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quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Impeachment, banalização política e os limites do poder no Supremo Tribunal Federal



A recente reaparição, no noticiário político, de mais um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes recoloca em cena um fenômeno que se tornou recorrente no Brasil contemporâneo: a banalização de um instrumento constitucional extremo em meio a um ambiente de tensões políticas inflamadas, polarização permanente e disputa simbólica pelo controle das instituições.

Pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal deixaram de ser exceção para se tornar quase rotina. Em grande parte das vezes, não decorrem de fatos juridicamente consistentes, mas de reação política a decisões judiciais impopulares junto a determinados grupos. Algo que deveria ser uma válvula institucional raríssima, apenas para casos extremos, passou a funcionar como retórica de intimidação ou como combustível para a guerra de narrativas.

No caso específico de Alexandre de Moraes, essa dinâmica se intensifica. Trata-se de um ministro que, nos últimos anos, assumiu protagonismo direto na defesa da ordem democrática, especialmente diante de ações e discursos oriundos da extrema direita que flertaram com a ruptura institucional, a deslegitimação do processo eleitoral e a corrosão da confiança pública nas instituições. Não por acaso, tornou-se alvo preferencial de campanhas de desmoralização, ataques coordenados e sucessivos pedidos de impeachment sem lastro jurídico robusto.

Reconhecer esse contexto é fundamental. A instrumentalização política do impeachment enfraquece o próprio Estado de Direito, pois transforma um mecanismo constitucional sério em arma retórica de ocasião.

No entanto — e este é um ponto igualmente essencial — a defesa da democracia não autoriza a suspensão dos princípios do controle, da responsabilidade e da legalidade. Nenhum agente público, nem mesmo os membros da mais alta Corte do país, pode estar acima da lei ou imune a qualquer forma de escrutínio. O desafio das democracias maduras não é proteger instituições contra críticas, mas criar mecanismos de controle que não sejam capturados pelo oportunismo político.


O Brasil em perspectiva comparada

Quando observamos outras democracias consolidadas, percebemos que o Brasil não está isolado em seu dilema. Estados Unidos, Alemanha, França, Portugal e Reino Unido também evitam submeter suas cortes constitucionais a corregedorias externas fortes ou a mecanismos disciplinares ordinários. Em todos esses países, o controle sobre juízes de cúpula é excepcional, político e raramente acionado.

A diferença crucial é que, em muitos desses sistemas, esse elevado grau de autonomia vem acompanhado de mandatos com prazo determinado, e não de cargos praticamente vitalícios. Na Alemanha, por exemplo, juízes do Tribunal Constitucional têm mandatos longos, porém fixos. Em Portugal e na França, a limitação temporal do exercício do cargo atua como freio estrutural à personalização do poder. Nos Estados Unidos, embora o mandato seja vitalício, o protagonismo político da Suprema Corte é historicamente mais contido, sustentado por uma cultura institucional de autocontenção.

O Brasil, por sua vez, combina três fatores de alta tensão:


  1. forte protagonismo político do STF;
  2. mandatos sem prazo definido;
  3. fragilidade de mecanismos intermediários de responsabilização.


É essa combinação — e não a existência do STF em si — que alimenta crises recorrentes.


A reforma mínima e realista

Diante desse quadro, reformas maximalistas ou punitivistas tendem a fracassar ou a gerar riscos autoritários. O caminho mais viável, institucionalmente responsável e comparável às democracias consolidadas passa por ajustes incrementais, e não por rupturas.

Dois eixos merecem debate sério:


1. Mandatos temporários para ministros do STF
A adoção de mandatos longos, porém com prazo definido, reduziria a concentração prolongada de poder, diminuiria a personalização de decisões e ampliaria a rotatividade institucional — sem comprometer a independência judicial. Trata-se de uma solução já testada com sucesso em outros países e compatível com o constitucionalismo democrático.


2. Controle funcional quando em exercício fora da Corte
Outro ponto sensível — e pouco discutido — é a atuação de ministros do STF em funções externas à Corte, como no Tribunal Superior Eleitoral ou no próprio Conselho Nacional de Justiça. Embora continuem sendo ministros do Supremo, é legítimo debater se, nessas funções específicas, não deveriam se submeter a mecanismos de controle interno e administrativo próprios do órgão em que atuam, ao menos no que diz respeito a atos não jurisdicionais.


Isso não significaria subordinação do STF ao CNJ, nem violação da separação de Poderes, mas sim diferenciação funcional de responsabilidades, algo comum em sistemas institucionais mais maduros.


Conclusão

A democracia não se fortalece com a banalização do impeachment, nem com a blindagem absoluta de autoridades. Fortalece-se com instituições fortes, previsíveis e controláveis, capazes de resistir tanto ao autoritarismo quanto ao oportunismo político.

Defender Alexandre de Moraes contra ataques desprovidos de fundamento não exige fechar os olhos para a necessidade de aprimorar o sistema. Pelo contrário: é justamente a defesa da democracia que impõe o dever de aperfeiçoar seus mecanismos de controle, antes que a crise permanente se torne a regra.

O Brasil não precisa enfraquecer o Supremo. Precisa, sim, torná-lo mais compatível com os padrões institucionais das democracias que resistem ao tempo.


📷: Antônio Augusto/TSE

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