoral agride o sentido democrático e republicano do planejamento público.
Programas sociais em xeque: o que está em jogo
Os cortes atingiram diretamente políticas que representam ganhos concretos para milhões de brasileiros:
- Auxílio Gás — benefício focado em aliviar o peso do custo do botijão de gás para famílias de baixa renda.
- Pé-de-Meia — uma iniciativa voltada para estudantes de baixa renda, contribuindo para permanência escolar e inclusão social.
- Benefícios previdenciários e de assistência social — que atendem idosos, trabalhadores formais e informais, e garantem renda mínima a vulneráveis.
Esses programas não são “gastos supérfluos”: são instrumentos de redução de desigualdade, combate à fome, apoio à educação e garantia de sobrevivência digna. Cortá-los em benefício de emendas parlamentares pulverizadas — frequentemente ligadas a interesses locais e imediatistas — representa uma inversão grave das prioridades sociais.
Análise jurídica: fundamentos para um veto presidencial
O Chefe do Executivo tem fundamento constitucional robusto para vetar, no todo ou em parte, essas emendas que redirecionam recursos de políticas sociais para emendas parlamentares, com base em:
📌 Interesse público e proteção de direitos sociais
A Constituição Federal garante, no artigo 6º, os direitos sociais como educação, assistência e seguridade. Reduzir significativamente recursos destinados à sua efetivação para majorar o montante de emendas parlamentares contraria o interesse público primário e compromete a efetividade dos direitos fundamentais.
📌 Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
A simples transferência de recursos de programas estruturantes para emendas discricionárias, sem justificativa técnica transparente nem necessidade fiscal comprovada, configura afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois sacrifica grupos vulneráveis para atender prioridades particulares.
📌 Vedação ao retrocesso social
Embora o STF não considere retrocesso social uma regra absoluta, cortes significativos em políticas que concretizam direitos sociais sem justificativa clara e alternativa de proteção podem ser interpretados, em sede de controle judicial, como indícios de desrespeito à vedação ao retrocesso — sobretudo quando se altera a capacidade do Estado de garantir o mínimo existencial.
Comportamento parlamentar: eleitoreiro, oportunista e tendencioso?
Do ponto de vista ético e político, a estratégia de ampliar emendas parlamentares em detrimento de políticas sociais se insere em um padrão que merece críticas contundentes:
- Oportunismo eleitoral: em um ano de eleições nacionais, assegurar recursos para emendas que permitem obras localizadas e “visíveis” tende a ser usado como ferramenta de captação de voto, em vez de priorizar políticas universais e estruturantes.
- Tendência clientelista: a lógica de orçamentos pulverizados em emendas favorece uma relação assistencialista entre representantes e eleitores, em detrimento de políticas públicas de longo prazo.
- Desconsideração pelos vulneráveis: retirar recursos de quem mais precisa para financiar agendas fragmentadas é uma opção politicamente conveniente, mas socialmente reprovável.
Essa sensação de ruptura entre as necessidades da população e as prioridades do Congresso alimenta um sentimento de profundo descontentamento popular — expresso nas grandes manifestações de 21 de setembro e de 14 de dezembro — que gritavam por um Legislativo mais alinhado com o interesse coletivo. A frase “Congresso Inimigo do Povo”, ainda que hiperbólica, sintetiza a percepção de muitos cidadãos de que a maioria dos congressistas não tem agido em favor da população.
Conclusão: por que o veto é necessário?
Diante do exposto, a sanção pura e simples da LOA com essas emendas seria um grave equívoco. Seria endossar uma política que desloca recursos de programas sociais essenciais para atender clientelismo político e interesses particulares em ano eleitoral.
O veto do Chefe do Executivo às emendas que desfiguram a LOA-2026 não só encontra amparo jurídico quanto responde a um apelo ético e social: priorizar direitos fundamentais, proteger os mais vulneráveis e resgatar uma cultura de políticas públicas que respondam ao interesse coletivo e não às pressões político-eleitorais.
📷: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados.

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