Páginas

sábado, 13 de dezembro de 2025

Narrativas que ignoram a realidade: o custo político da fantasia bolsonarista



A política exige leitura da realidade, compreensão das instituições e respeito aos limites do possível. Quando narrativas passam a substituir fatos, o resultado não é mobilização consciente, mas frustração coletiva. Nos últimos anos, o bolsonarismo tem sido um exemplo recorrente desse fenômeno: a construção de expectativas irreais, repetidas à exaustão, até que colidam com a realidade — quase sempre de forma ruidosa.


Após as eleições de 2022, parte expressiva da base bolsonarista passou a acreditar que as Forças Armadas interviriam para reverter o resultado das urnas. Ignorou-se deliberadamente a Constituição, o papel institucional dos militares e o próprio histórico republicano do país. A promessa velada de uma “solução de força” funcionou como combustível emocional, mas nunca teve sustentação jurídica ou política. O desfecho foi previsível: não houve intervenção, apenas frustração e radicalização de uma parcela dos seguidores.


O mesmo roteiro se repetiu recentemente na política internacional. Criou-se a ilusão de que Donald Trump, uma vez no poder, atuaria como uma espécie de tutor ideológico da extrema direita brasileira, usando instrumentos como a Lei Magnitsky para atacar instituições e autoridades do país. Mais uma vez, a realidade impôs seus limites. Os Estados Unidos operam com base em interesses estratégicos e comerciais, não em fidelidades pessoais ou cruzadas ideológicas importadas. O recuo de Trump expôs o óbvio: não há alinhamento automático, muito menos disposição para comprar disputas internas do Brasil.


Essas narrativas não são erros inocentes. Elas cumprem uma função política clara: manter a base mobilizada, transferir responsabilidades e alimentar a ideia permanente de que uma força externa — militares, potências estrangeiras, líderes messiânicos — resolverá conflitos que só podem ser enfrentados no terreno democrático. É uma forma de terceirizar a política e fugir do debate real.


O problema é que a fantasia tem custo. Cada expectativa inflada que se desfaz corrói a credibilidade das lideranças que a promoveram. Cada promessa impossível reforça a desconfiança nas instituições e aprofunda a desconexão entre discurso e realidade. No fim, sobra um eleitorado frustrado, radicalizado e cada vez mais distante da política concreta.


A democracia não se sustenta em mitos, salvadores ou atalhos. Ela exige maturidade, responsabilidade e compromisso com os fatos — mesmo quando eles contrariam desejos e crenças. Enquanto o bolsonarismo insistir em construir sua força sobre narrativas desconectadas da realidade, continuará condenado a tropeçar nos próprios delírios. E o preço dessa insistência não é apenas político: é institucional, social e democrático.

Nenhum comentário:

Postar um comentário